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Marasmo econômico rouba força da globalização

Veículo: Valor

Seção: Economia

Durante a atual campanha eleitoral, os pré-candidatos à presidência dos Estados Unidos - tanto do partido Democrata, do presidente Barack Obama, quanto do Republicano, de oposição - têm descrito um país assolado por bens importados baratos, perda de empregos para a globalização e ondas de imigrantes ilegais. Mas a realidade desde a recessão global tem sido bem mais complicada. Numa ampla gama de medidas, as forças que outrora apontavam para uma internacionalização inexorável da economia mundial esmoreceram ou reverteram o curso. Essa desaceleração aponta para desafios econômicos profundos e muito diferentes dos alardeados pelos políticos.

A maior parte do mundo está às voltas com um marasmo que está nublando o cenário nos EUA, provocado pelo envelhecimento das populações, queda na produtividade da mão de obra e a falta de ferramentas ou disposição dos formuladores de políticas para injetar mais vida na economia global. Sejam quais forem as causas, há sinais abundantes de que as forças da globalização perderam o ímpeto.

O número de postos de trabalho no setor manufatureiro dos EUA recuou todos os anos entre 1998 e 2009, não importando se a economia estava se expandindo ou em recessão. Mas, nos últimos seis anos, o mercado de trabalho na manufatura americana voltou a se aquecer. Está longe de ser um renascimento - os EUA recuperaram cerca de um milhão de empregos na indústria, depois de terem perdido 8 milhões desde o fim dos anos 7 0-, mas interrompeu a queda. A fatia dos EUA nas exportações globais encolheu bastante, principalmente de 1998 a 2004, mas tem se mantido estável, em torno de 8,5%, nos últimos 12 anos. Há evidências até de que o fluxo de imigração ilegal das décadas de 1990 e 2000, quando milhões de mexicanos cruzaram a fronteira com os EUA, estancou ou mudou de direção, apesar dos alertas frequentes sobre os perigos desse fluxo migratório feitos por Donald Trump, que lidera a corrida para ser o candidato republicano nas eleições presidenciais deste ano.

O Centro de Pesquisa Pew estima que, desde 2007 , há mais imigrantes ilegais retornando ao México do que entrando nos EUA. "O processo de globalização, que estava a todo vapor durante a primeira década de 2000, emperrou nos últimos seis ou sete anos", diz Benjamin Mandel, estrategista global da gestora americana J.P. Morgan Asset Management e ex-economista da regional do Federal Reserve, o banco central americano, em Nova York. A tendência não é exclusividade dos EUA. A globalização também tropeçou ao redor do mundo. De 1992 a 2008, a fatia do comércio na produção econômica global aumentou de 20% para cerca de 30%. Essa alta foi interrompida, com o comércio respondendo agora por 30% do PIB do mundo de maneira estável, segundo as estimativas mais recentes do Banco Mundial. Se a tendência histórica da relação entre crescimento do comércio e do PIB houvesse se mantido, a economia global seria US$ 1,8 trilhão maior, segundo projeções de Eric Lascelles, economista-chefe para os EUA da gestora canadense RBC Asset Management.

A cifra é equivalente ao tamanho da economia do Canadá ou da Rússia. Alguns economistas argumentam que o comércio global perdeu fôlego, pelo menos em parte, devido à redução no número de novos acordos comerciais, não a uma abundância deles. Outros apontam para uma série de restrições que foram postas em prática desde a recessão global e reprimiram as exportações. Desde 2008, mais de 3.500 medidas protecionistas foram introduzidas no mundo todo, segundo uma nova pesquisa de Gary Hufbauer e Euijin Jung, do Instituto Peterson para a Economia Internacional, um centro de estudos sediado em Washington que defende um comércio mais livre.

Muitas das medidas não são tarifas, mas leis que obrigam os governos a comprar bens localmente ou impõem exigências idiossincráticas que dificultam o comércio, prática que Hufbauer chama de "microproteções"que são "individualmente pequenas, mas coletivamente letais". Outra possibilidade é que a desaceleração do comércio seja apenas temporária e devido a fatores cíclicos. Bem no momento em que o mundo estava prestes a se recuperar da crise financeira, um enorme colapso na demanda por commodities golpeou os fluxos de comércio. Se essa visão estiver correta, é possível que as velhas tendências globalizantes retomem o ritmo depois que as questões da recessão e do excesso de oferta de commodities forem resolvidas. Mesmo para aqueles que apoiam a globalização, podem ter sobrado poucas metas fáceis de alcançar.

As tarifas sobre os bens manufaturados, por exemplo,foram tão reduzidas que poucas podem encolher ainda mais. Em 1990, a tarifa média nos países industriais e em desenvolvimento era de 24%. Em 2010, ela já tinha caído para 8%, segundo o Banco Mundial. Um exemplo de pouco de espaço de manobra que resta na redução de tarifas sobre a manufatura vem do maior acordo comercial atualmente em negociação: a Parceria Trans-Pacífico (TPP, na sigla em inglês), que inclui 12 países do Oceano Pacífico, incluindo Austrália, Japão, Canadá, México e EUA. Ao contrário do que diz a retórica política, o TPP talvez não seja nem um desastre nem uma bonança para a economia americana.

Pesquisadores do Fed estimam que mais de 90% das exportações dos EUA para membros do TPP já não enfrentam qualquer tarifa. (E as tarifas restantes são quase que inteiramente agrícolas, não sobre a manufatura.) No curto prazo, economistas acreditam, de fato, que o comércio pode ser desestabilizador. "É surpreendente que tenha levado tanto tempo"para haver uma reação política, diz Gordon Hanson, economista da Universidade da Califórnia em San Diego e um dos autores de uma pesquisa econômica que se tornou referência ao estimar entre 2 milhões e 2,4 milhões o número de empregos perdidos nos EUA devido à concorrência dos importados chineses na década de 2000, após a entrada da China na Organização Mundial do Comércio.

Ele concorda com muitos críticos que os EUA não conseguiram implementar um conjunto adequado de políticas para compensar o impacto da entrada da China na economia mundial. Mas agora a China também está vivendo uma prolongada desaceleração e sua entrada no cenário global já pode ser coisa do passado, diz ele. "Isso aconteceu nos anos 90 e nos 2000", diz Hanson. "Não está claro em que direção vamos seguir."



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