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Brasil alcançou 'câmbio ótimo' no início deste ano, aponta estudo

Veículo: Valor

Seção: Economia

Após pelo menos dez anos de forte tendência à apreciação, o câmbio nominal atingiu na primeira quinzena de janeiro a sua taxa real "ótima", ou aquela que tende a acelerar o desenvolvimento econômico por conseguir realocar recursos de modo eficiente para os setores mais produtivos. Estudo dos economistas André Nassif, Carmen Feijó e Eliane Araújo estima que a taxa real ótima em dezembro de 2015 seria de R$ 4,02, média alcançada nos quinze primeiros dias de 2016.

O trabalho cobre o período de janeiro de 1999 a julho de 2015. Naquele mês, a taxa de câmbio nominal necessária para alcançar o nível ótimo era de R$ 3,88, mas ficou abaixo disso. O ajuste até janeiro deste ano foi feito pelo método de paridade de poder de compra, segundo o qual, para preservar o valor real no tempo, a taxa de câmbio nominal deve ser corrigida pela inflação acumulada no país descontada a inflação externa.

Os autores partem do pressuposto de que não só períodos prolongados de sobrevalorização da moeda local são perniciosos ao desenvolvimento econômico, como uma pequena depreciação em termos reais tende a acelerá­lo. Assim, a taxa ótima seria aquela levemente depreciada (cerca de 5%) em relação à taxa neutra. O valor fica bastante próximo da taxa de equilíbrio estimada pelo mercado.

Nas contas da equipe do Goldman Sachs, essa taxa está hoje em R$ 3,80, mas o ideal, diz o diretor de pesquisa econômica para América Latina do banco, Alberto Ramos, é que ela estivesse mais depreciada, entre R$ 4,25 e R$ 4,50. "Em meio a uma recessão profundíssima, o país precisaria de um câmbio abaixo do valor neutro". Segundo o estudo, entre junho de 2003 e abril de 2005, na média, foi a última vez que a taxa ótima foi alcançada. Desde então, a firme tendência de apreciação do real só se rompeu por cerca de seis meses em setembro de 2008 e, depois disso, em alguns meses de 2013 em razão da expectativa de mudança da política monetária americana. Há toda uma literatura que indica que a sobrevalorização da moeda reduz o crescimento econômico e isso é consenso inclusive entre os ortodoxos, diz André Nassif, professor da Universidade Federal Fluminense.

Ele cita o economista Dani Rodrik, de Harvard, e John Williamson, que cunhou o termo 'Consenso de Washington', cujos estudos mais recentes apontam que uma taxa real levemente abaixo da taxa neutra tende a acelerar o crescimento, desde que as demais forças estejam favoráveis. Mas o alcance da taxa ótima sozinho, dizem os autores, não diz muita coisa. Isso até pode fazer a alegria dos exportadores ­ assim como a tristeza dos turistas brasileiros ­, mas o estudo alerta que a indústria brasileira regrediu tanto na última década que não é possível esperar que o câmbio faça milagre no curto prazo. "Não podemos esquecer que há uma coisa chamada histerese", diz Nassif ao se referir ao termo derivado da física segundo o qual, perdidas suas propriedades iniciais, um material teria dificuldade de restaurar a posição inicial. "Uma coisa é recuperar o saldo comercial, outra muito diferente é reconquistar grandes mercados e ganhar fatia em setores de alta produtividade, emenda o também economista da área de planejamento do BNDES. Ramos, do Goldman Sachs, concorda. Segundo ele, técnica de regressão usada pelo banco mostra que quando se atravessa um período muito longo de apreciação do câmbio, se perde a cultura e o 'know­how' exportador. "É um período que deixa uma cicatriz. E para readquirir esse componente tecnológico é preciso que o câmbio se mantenha competitivo por um período prolongado", diz.

A concordância entre ortodoxos e heterodoxos, porém, termina aí. Para Nassif, passada a fase de instabilidade, a autoridade monetária não pode assistir impassível ao novo ciclo de apreciação. Para isso, deve lançar mão de os todos os instrumentos disponíveis, de políticas macroprudenciais a instrumentos de controle de capital. O estudo, então, refuta o modelo teórico ortodoxo, que supõe a supremacia do mercado para gerar os valores de equilíbrio, e defende por meio de uma abordagem estruturalista­keynesiana que a trajetória cambial de longo prazo é resultado da combinação de forças estruturais e de curto prazo. "Desde 1997, quando um ataque especulativo contagiou toda a Ásia o resto do mundo, os países asiáticos fazem uma combinação de políticas para evitar isso", diz Nassif. "Devíamos seguir esse exemplo".

Para Ramos, no processo de transição em que a economia está debilitada, o câmbio depreciado pode criar a oportunidade de a economia se recuperar, mas competitividade se atinge por ganhos de eficiência. "O valor neutro não é uma âncora, é uma referência. Mais para frente, quando a economia estiver mais equilibrada, o câmbio pode iniciar outro ciclo de apreciação". Pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, centro de estudos em Washington, a economista Monica de Bolle discorda que a taxa de câmbio real seja instrumento de política econômica. "A verdade inconveniente é que a produtividade no Brasil, assim como em outros países da América Latina que não sofreram apreciações como a nossa, está em declínio ou estagnada há anos, de modo que a sugestão de que a culpa é do câmbio real me parece excessivamente simplista e carente de diagnósticos alternativos que atestem sua robustez."



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