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Inteligência na indústria da moda

Veículo: Carta Capital 

Seção: Revista 

Sinais sutis sugerem uma tendência de produção de roupas mais duráveis

No fim do ano passado, representantes de 196 países reuniram-se em Paris para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-21. O acordo final, se efetivamente aplicado, levará a mudanças substantivas em matrizes energéticas, sistemas de produção e padrões de consumo. Conforme alertado por ativistas e fartamente documentado por cientistas, a Terra não é suficiente para sustentar os nossos maus hábitos.

Repostas ao novo imperativo já ocorrem em várias indústrias. No setor automobilístico, o futuro acena com menos carros, maior taxa de uso e maior mobilidade urbana. Essa indústria, que nasceu e cresceu orientada para empurrar o maior número possível de produtos para o mercado, necessitará rever meios e fins.

Sinais de mudança começam a surgir também na indústria da moda. O setor é alimentado por uma sofisticada máquina de fabricação de desejos e é amparado por cadeias globais de produção, capazes de unir designers parisienses, milaneses e nova-iorquinos a costureiras vietnamitas, tecelões turcos e artesãos indianos.

Nas últimas décadas, o consumo de roupas aumentou vertiginosamente, muito além das necessidades funcionais e sociais dos indivíduos. Alimentadas pelo ciclo frenético do fast-fashion, gigantes como Zara e H&M fizeram da obsolescência programada seu mantra e tomaram o mercado. Armários e closets, antes ocupados por poucas peças de uso intenso, tornaram-se abarrotados, com dezenas de peças a hibernar por estações sem fim, até encontrarem o caminho do Exército de Salvação, ou destino menos nobre.

Elizabeth Cline, em texto veiculado no portal da revista The Atlantic em fevereiro de 2016, lembra que as roupas femininas são usadas em média apenas sete vezes. Pobre Terra! Em contrapartida, a jornalista registra o fenômeno do novo varejo de roupas, que envolve com frequência lojas virtuais que se apresentam como “alternativas éticas e duráveis” à fast-fashion. Zady, com a mensagem “um estilo de vida para consumidores conscientes”, Cuyana (“menos coisas, melhores”), Everlane (“básicos modernos, transparência radical”), e The 30 Year Sweatshirt (“garantida por três décadas”) são lembradas por Cline. O movimento é catalisado por websites como www.buy-it-once.com ewww.buymeonce.com, que procuram facilitar a busca por artigos duráveis, de qualidade.

O fenômeno reflete o início de uma sensível mudança no comportamento dos consumidores, percebida rapidamente por empresários e transformada em novos modelos de negócio. Como se sabe, toda mudança começa com hipocrisia. Primeiro, muda o discurso, depois, as práticas. O fato é que o mau comportamento da indústria da moda, associado a condições insalubres em fábricas asiáticas, poluição edenúncias de trabalho escravo em países emergentes, está criando espaço para competidores de coração sensível ou conversa adocicada. 

Os novos competidores cobram mais caro por suas peças, mas prometem qualidade e durabilidade e juram que vão se comportar bem. O varejista Cuyana, de São Francisco, adotou um slogan baseado na troca da quantidade pela qualidade. Seu foco é cultivar relações de longo prazo com os clientes. Seus produtos vêm quase exclusivamente de países desenvolvidos, que não costumam permitir bebês deitados no chão das fábricas. Melhor para a empresa, melhor para a consciência de seus clientes. 

Cline observa que no maduro mercado norte-americano os consumidores tendem gradualmente a comprar um número menor de peças de roupa por ano e a gastar mais por unidade. Um estudo da Nielsen, citado pela jornalista, revelou que 41% dos entrevistados em 60 países indicam a intenção de pagar mais por produtos de empresas comprometidas com boas práticas sociais e ambientais. A tendência é ainda mais forte entre os mais jovens.

uliet Schor, professora do Boston College que estuda tendências econômicas e de consumo, acredita na emergência de uma nova “sensibilidade ecológica”. Essa nova sensibilidade está relacionada a um crescimento da demanda por produtos orgânicos e artesanais e por uma rejeição, por razões éticas e estéticas, a produtos de fabricação em massa. Talvez não seja apenas mais uma moda.

*Coluna publicada originalmente na edição 891 de CartaCapital, com o título "Feitas para durar"



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