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Para Pinheiro, Senado não barra impeachment

Veículo: Valor

Seção: Economia

Walter Pinheiro aperta os olhos e faz uma expressão de dor ao lembrar das notícias, quando da prisão de Delcídio do Amaral, em novembro, de que uma das poucas perguntas por ele feitas a assessores ao chegar à Polícia Federal foi: "Como o Waltinho votou?", se para manter ou revogar sua prisão, na sessão do Senado que definiu o destino de Delcídio pelos 86 dias seguintes. "Waltinho"e Delcídio, então senadores pelo PT, haviam jantado juntos na noite anterior, em um restaurante que Pinheiro gosta e do qual Delcídio sempre reclamava, porque achava a comida boa, mas que "não tem música, barulho, nada". Pinheiro foi acordado no dia seguinte pela zoada dos helicópteros da polícia que circundavam o setor de hotéis onde ambos moram em Brasília. "Fui ver o que era e Delcídio estava sendo preso. Tomei um choque brutal", lembra. O senador, que votou pela manutenção da prisão do colega, diz que procurou meios de contatar Delcídio enquanto ele esteve preso, sem sucesso. Após fechar acordo de delação no âmbito da Operação Lava-Jato, Delcídio se desfiliou do PT e saiu disparando contra a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Não sei se é um misto de desespero com mágoa. Sabe-se lá o que se passa na cabeça de um homem que tem sua vida arrebentada", avalia. Por motivos diferentes, Pinheiro na semana passada seguiu o mesmo caminho de rompimento. Figura emblemática do PT baiano, de longa parceria com o ex-governador e atual chefe de gabinete da presidência, Jaques Wagner, de quem foi secretário, o senador está deixando a sigla após 33 anos de militância. Um dos maiores especialistas do partido em telecomunicações, por várias vezes cogitado para ministro, sem jamais chegar a sê-lo, Pinheiro diz que as motivações para a saída são o governo da presidente Dilma, as discordâncias frequentes e falta de diálogo. Tem recebido convites diários para ir para outro partido, a maioria acompanhados de ofertas para se tornar cacique de instâncias locais das legendas. Recusa e avalia, inclusive, deixar a política ao fim do mandato. Em sua primeira longa entrevista após sair do PT, Pinheiro contraria expectativas de sair atirando contra a antiga legenda. Diz estar "de coração partido", rejeita virar oposicionista ferrenho e nega a pretensão de disputar cargos no Executivo. Tanto que assume o compromisso de, em 2018, apoiar o governador da Bahia, Rui Costa (PT), caso ele busque a reeleição. Ele lembra que não é de hoje que está na contramão do PT. Passou por embates como a suspensão por 91 dias ao lutar contra a expulsão da então senadora Heloísa Helena, em 2003. Era o único dos cinco petistas que assinaram requerimento pela abertura da CPI dos Correios - que mirou o mensalão - que permanecia na legenda. Mas a falta de rumos do governo Dilma, que aborda em detalhes, foi o que o desgastou. Um dos senadores do círculo de confiança do presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL) - estava inclusive almoçando na residência oficial do Senado antes da entrevista - Walter Pinheiro conversou com o Valor sobre sua saída do PT e perspectivas diante da convulsão política e econômica. O senador diz não achar que o vice-presidente Michel Temer tenha condições de solucionar a crise se chegar ao comando do Palácio do Planalto, pois não consegue nem unificar o próprio partido - posição compartilhada por pemedebistas aliados de Renan nos bastidores e não vocalizada até hoje por ninguém. Mas aponta que, se o processo do impeachment chegar ao Senado, muito provavelmente Dilma será afastada. Depois, haverá enorme pressão para que os senadores acelerem o trâmite da cassação e permitam o funcionamento do novo governo. A seguir, os melhores momentos da conversa: 

Valor: Por que sair do PT depois de 33 anos?

Walter Pinheiro: Não foi fácil. Foi depois de muita reflexão, mas eu estava amargurado. Não tinha mais diálogo com a minha instância partidária. Nos últimos 15 meses, não tenho mais nenhum tipo de atuação conjunta com a bancada do PT. O governo não tem nos escutado em absolutamente nada. E sempre que ofereci propostas em um caminho diferente, diziam que eu estava atacando o governo. Estava ficando até um mal estar com colegas como o líder Humberto Costa, de quem eu gosto muito, porque ele orientava uma coisa e eu votava contra. Então optei por não ter mais o carimbo do PT. Mas ninguém pense que fiz isso dando risada ou festejando. "A ida de Lula para o governo é uma grande aquisição. Mas tenho dúvidas se a tacada não veio com uma dose de atraso"

Valor: E para onde o senhor vai?

Pinheiro: Não sei para onde vou ainda e nem sei se vou a algum lugar. Fiz uma escolha de sair do partido em um momento em que o PT levantava meu nome para concorrer à Prefeitura de Salvador. Não tem partido de santo. Muita gente xinga o PT hoje, mas o PT, diferentemente de outros, não é legenda de cacique. Sempre teve vida partidária intensa, com muita disputa interna. Muitos partidos estão me ligando: 'Venha para cá e lhe dou um diretório'. Não quero isso. Tenho um passado, uma história. Tive muitas brigas, mas o PT foi meu maior aprendizado.

Valor: Quais são seus planos?

Pinheiro: Eu já havia decidido não disputar mais eleições pelo PT. Não morrerei se não for disputar uma reeleição ao Senado. Posso inclusive voltar para o meu setor, de telecomunicações.

Valor: Veremos o senhor aliado ao grupo de ACM Neto [prefeito de Salvador, do DEM]?

Pinheiro: [Risos] Não há a menor hipótese. Qualquer posição partidária que eu venha a assumir terá como regra estar bem longe desse campo.

Valor: O senhor buscará ser candidato a governador da Bahia?

Pinheiro: Chance zero. Meu próximo passo vai honrar compromissos que assumi. E se eu for para algum lugar, tenho obrigação de estar no mesmo campo que o governador Rui Costa (PT). Defenderei sua reeleição.

Valor: O PT mudou ou o senhor?

Pinheiro: Do ponto de vista programático, eu estou no mesmo lugar. É natural que partidos revisem seus programas. Mas isso deve ser precedido de um anúncio no processo eleitoral. De 2014 para cá, o programa que o governo executa é diferente daquele anunciado na eleição de outubro, pelo qual eu inclusive fui para a rua pedir voto. Busquei em 2015 todo contribuir para fazer uma correção de rumo, mas o governo não houve ninguém.

Valor: A Lava-Jato influenciou?

Pinheiro: Não quero avaliar por esse ângulo. É tudo precoce para sair apontando o dedo para alguém. Vamos colher coisas boas da Lava-Jato. Esse elemento não foi determinante, porque as pessoas amanhã podem ser inocentadas. O que pesou foi a impossibilidade de atuar.

Valor: Onde o governo desandou?

Pinheiro: A partir de 2013 o governo tomou medidas, como na redução de tarifa do setor elétrico e na demora na renovação dos contratos, que incidiram de forma decisiva nos Estados. Depois houve o processo de segurar tarifas, como o combustível, que teve consequência inclusive para a Petrobras. Em 2012, a Petrobras projetava participar com R$ 7 8 bilhões de R$ 165 bilhões de investimento do governo. Agora a Petrobras já está falando do quanto ela vai cortar de investimento. Esses erros foram se avolumando e acharam guarida numa política de desoneração desorganizada. Em momento de crise, você organiza, seleciona e coloca contrapartidas. Nosso governo desonerou todo mundo. Aí, em 2015 Joaquim Levy [então ministro da Fazenda] reonera todo mundo, de novo sem selecionar, sem pensar quem naquele momento precisava ser preservado, como setores exportadores, aproveitando que seriam porta de entrada do dólar em alta.

Valor: Os senadores tentaram alertar para os erros?

Pinheiro: O tempo todo. Esses erros todos levaram a uma desarrumação do governo. Perdeu a espinha dorsal, cada ministro atuava como se fosse uma costela. A tendência natural era ter, como teve, programas lançados e não executados, programas quase terminando e tendo de encerrar sem concluir. Atravessamos 2015 todo enxugando gelo. Tudo que o governo pediu o Congresso entregou. Agora, o governo não foi ao encontro de nada que o Parlamento propôs. Levy veio várias vezes pedir sugestões, Renan convocou os senadores, elaboramos, apresentamos. O governo ouviu, achou bonitinho e engavetou. Não serviu para nada.

Valor: Problema na articulação?

Pinheiro: Não quero parecer que do lado de cá a gente sabe tudo. Mas do lado de lá nunca encostaram o ouvido para nos escutar. Não conheço um senador que não reclame dessa falta de diálogo do governo. De 2013 pra cá, estive com Dilma uma vez, em uma reunião de bancada. Estou esperando outra conversa que havia sido prometida até hoje. Quantas vezes no plenário, no dia da votação, os ministros ficavam doidos no celular, ligando para orientar. E eu dizia: 'Mas agora que lembraram que eu existo?' Porque ninguém conversava antes. Nas comissões, chegava um menino, representante do governo, cochichando no pé do ouvido que o governo queria que pedisse vista, tirasse o projeto da pauta. Projetos que tinham três, quatro anos, que o parecer estava pronto há meses e o governo só descobria na hora da votação. Vocês jornalistas acessam a pauta para se adiantar. Ninguém no governo faz isso? No governo Lula, isso funcionava.

Valor: A interlocução não melhorou com Jaques Wagner?

Pinheiro: Quando Wagner entrou, eu mesmo aconselhei vários senadores para ter calma porque ia melhorar, que ele é muito habilidoso, se relaciona bem com a base e a oposição, tem inteligência emocional. Mas parece que o problema não estava lá, não mudou. É estranho. Todo mundo dizia que o problema era [Aluízio] Mercadante, que era tão fechado que não dava nem bom dia. Aqui no Senado tinha uma brincadeira em que, quando um senador passava e não dava bom dia, o outro gritava "Ei, Mercadante" [risos]. Apanhou mais que mala velha para largar o mofo. Aí veio Wagner. Não acredito que seja falha dele. Algo na estrutura está errado.

Valor: Lula vai resolver?

Pinheiro: A ida de um quadro como Lula para o governo é algo que qualquer um poderia avaliar, ontem, como uma grande aquisição. Quem não quer ter o Pelé, o Messi no time? Mas tenho dúvidas se a tacada não veio com uma dose de atraso considerável.

Valor: Como assim?

Pinheiro: Lula foi chamado para conversar depois das manifestações de 2013 e dos protestos de 2015. Será que deram ouvidos? Tenho dúvidas se os conselhos foram bem recebidos. Tanto que o próprio Lula no 1º de maio do ano passado criticou a política econômica do Joaquim Levy, que era a do governo e ainda é, porque é esta que está aí. Se esse cara era fundamental, porque não escutaram antes? Se tivessem escutado, estaríamos nessa situação? Se não ponderaram antes, agora vão enfiar o conselheiro no governo na undécima hora? Essa é a solução que temos?

Valor: O senhor tem falado com Lula?

Pinheiro: Falei por telefone em fevereiro. Não sei se gravaram também essa conversa [nas escutas da LavaJato] [risos]. Aliás, falei pelo telefone do Jorge Viana (PT-AC), que foi gravado! "Haverá pressão sobre o Senado para resolver o processo e permitir o funcionamento do novo governo"

Valor: Mesmo já rompido com o governo, o senhor relatou o projeto da repatriação, considerado fundamental para abastecer os fundos da reforma do ICMS. Ela ocorrerá?

Pinheiro: O governo deu sinais claros de que não vai tocar a unificação de ICMS coisa nenhuma. Vai pegar esse dinheiro para resolver o problema das suas contas. Por isso que estou encabeçando com outros parlamentares um movimento para derrubar o veto de Dilma e permitir que o dinheiro vá socorrer Estados e municípios. E eles vêm ainda com história de recriar CPMF.

Valor: Mas o governo não precisa dessa receita da CPMF? Em um cenário de crise sem precedentes, queda na arrecadação, fundos de participação de Estados e municípios [FPM e FPE] despencando, IPI em queda, acham que a solução é reintroduzir CPMF? Na prática, aprovar a CPMF hoje é tirar o oxigênio de quem conseguiu ficar de pé. Era importante apertar a mão para reformar o ICMS. Algo que foi, aliás, pensado pelo então secretário-executivo do ministro Guido Mantega, que era Nelson Barbosa, hoje ministro da Fazenda.

Valor: Barbosa não deveria representar uma virada no governo?

Pinheiro: Ficou como um anúncio não realizado. Liguei para ele no dia seguinte à posse. Gosto muito dele. Competente, uma figura boa, tem paciência para ouvir. Era o cara que tinha começado a batalha do ICMS. Não deu em nada. Nelson é contra? Acho que não. O Nelson ministro do Planejamento, meses atrás, falava que era um bom projeto. Nelson recebeu uma galinha pulando, uma coisa quente.

Valor: A presidente vai sofrer impeachment?

Pinheiro: O cenário piorou consideravelmente. À parte da materialidade da denúncia, o que a gente tem na Câmara hoje é um julgamento na política. Todo mundo acha absurdo quando fala isso, mas o papel da Câmara é na política. Claro que tem de ter um motivo, exige-se legalidade. Mas o que agravou é a situação política e econômica. Esse dois fatores levaram a um processo externo de crítica ao governo.

Valor: Não deveria ser um julgamento técnico?

Pinheiro: Quando FHC era presidente, tentamos encaixar um bocado de impeachment contra ele. Briguei contra o governo FHC no processo de privatizações. A marcha dos 100 mil que fizemos aqui na Esplanada dos Ministérios, quando eu era líder da bancada do PT, um dos pontos era o impeachment, sob a alegação de que ele havia cometido uma série de erros na economia.

Valor: Então o senhor avalia que a política vai derrubá-la?

Pinheiro: A presidente tem um agravante, que é a situação da economia. O governo tem que retomar o curso e ao mesmo tempo se mobilizar para o impeachment não ter êxito. Imagina como está a cabeça de quem está lá [no Planalto]. Até por isso reclamo: nessas horas, é preciso abrir os ouvidos, escutar um pouquinho, ver se os outros tem contribuições a dar e não apenas ver o Parlamento como um bando de apertadores de botão de "sim" ou "não". Poderiam se adiantar e produzir coisas aqui no Senado antes de o processo chegar, caso chegue, criar um outro clima. Não dá para cravar de forma peremptória. Mas é tão grave que o presidente do Senado diz: 'Espero que não chegue aqui'. Não sei se é desejo dele ou ele está receoso de quando isso chegar.

Valor: Como será o processo no Senado?

Pinheiro: Extremamente árido. O foro de deliberação para aceitar o processo, o que já afasta a presidente, é maioria simples. A facilidade da abertura é muito grande. E haverá uma pressão enorme sobre o Senado para resolver logo o processo e permitir o pleno funcionamento do novo governo, que já estará de forma interina. Se o processo se arrastar aqui até setembro, o país continuará na bancarrota? E esse novo presidente vai pegar que país? Porque, se acham que vai pegar um país inteiro, ledo engano. Então avalio que o Senado conviverá com essa pressão.

Valor: Como o senhor vai votar?

Pinheiro: Tenho posição. Mas costumo brincar que ninguém escolhe sofrer por antecipação. Então, não falo.

Valor: Qual o futuro do PT?

Pinheiro: Primeiro, registro que não falo com revanchismo, ok? Minha saída do PT foi com dor no coração. Mas vamos ter muitas dificuldades nas eleições de 2018, seja com Dilma ou não. O histórico até este momento vai pesar. O partido precisa fazer uma rediscussão. Falei com Tarso Genro há um mês e ele me pediu: 'Pinheiro, tenha calma. Eu também estou pensando em sair, mas é melhor aguardar um pouco, pensar em refundar o partido'. E tudo em um momento complicado porque, se o governo resistir, o PT terá de pensar sua reformulação nesse meio do caminho, trocar o pneu com o caminhão descendo a ladeira.

Valor: Temer na Presidência é solução?

Pinheiro: Não quero ser catastrófico, mas não consigo comprar essa comparação entre Michel e Itamar Franco. O tempo é outro e esse Itamar de agora é bem diferente. Nada pessoal contra ele. Temer pode me surpreender em sua capacidade de conciliar, mas não acredito. Ele não conseguiu unificar nem o partido dele, quanto mais a nação. A experiência dele no PMDB não é de boa concertação. Não sei se ele tem os atributos necessários a este momento de nossa história.



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