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Amélia Malheiros: "A co­construção é o nosso lema"

Veículo: Notícias do Dia 

Seção: Entrevista 

A presidente do SCMC, movimento criado em 2005 para fomentar a capacitação e a interação entre as indústrias têxteis e as universidades, comenta sobre a evolução do projeto e seus próximos passos.

Filha de um casal que se conheceu na tecelagem da Empresa Industrial Garcia, onde eles se apaixonaram, a catarinense Amélia Malheiros, 51 anos, teve a mesma origem profissional de seus outros 11 irmãos. Quando completou 14 anos, a hoje presidente do movimento SCMC (Santa Catarina Moda e Cultura), gestora de Comunicação Institucional da Companhia Hering e da Fundação Hermann Hering, foi até outra indústria têxtil de renome de Blumenau, a Artex, para iniciar a carreira profissional.

Natural de Blumenau, Amélia recebeu o mesmo nome da mãe e, mesmo não seguindo os passos dela como tecelã, fez carreira na indústria têxtil. Durante três anos ela trabalhou na Artex para um programa chamado Falta Zero. Na sequência, teve uma passagem rápida em uma seguradora antes de ingressar na Malharia Thielmann, onde atuou por quase cinco anos como secretária da diretoria e no RH (Recursos Humanos).

Até que ela fez um curso em que conheceu Ricardo Belicanta, diretor da Hering, e ela ficou fascinada pela empresa. Decidiu que trabalharia lá e conseguiu entrar na equipe que formou o callcenter da companhia em 1992. Nunca mais saiu. Além de contabilizar diversas conquistas nestes 24 anos de trabalho na Hering, Amélia Malheiros esteve envolvida desde o início com o movimento SCMC, que tem ajudado a mudar a moda em Santa Catarina. Neste ano ela assumiu a presidência do movimento. Confira a entrevista feita com ela nesta semana na sede do ND: 

O SCMC (Santa Catarina Moda e Cultura) completou 10 anos em 2015. Quais foram as maiores contribuições do movimento para o setor têxtil do Estado até agora?

Pontuar um ganho específico talvez não seja tão fácil assim. Mas fazendo uma rápida retrospectiva, quando nós, há 10 anos nos reunimos enquanto movimento, quando alguns poucos empresários tiveram a percepção que juntos poderiam ser mais fortes e ir mais longe, o cenário era: vamos ter um apagão de talentos. Muito rapidamente não teremos os bons modelistas, criadores e designers que a nossa indústria catarinense precisa para se renovar e para conseguir o seu lugar no cenário da moda. Essa era uma percepção. Que estudantes estamos recebendo das nossas universidades dentro das nossas empresas e que chegam já achando que estão com o conteúdo, com o conhecimento todo desenvolvido? E a gente percebe que tem um gap enorme, daí vamos procurar profissionais fora, no eixo Rio­São Paulo. “A gente tem gente boa aqui, pelo amor de Deus!”, algo muito dito pela Sônia Hess de Souza, na época presidente do Grupo Dudalina.

O que mais vocês identificaram na época e que motivou a criação do SCMC?

Outras percepções: a gente tem problemas comuns, oportunidades comuns, e boas práticas para serem compartilhadas de algumas de nós (empresas), centenárias ou mesmo recentes no mercado, mas que fizeram e trilharam caminhos que podem inspirar as outras. Por que a gente tem que buscar tanto referência fora do Estado quando temos líderes inspiradores aqui mesmo entre nós? Os empresários que faziam parte do grupo era alguns destes. Santa Catarina tem que ter uma identidade. A gente só não descobriu ela ainda, mas há 10 anos a gente pensava isso. Qual é a identidade da moda catarinense? O que a gente faz aqui de único? Como é que a gente foi reconhecido por tantas décadas e talvez por mais de século como uma indústria que foi referência em qualidade, em serviço e em entregas e com uma boa relação custo­benefício e o fator inovação e criatividade, que sempre nos acompanhou, foi pouco alardeado. A gente precisa aprender a contar isso para o mundo, porque para nós a gente já fala muito bem.

E o quanto vocês evoluíram neste tempo, desde que o SCMC surgiu?

Ao longo destes 10 anos, ano após ano, a gente foi vencendo os desafios e foi entendendo também que o desafio, quanto mais o entendimento dele chegava para nós todos, alunos, entidades de ensino, professores e empresários, profissionais das empresas, mais ele se alargava. Ele não fechava. A gente não consegue aterrissar “Ah, que bom, então para fazer inovação é isso, a fórmula é essa, existe uma receita que todas as empresas podem seguir. Para ir para o varejo da indústria eventualmente o caminho é este”. Não, não tem receita. Não tem caminho fácil. Tem esforço e tem aprendizado. Esse esforço e aprendizado de fazer em conjunto, de olhar uma cadeia completa como nós somos dentro SCMC e Santa Catarina reflete esta cadeia, eu acho que temos que pontuar esse ganho. Ao longo destes 10 anos entregamos isso para o Estado. Jovens e alunos mais capacitados, professores que acordaram para a vida.

Por que sempre é complicada a formação para o mercado de trabalho. Muitas vezes os cursos não estão em consonância com a realidade exigida dos profissionais.

Nós tínhamos professores em algumas entidades de ensino... e nenhuma crítica ao modelo, mas que estavam muito acomodados. Era aquela fórmula: o professor lá na frente e os alunos com pouco conhecimento do dia a dia da empresa, onde o jogo lá é jogado, do mercado, achando que iriam para a empresa desenvolver a sua coleção. A gente costumava dizer: “Eles acham que vão ter um palco, uma caixinha de laranja, vão subir e vão reinar absolutos lá de cima”. E aí eles tinham que se deparar com conhecimento de processos lá dentro da indústria... 

Não só processos, mas um grupo inteiro para trabalhar junto sem você ser uma peça mais importante.

Grupos, com elos, liderança, convencimento e articulação, um jogo político que faz parte da realidade da empresa. E a gente conseguiu dar esse choque de realidade para as entidades de ensino, para coordenadores de curso, para professores. Para alguns mais, para outros menos. O fato é que estas 18 ou 20 entidades de ensino que ao longo destes 10 anos estão ou passaram por nossas mãos tiveram seus cursos de moda valorizados, mais procurados, alunos com formação que permite com que eles sejam absorvidos dentro das nossas próprias empresas. Com isso a gente não vai mais buscar sempre os talentos de fora. Hoje quase todas as nossas empresas do SCMC se não tem um posto de destaque absoluto, mas em um posto intermediário ainda em formação um jovem talento capacitado pelo SCMC. Então isso já é uma grande conquista.

Essa aproximação maior das universidades em relação à realidade das empresas seria, junto com um diálogo melhor entre as próprias companhias, o maior legado do SCMC?

Eu diria. Falando das empresas, nestes 10 anos, foram mais de 45 empresas que passaram pelo movimento em diferentes momentos. Em diferentes momentos do nosso movimento e em diferentes momentos delas próprias. A gente começou a analisar há pouco tempo, da gestão anterior para cá, um pouco do perfil dessas empresas todas que, de alguma forma, disseram “sim” para o movimento. Porque o empresário quando ele entende a proposta de valor do SCMC e o que a gente quer provocar, ele precisa fazer uma reflexão interna, o quanto ele enquanto empresário e empreendedor está preparado para levar este discurso para dentro da empresa, e qual é o eco que vai ter dentro da organização.

Nem todas as empresas passam pelo mesmo processo e história dentro do SCMC?

Então tiveram, e tem ainda até hoje, algumas empresas que ficam durante um ano, tiram algum proveito, não conseguem materializar na hora aquilo que elas viveram porque não estavam em um nível de percepção prontas para aquilo, voltam... algumas nunca mais voltaram para o SCMC, mas boa parte delas fica um tempo fora e volta depois. Para outras que acompanharam e as cofundadoras, aquelas que talvez sejam as que mais acreditam nesse processo todo de transformação, o que a gente pode perceber foi uma evolução incrível do modelo de negócios. Cada uma na sua visão.

Das empresas que começaram o SCMC, quantas continuam até hoje, com vocês trilhando o 11º do movimento?

Olha, pelo menos cinco de certeza. Mas eu vou fazer uma conta. Marisol, Hering, Tecnoblu, Dudalina e Karsten são cofundadoras, que começaram o movimento e estão até hoje. Lá atrás, no início, também tínhamos a Buettner, mas que teve as suas dificuldades. Lancaster e Dalila entraram nos dois anos seguintes. As fundadoras são essas cinco e que continuam até hoje.

Essas empresas que estão há mais tempo no movimento, experimentaram que avanços por causa do SCMC? As mudanças maiores passaram por mudança de cultura das empresas, não é mesmo?

Muito. E não dá para acreditar. Só a vivência dentro do SCMC a transformação que estas empresas viveram, nós não somos ousadas a este ponto de dizer “Não, foi o SCMC que provocou uma grande mudança, por exemplo, na Hering”. Uma companhia de 135 anos com uma cultura super forte, estabelecida, se entendendo como uma gestora de marcas, mas todos os que passaram pelo processo, sejam os estilistas, a equipe de engenharia de produto, o P&D (pesquisa e desenvolvimento)... eu sempre tive uma dificuldade ainda na Hering como porta­voz do SCMC dentro da companhia: a minha área de criação ficava em São Paulo. Então eu ainda tinha o processo de logística. Mas tive sempre apoio do diretor administrativo, do presidente do Conselho, que enxergavam valor no nosso movimento. Mas vou deixar para deixar da Hering no final.

Que outros exemplos podes dar?

Outras empresas que foram entendendo como o seu modelo de negócio precisava ser transformado para entender esse novo consumidor quando esse consumidor passou a fazer um pouco mais de parte da discussão. E boa parte dessa entrada do consumidor no nosso cenário foi através das discussões do SCMC, porque a gente viu isso acontecer em outros mercados, dito por outros líderes que nós trouxemos para trocar com a gente durante todos os movimentos que tivemos com tantos palestrantes, tantas trocas, tantos workshops, tantas capacitações, tantas parcerias sobre inovação, com convidados de fora do país, inclusive. Com apoio de sociedades de classe forte, como a Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), a Fiesc, entre outras. Essas empresas elas foram tentando entender como é que o seu modelo de negócio poderia criar, capturar, desenvolver e compartilhar mais valor. Valor passou a ser a palavra de ordem do nosso cenário.

E compartilhar, não? Porque daí entramos no Marketing 3.0 e na necessidade de criar valor compartilhado e olhar para todos os elos envolvidos no processo.

E aí ter uma visão do todo, ter uma visão multi stakeholder (pessoa ou grupo que tem partcipações em uma empresa), porque o risco de você ter uma visão uni stakeholder é que você nem pode colocar todo o seu esforço para atender o público interno e nem todo o seu esforço para atender o acionista, o investidor, ou o dono da empresa, ou a família, ou só consumidor, é um conjunto de stakeholder que precisa ser equilibrado e para o qual você precisa atender as demandas. E isso não é nada fácil. E para cada empresa tem um tempo, um entendimento e um nível de maturidade. Eu recentemente descobri esse autor, um americano, o Richard Barrett.

Por que ele chamou a tua atenção?

Ele vem para o Brasil pelo menos uma vez por ano e desenvolveu uma teoria dos níveis de consciência. Ele pegou a pirâmide de (Abraham) Maslow, basicamente, e desenvolveu mais alguns níveis de sobrevivência no topo da pirâmide. Então temos os níveis clássicos da sobrevivência, da autoestima e do relacionamento, o nível da coesão interna sobre esta pirâmide e, depois, ele agregou o nível de transformação, o nível de fazer a diferença e o nível de servir. Ele diz mais ou menos o seguinte: uma empresa, uma pessoa, um cidadão ou um movimento como o nosso ele tem valores. Nós nos norteamos por valores e crenças. A nossa crença que o empreendedorismo vale a pena, que o governo não vai resolver os nossos problemas, que investir no estudante é melhor do que chorar depois porque não tem talentos para as nossas empresas, que investir no público interno capacitando esse público, que é hoje o grande foco do SCMC, capacitar as equipes criativas. Esses valores e crenças nos colocam em níveis de consciência. Não tem nada errado e não tem nenhuma crítica.

Porque diferentes pessoas e empresas estão em diferentes níveis de consciência e se relacionam entre si.

Nenhuma pessoa, nenhum ser humano e nenhuma organização é só um nível, está só em um ponto. Mas você tem que entender essa teoria que faz muito sentido na nossa vida pessoal e profissional para fazer escolhas, para fazer desenvolvimentos. Uma empresa ou uma pessoa que está no nível de sobrevivência é da mão para a boca. Pode ser uma empresa de 100 anos, inclusive, que ela só trabalha para pagar conta e fornecedor, para fazer produto e mandar para o mercado. Ela não está muito preocupada com a comunidade, com o entorno, com o desenvolvimento, com modelo em rede, para ela o que importa são os números. Está errado? Não. Talvez 90% das companhias no mundo ou menos hoje, mas uma grande parte, tem muitos valores neste ponto. E é importante ter, porque se você não tiver o valor da sobrevivência bem fundamentado...

Esse nível superior à pirâmide básica, o da coesão interna, também seria aquele em que as empresas rediscutem os seus valores e missão, por exemplo?

Isso mesmo. Busca de coerência. Eu digo que pessoas são o meu maior ativo, todo mundo adora colocar isso no quadro de valores, e aí quando eu tenho uma escolha para fazer de orçamento para investir em uma capacitação importante para desenvolver um colaborador ou para colocar uma campanha de marketing eu corto o primeiro e deixo a campanha de marketing. E é uma escolha dura para ser feita.

Escolhas temos que fazer sempre, pessoas, empresas e organizações, e essas escolhas falam muito do que realmente cada um é.

Isso é estratégia. Há quem mande a equipe para fora ver algo e copiar, não deixa ela criar. Você não desenvolve nenhuma área de criação, nem de inovação, nem de P&D, eles tem que ir lá para fora (do país), fotografar, copiar e chegar aqui porque o consumidor quer isso. Não, então não é um valor para a tua empresa a inovação. Então coesão interna... tem uma autora que fala muito, a Carolyn Taylor, o "walking the talk". Isso é quando você anda e fala a mesma coisa. Você começa a se confrontar com isso: “E se eu deixasse de existir amanhã?”. Um dia a gente, o SCMC se fez essa pergunta.

E a que resposta vocês chegaram?

Nós estávamos em um grupo, que é o conselho criativo, e quem estava conduzindo o trabalho perguntou para a gente: “E se o SCMC deixasse de existir amanhã? Qual vocês acham que seria a grande perda para Santa Catarina, para os empresários, para os estudantes, para todos os públicos?”. Chegamos a várias respostas, boas respostas graças à Deus. Ninguém falou “Pois é, que pena se deixar de existir”.

Do tipo “não vai fazer falta nenhuma”.

Não vai fazer falta. Foi nessa linha das entregas que a gente estava falando. As conclusões foram nessa linha. Primeiro que é um movimento que engaja as pessoas antes das empresas. Quem estava lá ontem conosco (terça­feira, em um encontro do SCMC), estávamos em 11 profissionais, entre quatro professores, eu e a Paula (Cardoso, gestora executiva do SCMC), mais o condutor e quatro pessoas que são os criativos da empresa. Tinha uma empresária que atua também na criação em uma empresa menor. E a discussão focou muito nisso, no que a gente conseguiu trazer de luz para o Estado em 10 anos, coisas que não se discutiam aqui dentro. Não deu conta ainda, não deu para sanar e nem para a gente desvendar o potencial que este Estado tem para trazer a sua identidade mais reforçada para o negócio de moda, do design e da criação, mas certamente hoje faria uma falta e deixaria uma lacuna porque não é só uma escola de negócios. Eu não estou voluntária 10 anos sem ganhar nunca nada além da minha... eu sempre digo que o SCMC foi o meu divisor de águas profissional inclusive.

Por que fazes esta análise? No que ele mudou a tua trajetória profissional?

Na minha carreira de Hering ele conseguiu me projetar para um outro patamar dentro da companhia. Pelo meu envolvimento pessoal com a causa. Então antes de tudo é uma causa que as pessoas escolheram. Como era a Amélia antes do SCMC e o que mudou depois que o movimento foi criado? Eu não tinha essa percepção da cadeia da moda toda. Nem do Estado e nem do quanto estávamos talvez defasados dentro da companhia em alguns processos. E quando a gente se deparou e conseguiu ouvir... pensa nos empresários mais bacanas do Brasil e do mundo que a gente já trouxe para falar. Eu fiz três missões internacionais. Fui para Portland, para o Japão, para os Estados Unidos e agora vou para a Espanha. Proporcionado por essa imersão dentro do SCMC. Isso me abriu a cabeça de um jeito que eu nunca mais voltei a ser a mesma.

E isso tudo foi multiplicado. Algo interessante do SCMC não apenas o debate que o movimento fomenta, mas também e principalmente a forma com que ele compartilha informações e fomenta a educação.

Não tem caminho fácil. E essa discussão da autoestima mesmo. Por que Santa Catarina não conseguiu, com tudo de bom que faz... não foram nem um e nem dois pensadores da moda, críticos, eu poderia te citar vários aqui, que quando vem para o nosso Estado, de Alexandre Herchcovitch, até Lino Villaventura, de Jackson Araujo, de Robert Stein, Guto Indio da Costa a Ozires Silva, eu não poderia te citar quantos vieram e que quando entendem o que é Santa Catarina para o cenário de indústria têxtil, como os empresários daqui enxergam e falam pouco porque dizem que tudo que fazem não é mais do que a obrigação, são politicamente corretos socialmente e ambientalmente, eles ficam passados porque isso não sai para o mundo.

Já que comentaste este ponto, deixa eu te perguntar: Santa Catarina até os anos 1980 era referência de indústria têxtil no país e até na América Latina. Era referência, era reconhecida. Por que perdemos esse protagonismo a partir dos anos 1990, salvo algumas exceções? A cadeia produtiva em si, por que perdeu protagonismo?

Acho que começamos a discutir um pouco isso bem depois (de ter começado a acontecer), em 2005. Mas a gente já discutiu isso. Eu já discuti até com o Ulrich Kuhn, do Sintex (Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau). Ele sempre falava isso que a gente sempre viveu um pouco no berço esplêndido. Pelo menos uma década a gente perdeu dos 1980 até os 1990, quando a gente achou que ainda éramos os bam­bam­bans. E aí o mundo já tinha descoberto outras formas de produção, outros clusters. A China já estava despontando. No início dos anos 2000 a China começou a chegar com camisetas por US$ 1 no Brasil.

Nesse ponto caiu a ficha. Mas daí já era tarde, não?

Aí caiu a ficha, mas o movimento de reação... Porque você aprende de duas formas, ou pelo amor ou pela dor. Foi falta de percepção, de humildade, aquilo de “A gente sempre fez isso. Não vamos mexer em time que se ganha. Aqui temos a força do trabalho e a força do trabalho supera tudo”. Não. Precisou inovar, trazer criatividade, porque a força só do trabalho bem executado já não dava mais conta.

O setor ainda estava no Marketing 1.0, em que o que interessa é o produto e vender.

Isso, estava no Marketing 1.0 e o consumidor já estava no 2.0, a filantropia estava no 2.0, tudo tinha evoluído e a gente ainda no marketing, na forma de produção e no modelo de negócio 1.0. E poucas foram as empresas, talvez dessas cinco fundadoras do SCMC sim, porque foram cases de transformação, conseguiram vencer as duas décadas que se passaram para se tornar referência hoje. Mas Sulfabril ficou (pelo caminho), a Teka ficou, tantas outras... a Artex ficou no passado. Cama, mesa e banho mesmo sofreu muito. Exportavam muito, e quando vieram para brincar no mercado nacional, jogar esse jogo, não tinham conversa com o consumidor aqui dentro. As marcas não era conhecidas. Então elas faziam um orçamento lindo, mas vendendo lá para fora. E elas vendiam basicamente capacidade de máquina, elas não vendiam marca.

As empresas se preocupavam em produzir, não em ter uma identidade reconhecível e que conversasse com os consumidores.

Isso nos aconteceu (Hering) na época mesmo. Até cair a ficha, nos anos 2000, quando nós vendíamos Abercrombie, Nike, Hollister, Harley Davidson... às vezes eu levava visita para a fábrica e eles perguntavam se era uma fábrica da Nike. A fábrica toda era produto Nike. A gente falava “Não, a gente produz também. Mas produzíamos etiquetas para outros”. Não fazia o nosso produto chegar lá fora para o consumidor. E aí, como um dia, do zero, você pensa que você é uma gestora de marcas? Não, o caminho começa bem antes. Reforçando a tua identidade dentro de casa, fazendo o teu dever...

Até então não existia uma discussão de inovação, de marca, de identidade de produto.

Isso é o que SCMC trouxe um pouco e tem trazido cada vez mais. E tem nos inquietado. Ontem era para ficarmos três horas e ficamos quatro horas com essas pessoas no SCMC, das 18h as 22h. A gente começou a resignificar o SCMC na proposta de valor. Então imagina que rica foi a metodologia. Nós tivemos um parceiro...

Trabalharam com design thinking?

Não foi exatamente um design thinking, mas foi uma metodologia parecida. Também canvas, mas não o design thinking na prototipagem toda, nas últimas etapas, mas o começo foi. A gente começou então da proposta de valor, com os quatro grupos separados, e todos trouxeram a mesma proposta de valor, a cocriação, compartilhamento, tudo isso que estamos falando agora; quem são os nossos clientes, e elencamos pelo menos quatro clientes do SCMC, mas poderiam ser milhares, porque tem muito mais gente que interage com a gente.

E quais foram estes clientes que vocês identificaram?

Basicamente a gente elencou instituição de ensino através do professor e da instituição em si e o aluno; o empresário; o colaborador da empresa e o dono da empresa. Esses quatro analisamos ontem no nosso exercício. E quais são as dores desses públicos. Então dores básicas e bobas, como o aluno que ainda espera que tenha formação no curso dele com palquinho e com desfile para a coleção dele e queria ter isso dentro do SCMC. Mas opa, essa não é mais a nossa entrega faz tempo. Não nos propomos isso faz tempo. O empresário dentro do SCMC queria ver aquela inovação trazida pelo novo olhar do aluno mais materializada, rapidamente, para gerar recurso financeiro também, porque é importante para ele.

Por que as boas ideias precisam dar resultado prático.

Inovação só é inovação quando ela gera resultado na ponta, se não ela é uma ideia, bacana e tudo, mas ela não se configura como inovação. Depois de colocar as dores dos nossos clientes, para poder focar nas entregas deste ano, fizemos um pôquer em que tínhamos uma carta para dar para cada dor, de 1 até 5, sendo 5 a pior dor e 1 uma dor que até dá para deixar, porque a gente precisa melhorar, mas não precisa ser agora. Estavam com professores que estão desde o primeiro ano com a gente, da Udesc, da Univali e do Senai, e que são parceiros fundamentais. Mas queria voltar para a questão dos propósitos...

Sim, por favor, vamos voltar ao que estavas comentando antes.

Essa discussão do propósito é um momento rico para o ser humano, para a empresa, para o movimento e para qualquer... porque é quando você se defronta com o espelho, com a tua verdade interior. Quando você consegue passar e não é tanta gente que passa para o nível em que você passa por um processo de transformação, e aí tudo pode acontecer. Você pode...

Radicalizar, por exemplo.

Pode radicalizar ou não, você pode também validar tudo que estava fazendo. Por que você pode dizer “Não, é isso mesmo, eu realmente olho pra trás hoje e tenho orgulho, não quero tirar nada da minha mala, da minha bagagem, quero levar a minha sombra até os meus 80 ou 90 anos”. Mas também pode dizer “Não, eu preciso passar por um momento de descoberta, tirar um ano sabático, eu preciso fazer uma imersão, eu quero mudar de emprego, de empresa”. Enfim, tudo pode acontecer na vida pessoal também, é um fase rica, dura, árdua, de terapia. Na fase seguinte a empresa já passa a olhar muito mais para fora, e ela já entende que ela precisa fazer a diferença. Muitas das empresas do SCMC estão aqui, porque os empresários não estão há 10 anos investindo, e são eles os que mais pagam a conta, porque eles estão em um nível inferior. Eles tem valores em fazer a diferença.

Ele percebe que está em um contexto em que não está só investindo e gerando renda e emprego, mas que pode fazer mais.

Ele atua em rede e que pelo menos para aqueles stakeholder todos ele pode fazer muita diferença. O último nível (o de servir) é belíssimo, lindo de interpretar, e que talvez pouca gente atinge. Não sei se eu conheço alguém, na minha vida pessoal, alguém neste nível em que eu tenha trocado. No nível de serviço eu vou trabalhar pela base da pirâmide. Eu vou mitigar, eu vou trabalhar pelas grandes questões do planeta, sejam elas ambientais, sociais, eu vou cuidar de se eu faço roupa, como eu trabalho a autoestima das pessoas, a proteção; se eu faço comida, como eu trabalho a desnutrição; se eu trabalho os produtos químicos, como eu não agrido o meio ambiente; mas em uma escala global e sempre olhando a base da pirâmide que nunca tem acesso ao consumo e que são 5 bilhões de pessoas no mundo. Só, coisa pouca assim. Um bom exemplo é o Grameen Danone.

Por que ele serve como exemplo?

É o projeto do (Muhammad) Yunus, que foi Nobel da Paz em 2006, economista formado em Bangladesh. Fiz uma capacitação com ele há duas semanas em São Paulo. Eles estão com esse movimento no Brasil. Ele indo para Bangladesh, depois de formado, ele descobriu que trabalhavam perto dele mais ou menso 40 mulheres artesãs que desenvolviam cestos de palha, mas elas não tinham o dinheiro para comprar essa palha. Elas pegavam dinheiro de agiotas para comprar a palha para fazer o cesto, vendiam ele, pegavam o dinheiro para pagar o agiota e sobrava uma mixaria. E elas sustentavam quase a casa com isso. Um dia ele foi fazer uma pesquisa com elas e descobriu que com pouco dinheiro ele resolveria isso. Ele daria uma tacada para que uma vez elas não precisassem do dinheiro do agiota e que com aquela melhorinha no lucro delas elas pudessem evoluir o modelo de negócios. Sabe de quanto a gente está falando? De quantos dólares ele teve que colocar do bolso deles na primeira vez?

Algo como US$ 50?

Foram US$ 27. E aconteceu assim. Com US$ 27 ele empoderou aquelas mulheres e ele foi observando que elas foram menos dependentes dos agiotas, elas foram tendo mais coisas para vender, e a ideia do Banco do Povo, do microcrédito que ele criou depois veio dessa percepção. Depois ele foi fazendo outros movimentos com outras empresas. Então a Danone foi desafiada a criar um iogurte para erradicar a desnutrição de quase 70% das crianças de Bangladesh, fez um iogurte a menos de US$ 0,13 e olha a inovação toda que gerou para uma empresa como a Danone. Depois eles tiveram que desenvolver uma embalagem biodegradável porque aqueles milhões de copinhos sujos não podiam ficar em um país que não tem nem lixeira porque não tem infraestrutura. Depois, eles tiveram que desenvolver um iogurte que não vai na geladeira, porque as pessoas que vendem o iogurte de porta em porta, os mais pobres de Bangladesh, vendem aquele iogurte para ganhar um dinheiro, gera renda para aquelas pessoas, mas elas não podiam levar algo cheio de gelo para botar o iogurte dentro porque seria algo insustentável. Aí voltou para dentro de casa e os engenheiros da Danone fizeram um iogurte que não vai na geladeira. E essas inovações todas voltaram para dentro dos produtos da Danone como ganhos para a empresa em escala quando eles tiveram a percepção do serviço, de fazer a diferença para a base da pirâmide.

 

E isso acabou gerando não apenas um produto diferenciado, mas melhorando ou influenciando todos os demais produtos.

Isso, para todos. Não é lindo isso? Mas me fala quantas empresas você conhece... eu lá vi vários cases, como Rhodia... no total, uns oito cases.

Estás participando desse projeto pela Hering ou pelo SCMC?

Na verdade, pelos três. Porque agora estou com mais um papel, estou como gestora da Fundação Hermann Hering. Então a bem da verdade eu fui pela fundação mas com muito olhar... porque o Yunus tem uma plataforma para estudantes aonde eles incubam as ideias para os estudantes. Com grana e tudo para os estudantes para, por exemplo, um produto de moda que fosse pensado na pessoa com deficiência, no excluído, enfim, tem tantas minorias que podem ser privilegiadas pelo design... com a moda inclusiva, e que poderia ser incubado ali. 

Interessante esta proposta, porque daí entramos em outra questão levantada, inclusive, por aquela campanha em que se vendia em uma máquina uma camiseta muito barata e que rodou o mundo. Fazer moda tem investimento em pesquisa, design, inovação, uma série de pontos. Como fazer uma solução para a base da pirâmide e que ao mesmo tempo não signifique exploração de trabalho? 

Esse é um grande dilema. Mas eu acho que é possível. E mais que isso, é o único jeito certo de fazer, é necessário. E quem não fizer isso vai estar excluído porque o consumidor está cada vez mais atuante e ela já é 3.0 agora. A rede social e a internet deram uma força incrível. E nas próximas ondas que a gente vai viver... nós estamos fazendo uma capacitação dentro do SCMC com a Perestroika. E uma das falas do fundador da Perestroika que mais chocou foi “Tudo o que vocês viram nestes últimos 10 ou 15 anos que a internet está aí não é 1% do que a internet será nos próximos cinco ou 10 anos”. 

Daqui por diante tudo vai ser cada vez mais veloz e rápido. 

Nós vamos ver um boom de coisas acontecendo propiciadas pela conexão, pelo empoderamento, pela rapidez e pela vida líquida, pela fluidez das relações, que me chocou porque eu achei que já tínhamos atendido um bom patamar, mas ele disse que não é 1% do que nós vamos viver. Nós vamos viver a nanotecnologia, a robótica, a longevidade pelo hibridismo do ser humano, o homem­robô, que vai ser algo tão natural, em que você vai ter partes do teu corpo substituídas pela tecnologia.

Nesta trajetória, qual foi o momento mais importante para o SCMC, um divisor de águas para o movimento, e qual é o principal desafio daqui por diante?

Olha, eu não sei se a gente teve sorte ou se a gente atraiu pessoas boas, porque pelo menos a cada três anos, no máximo, a gente tem uma direção criativa no SCMC que nos ajuda a pensar um pouco fora do contexto. Nos três primeiros anos foi o Carlos Ferreirinha, e ele formatou o projeto, o movimento como ele é hoje. O tripé, esse olhar para dentro primeiro para olhar para fora depois, foram nos três primeiros anos. Aí o estilista que vinha trabalhando com os estudantes foi o Mário Queiroz e foi um processo super importante. Os quatro primeiros anos foram de estruturação mas com um presente incrível que foi ter o Ferreirinha. 

Que tem uma visão incrível do mercado. 

Ele é o cara que tinha sido presidente da Louis Vuitton para a América Latina, ele trouxe várias marcas internacionais no mercado do luxo. E quando a gente fala do mercado do luxo e parece quase um paradigma do que o que a gente estava falando, ele nos ensinou a olhar o luxo com outro olhar. O conceito do luxo que o consumidor de classe C e D quer, ou por acaso, por pagar menos um produto você quer ir em uma loja e ser mal atendido, ter um ambiente de loja sujo, ter uma balconista que não olha para você e não te agradece... o que eu mais trouxe do Japão, eu e a Paula, da nossa viagem, foi a forma com que nós fomos atendidas lá pelas balconistas. Elas pegam o seu cartão de crédito com as duas mãos, olham para você, fazem uma reverência, te agradecem, colocam o troco para você e tudo olhando para você, não perdem o contato visual. 

Respeito absoluto.

Respeito. Não perdem o contato, reverência, agradecimento o tempo todo. Fazem das tripas o coração. Eu fui comprar um produto de beleza da Shiseido para a área dos olhos e eu não sabia dizer para ela, ela não falava nada em inglês, eu não falava nada em japonês, ela começou a desenhar se eu queria para ruga, para marcas de expressão, para olheira, a gente se entendeu maravilhosamente bem. 

Quando há interesse há comunicação. 

É. Então o Ferreirinha conseguiu trazer para a gente esses aspectos do luxo que eram o de valorizar os detalhes. A gente vai fazer catálogo, um visual merchandising para as nossas lojas, há 10 anos nem as lojas da Hering eram bonitas como eram hoje. Vai olhar uma Fakini, que faz parte do SCMC hoje, como ela era há alguns anos. Nossa, ela se transformou. A equipe de criação... eles tem uma house que faz todo o marketing, campanha, catálogo de rede social, me parece que tudo é feito dentro de casa. Eles estão show de bola. E o Ferreirinha lá atrás trouxe esse olhar do que o mercado de luxo tem para ensinar para estas marcas que são quase commodities. Depois nos próximos anos a gente teve o Jackson Araujo, que foram mais três ou quatro anos. Então estamos falando em oito anos (de SCMC). 

O que ele trouxe de novo e influenciou o movimento? 

Teve um gap talvez de um ano entre um e outro (Ferreirinha e Araujo) e, depois o Araujo também conseguiu fazer uma leitura de Santa Catarina trazendo personalidades que nesses últimos anos foram as inspirações das coleções dos estudantes com as empresas que nos remeteu a um orgulho do nosso Estado sem tamanho. Eu nunca fui tão manezinha da Ilha, eu nunca admirei tanto o Vale do Itajaí, o Vale Europeu, as nossas belezas, como eu admirei. E eu tive que me render a isso com o olhar de um cara que nem é de Santa Catarina, é de Fortaleza. 

Quais foram as referências que vocês utilizaram nesta outra fase?

Muitas lindas. Trabalhamos (Hering) com o Rosso Restrô, que é o restaurante do chef Alysson Müller. Ele foi a inspiração para a nossa coleção. Mas teve também o Guga (Kuerten), o chef Vitor Gomes, da Movelaria Boá do Estaleiro Camara, Vinícola Grando com o Maurício Grando, a Família Schüermann, pessoas que estavam na nossa cara, muitas vezes, e que não valorizamos. Então todos esses personagens foram a inspiração para as nossas coleções por dois anos e que reforçaram demais a nossa autoestima e a identidade desse povo catarinense para extrapolar, para sair daqui e termos coisas para contar.

Nessas fases todos se envolvem, de estudantes, universidades até empresas nas discussões e na criação de referências para a moda do Estado?

Normalmente nasce de um planejamento estratégico. A gente fez isso no começo e o Ferreirinha nos ajudou a pensar nos próximos cinco anos e alguns deles, nos quatro primeiros anos, ele teve presente. E depois, com a outra diretoria, a gente olhou do ponto de vista estratégico até 2015. Então por isso a gente está nessa fase de repensar a proposta de valor. As universidades continuaram quase as mesmas mas as empresas, pelo menos 10 delas, fora as cinco cofundadoras, vieram também com outros desafios. A gente tem hoje a Meu Móvel de Madeira; a Coratex; a Tecnoblu que já era, mas agora tem novo desafio, temos a Copa e Cia. e a Linha Círculo. A Karsten, que voltou. E, mesmo assim, o desafio de todas mudaram. Hoje o desafio da Dudalina é outro, porque no grupo grande em que estão, a Dudalina é uma marca. 

Levando em conta esse cenário, para ti qual será o próximo desafio do movimento daqui para a frente?

Para mim, não sei se eu estou muito impactada pelo exercício de ontem, talvez eu tenha que me abstrair um pouco, mas eu estou com essa coisa de entender a proposta de valor. Porque quando a gente realmente entender... e não é tão fácil assim. Pode parecer fácil, “Ah, então é trabalhar a inovação”. No nível de consciência que cada uma daquelas empresas está, o discurso, o conteúdo, o contexto que eu tenho que levar a divulgação... 

A forma de levar os conceitos...

A forma, a prototipagem, é uma. Se eu for falar de capacitação, é diferente. Então o quanto mais a gente conseguir entender qual é a nossa proposta de valor quanto movimento, eu acho que esse é o desafio para este ano. Com certeza. 

Nessas discussões vocês estão definindo também o planejamento estratégico para este e os próximos anos?

Não chamamos de planejamento estratégico porque o grupo foi menor e o Conselho não estava envolvido. Quando você faz o planejamento estratégico tem que envolver todo mundo. A gente fez uma assembleia, no dia que eu fui eleita, e naquele dia tivemos alguns insights do Conselho, mas a gente ainda vai reunir o Conselho... até no dia 30 a gente tem um encontro com o próprio Ferreirinha que está vindo para Blumenau para um encontro em uma das casas de um dos empresários. Quando ele vem ele sempre dá uma alfinetada na gente. 

No estilo para vocês fazerem mais?

Porque ele está no mundo. Ele está por tudo. Acelaradíssimo sempre, com pesquisas muito boas, e por mais que ele não venha para isso, ele vem para curtir o sábado, porque esse momento em que estamos com o SCMC o cara leva a família e vamos almoçar juntos e não era para falar de trabalho, mas vamos falar. Não tem como. Vamos falar de política, ainda mais com o Ferreirinha junto. Estou louca para ouvir a leitura que ele faz do cenário atual. 

Então vocês estão em uma fase de rediscussão do movimento, de fazer o novo planejamento estratégico?

Eu não sei se já estamos nesse movimento, mas a gente precisa fazê­lo. Ela já está bem articulado. A gente sentou na cadeira agora... quer dizer, eu já venho atuando desde o primeiro dia do primeiro momento do SCMC, mas era bom olhar para a cadeira do cara e pensar aquele presidente podia ter feito mais e tal, agora senta na cadeira de presidente para ver. Tem um monte de questões que você tem que amarrar o tempo todo. A questão mais difícil é conciliar agendas, por exemplo. Parece básico, mas para a Paula botar todos esses empresários em um dia com uma condução bacana, que possa ser o Ferreirinha ou qualquer um que possa conduzir um planejamento estratégico, porque trabalhamos muito com cenários, como as empresas fazem, ter acesso a informações e ir construindo... o mais difícil é dizer o que eu não sou e o que eu não vou fazer do que seguir aquilo. O problema é a agenda. A agenda do microgerenciamento que estes empresários precisaram sair das suas áreas estratégicas para olhar a venda, isso é microgerenciamento... como está aqui hoje, eu estou vendendo? Como a minha equipe está montada, está faltando representantes? Alguns estão, nas empresas menores, olhando catálogo, cuidando do dia a dia, e faz com que a gente tenha menos tempo na agenda concorrida desse empresário para poder olhar as questões macros. 

Voltando para o esquema das duas pirâmides e do círculo central do Richard Barrett, em que local da escala você acredita que está o SCMC?

Eu diria que ele tem valores de relacionamento e de autoestima, mas eu diria que a gente está na coesão interna, a gente quer dizer que é um movimento e fortalecer esse pilar, se é inovação, se é criatividade, se é a identidade da moda catarinense, se é o pensamento em rede, a gente está se confrontando com esses dilemas, então a gente está aqui e está para cá, na transformação. Mas claro que a gente já faz diferença na vida de algumas pessoas. Tem depoimentos e depoimentos, assim como o meu de que eu sou um case de divisor de águas, mas tem aluno, tem empresários, tem N que com sucesso ou insucesso... mesmo que o cara tenha fechado a empresa mas tem um caso desses no SCMC que o cara desistiu do que fazia para ir para um outro mundo, ele se descobriu dentro do processo do SCMC. Mas estamos muito na coesão interna. 

Atualmente o SCMC abarca 15 empresas e 18 instituições de ensino, correto?

Tem muitas sendo prospectadas... talvez em breve teremos boas notícias de umas três para contar. Temos umas duas de Joinville, que estão com um pezinho... sempre tem. Porque às vezes temos namoros longos. Tem empresa que namoramos mais de um ano até que um dia eles entraram. Daí a gente leva umas empresas que estão sendo prospectadas para dentro de uma que faz parte, como a Karsten, quando elas entraram e viram o que é o SCMC, porque estávamos em um movimento de compartilhar boas práticas, daí elas entendem que aquilo é para elas. Porque algumas acham que o movimento é elitista, porque tem Hering, Dudalina, Marisol... 

Muitas não pensam que o que elas estão fazendo está dando certo e, em alguns casos, nem tão certo, mas que elas devem seguir sozinhas e não compartilhar informações com a “concorrência”? Ou que se entrarem no movimento e receberem muitas sugestões do SCMC elas vão ter que fazer muitas mudanças e isso dá trabalho?

Isso. Exatamente. Absolutamente essas são as dificuldades. 

E como vocês tem conseguido superar elas?

Só com a exposição do que nós somos. Ele tem que vivenciar, tem que ir para um Experience, quando a gente tem um evento dentro de uma empresa, como acontece várias vezes durante o ano. Por exemplo, a gente recebeu a Dudalina e a Marisol dentro da Hering para falar do nosso modelo de varejo, de franquia. Naquele momento, há uns quatro anos atrás, a Dudalina estava começando a entender o caminho dela para ir para as lojas. E eles dizem de como fomos generosos ao abrir os nossos processos fez com que eles queimassem duas ou três etapas. Então eu acho que quando esse empresário vê... e se não quiser abrir nada de estratégico não abre, porque não tem nenhuma obrigação. 

Só que é como o conhecimento que se busca em uma investigação científica, seja da área que for. Quanto mais você compartilha as tuas ideias, mais existe colaboração e todo o projeto evolui.

Isso. Perfeito. Tem quem tenha medo de dividir o que é seu. A gente fala que é como uma maçã. Eu tenho uma maçã, eu te dou, eu fico sem nenhuma. Se eu tenho uma ideia e te dou, a gente fica com duas ideias, porque eu tenho a minha ideia e a ideia que você gerou com a minha ideia. O SCMC multiplica ideias. Estamos vencendo isso mostrando, com humildade, mostrando que não estamos ali para derrubar nada, mas para construir. Quem vai ter que analisar se o trabalho de empresa dele é bom ou ruim é ele (empresário), não estamos aí para apontar. Ele não precisa abrir número nenhum pra gente. 

Voltando para quem faz parte do SCMC. Chama a atenção as 18 instituições de ensino que participam, cada uma formando profissionais todos os anos. Há excesso de profissionais na área? O quanto avançou a relação entre empresas e universidades?

Se tem alguma coisa que eu posso te falar com orgulho é isso. Porque eu tenho depoimentos da Dalila, na Dudalina, na Hering, na Marisol... eu trabalho com o Daniel, que foi aluno do Senai no primeiro SCMC e hoje dentro do acervo do Museu Hering ele que faz a ponte com as marcas da companhia para guardar o acervo contemporâneo e ele é um talento. Nos últimos dois anos ele vem fazendo parte também do grupo criativo do SCMC. A Dudalina que tinha só um estilista quando começou no SCMC, hoje tem um time todo e muitos deles, em todos os níveis, júnior, pleno e sênior, engenheiro de produto, P&D... porque quando ele se forma não vão, necessariamente, para criação de produto. Ele pode ir para uma das etapas do fluxo. E se tem um ganho nessa relação foi capacitar melhor esses alunos. 

Alunos que estão atuando dentro das empresas do Estado?

A gente quer muito acompanhar esses alunos, alguns já criaram marca própria, inclusive. Nem todos vão despontar porque a gente sabe que não dá. A Casa dos Criadores de São Paulo foi uma prova disso. Quantos estilistas formados lá ou que tentaram a carreira solo não deu certo porque falta canal para vender. O cara não vive daquela coleçãozinha que ele faz, autoral, uma ou duas vezes por ano. Não estamos falando de Milão ou de Paris onde há pessoas que pagam... aquela base da pirâmide lá de cima é grande e a nossa é achatada. Mas como excelentes profissionais que fazem diferença dentro das empresas. Para falar bem disso o Rui, que hoje é um dos sócios e diretores da Karsten, mas que na origem do SCMC ele era diretor da Dudalina, ele é o que mais defende dentro do SCMC... ele é a voz ativa do estudante dentro do movimento. A maior crença dele é que se não fizéssemos mais nada nestes 10 anos além de capacitar os alunos já teria valido a pena. Porque a empresa dele se beneficiou tanto disso que ele credita boa parte desta entrega ao SCMC.

Mas olhando para esse cenário, com tantos cursos de moda no Estado atualmente, não há um excesso de profissionais na área?

Não me parece, porque o curso de moda não atrai massas. Ele afunila muito. Hoje temos 81 cursos em Santa Catarina. Nós exportamos para outras profissão. Por exemplo lá na Hering, os profissionais de moda, para quem a gente dá toda a preferência, aonde eles trabalham hoje? Desde compras, para comprar insumos; sourcing, para desenvolver produto com o fornecedor; ou seja, eles foram para outras áreas. Mesmo P&D, fotografia, vários outros campos... a formação de moda é muito abrangente, não fecha a não ser que o profissional quiser. Acho que a gente absorve muita gente. Ainda assim, claro que não se absorve (todos) como não se absorve todos os advogados, administradores e médicos que não se absorvem no Brasil, e os estudantes de moda também não, mas acho que a gente absorve em outras esferas da organização que, antes, a gente não tinha essa percepção. Porque não tinham outros cursos assim. Acho que esse é outro ganho do SCMC, a atratividade. Nós perguntamos ontem para os professores se os alunos quase se estapeiam para participar do SCMC, se realmente é uma coisa de valor, e talvez para aqueles alunos que mais para a frente realmente façam a diferença, eles dariam tudo para participar do processo. E daí não tem tempo ruim, se tiver que viajar para outro lugar para fazer a capacitação, se tiver que pagar do bolso, às vezes o pai financia...

Dois pilares bem trabalhados pelo SCMC são a inovação e a criação de uma identidade criativa para o Estado. Como trabalhar estes dois aspectos em um ambiente competitivo como o têxtil, em que a diferenciação parece ser o mote principal?

Mas a gente não trabalha em uma identidade caricaturizada. Não é a moda feita à mão, artesanal que, por exemplo, poderia caracterizar a moda mineira. Um vestido de festa. Não é essa identidade que a gente procurou fortalecer. 

E qual foi a identidade que vocês identificaram e/ou construíram?

É essa identidade do jeito único de saber fazer as coisas, de fazer com conteúdo, com propósito, de fazer roupa que tenha uma história por trás. De marcas que contem uma história para o consumidor. Não sei, acho que vai por aí. 

Sendo assim, você não tem uma identidade para todos, mas diversas identidades dentro do grupo?

Não. A gente chegou a testar isso. Será que Santa Catarina tem como identidade... foi o próprio Jackson que trouxe isso, analisando o Estado. Ele trouxe para a gente mais uma identidade ligada a um lifestyle do que a algo concreto, que é a identidade do resort culture, a cultura do resort. Eu estou em um Estado que me propicia tudo, eu tenho da Serra ao Litoral, dos 40 graus até o abaixo do zero, e ele queria que a gente se apropriasse disso na identidade, mas não deu certo. Porque não é essa a identidade (do Estado) porque pela diferenciação que cada marca tem que proporcionar, até pela sua própria história interna, a gente vai carregar todo mundo junto como identidade... talvez valesse para uma coleção, mas não para um ad eternum (para sempre). 

Não convenceria, não passaria a verdade de um Estado que é tão diversificado em suas diferentes regiões, e isso é uma fortaleza para quem quer se diferenciar.

Não. Até porque de que lugar do mundo a gente tem essas referências? Dois ou três. Milão, com a história do design, a Itália como um todo. Não sei quem mais tem uma identidade tão forte. Tem Módena, com o melhor queijo do mundo. Mas são poucos os lugares que conseguem carregar uma identidade, ainda mais na moda. 

Neste sentido é mais fácil as identificações de origem, que tem ligação a uma cadeia produtiva muito própria em uma região. Mas identidade de um Estado, ainda mais na moda, vejo como algo difícil realmente.

Sim. E nós insistimos bastante nisso. Não conseguimos ter essa identidade única transformada para um produto e tão literal assim. Ontem a professora do Senai falou para a gente do design de significado. Acho que vai muito mais nesse sentido, do que significa a moda produzida aqui para quem compra. Isso passa por uma cadeia ética, uma mão de obra responsável, de empresas que investem para não ter o selo vermelho no meio da sua cadeia. Está mais para a gente entender que esta é a identidade que a gente precisa reforçar enquanto movimento do que dizer “Não, nós somos e vamos fazer produtos com essa cara”. Não, isso não vai funcionar porque cada uma de nós precisa justamente o contrário, quanto mais diferentes, mais a gente agrega valor para aquilo que o consumidor quer na ponta. 

Em termos de produção de moda, como Santa Catarina se diferencia de outros pólos do país? De que forma fazemos diferente hoje, em 2016?

Eu entendo que o nosso empresário tem uma resiliência diferente de outros. A gente não entrega tão fácil os pontos aqui. Se a gente fosse entregar, metade dessas empresas não existiriam. Aqui tem um empresário que coloca um pouco mais de brio quando ele vai se lançar ao desafio de empreender no ramo da confecção e da indústria têxtil. Ele precisa ter esse brio, esse orgulho e esse valor elevada à milésima potência porque se não nos primeiros três ou cinco anos ele fecha. E nós temos várias empresas centenárias, algumas delas que passaram dos 50 anos, e algumas outras que estão passando da casa dos 10 ou 20 anos. E para o Brasil tudo isso são feitos, e mesmo na indústria têxtil mundial, que vive hoje tão achatada, porque é desafiada. A indústria da confecção requer uma mão de obra intensiva, o que é um outro desafio. 

Em fevereiro você assumiu para uma gestão de dois anos à frente do SCMC. Quais serão as novidades desta nova fase? Quais serão os próximos passos do movimento?

Talvez o que eu tenha mais facilidade por não ter apego a nada porque eu represento várias partes deste movimento, é construir em conjunto. Então eu consigo transitar bem em todos os públicos. Então se eu estou lá na universidade... estes dias eu fui convidada para falar em nome das empresas onde todas as entidades de ensino que tem tecnologias para a indústria têxtil e de confecção estavam se apresentando, porque elas não se conheciam entre si, a UFSC com campus em Blumenau, o Senai que está com laboratório e centro de inovação, estava umas quatro ou cinco conversando e eles queriam... e só eu fui de empresário para representar o SCMC. Eu tive uma fala e eles disseram que tinham ganho o encontro porque o que eu levei da visão do empresário é o que faltava para eles nos debates. Eu consigo transitar bem no público acadêmico com essa visão do empresário, mas quando eu vou para dentro das empresas eu também consigo levar essa visão da academia. Quando eu digo eu é eu, a Paula e mais a diretoria, porque são mais três diretores no SCMC, que são estatutários e tem mais alguns que colaboram por fora. A gente consegue fazer esse caminho de volta e dizer “Olha, dentro da universidade tem um conhecimento sendo gerado que a gente está se apropriando pouco”. 

Há um debate nas universidades que é importante para as empresas. 

Tem debate, vamos conversar. Ontem foi uma experiência incrível porque a gente nunca teve esse conselho criativo. Nestes 10 anos é a primeira vez. Que são pessoas que vão ajudar a sempre estarmos... serão os guardiões dos nossos valores. A gente está levando o que o SCMC se propôs a entregar neste período de dois anos para frente para todos esses públicos, então esse conselho tem essa missão. Eu acho que o que nós combinamos já quando fizemos a primeira reunião da diretoria deste mandato é que a gente não vai fazer deliberações sem ouvir, sem construir em conjunto. Então a co­construção é o nosso lema, o compartilhamento, as conexões, que é o que pode se esperar desta gestão. Para evoluir em conjunto, porque se não a gente leva só uma parte e a outra parte não, perde gente pelo caminho. 

 

 



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