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Refugiados Ilegais na Industria Têxtil e do Vestuário

Veículo: Portugal Têxtil

Seção: Notícias

Milhares de refugiados sírios estão a trabalhar ilegalmente na indústria de vestuário da Turquia, território onde o trabalho infantil, os baixos salários e as más condições estão a preocupar as organizações internacionais.

O jornal The Guardian alerta para mais uma situação inquietante na cadeia de aprovisionamento das grandes marcas de fast fashion europeias, ao publicar a história de Shukri, um menino de 12 anos e refugiado sírio que trabalha numa fábrica de vestuário nos arredores de Istambul – um dos casos de trabalho ilegal dentro das unidades fabris da Turquia.

Shukri trabalha 60 horas por semana e ganha 600 liras turcas (aproximadamente 187 euros) para ajudar a sustentar a sua família. «Não posso ir para a escola aqui por causa do trabalho», revelou ao The Guardian, «mas vou voltar para a escola quando voltar para a Síria».

O supervisor da fábrica concorda que 12 anos é uma idade muito jovem para trabalhar tantas horas, mas que a responsabilidade não é sua. «Não é culpa nossa que eles precisem de trabalhar», defendeu, culpando a atuação do Estado.

Não existem dados sobre a força de trabalho informal síria na Turquia, mas há quase 2,3 milhões de refugiados sírios registados que vivem no país, de acordo com a ONU, com cerca de 9% em campos de refugiados. O resto sustenta-se sem o apoio financeiro do Estado.

Um especialista do Centre for Middle Eastern Strategic Studies afirmou que cerca de 250.000 refugiados sírios estão a trabalhar ilegalmente na Turquia, com um relatório recente da Human Rights Watch a destacar que o trabalho infantil está «desenfreado». Muitos relatórios de trabalhadores ilegais chegam do sector do vestuário, a segunda maior indústria do país.

A gigante indústria têxtil e vestuário da Turquia é um dos principais fornecedores da Europa, mas permanece, em grande parte, não regulamentada – estima-se que 60% da força de trabalho total não esteja registada, o que significa que trabalha informalmente, em geral sem um contrato de trabalho ou quaisquer benefícios sociais.

Os refugiados sírios compõem uma secção particularmente vulnerável ​​dentro da força de trabalho. Ao visitar trabalhadores sírios em unidades de produção têxtil em três cidades da Turquia (Istambul, Mersin e Adana), o jornal encontrou trabalho infantil, más condições e baixos salários.

A política da Turquia, até este mês, consistia em tratar os sírios como convidados temporários, sem direito ao trabalho, o que significava que os refugiados só poderiam trabalhar ilegalmente. Todavia, a paisagem está a mudar. Como parte de um acordo com a União Europeia, o governo turco anunciou na semana passada novas regras que permitirão que qualquer sírio que esteja no país há seis meses se possa candidatar a um emprego.

O movimento tem sido bem recebido pelas ONG’s internacionais. Danielle McMullan, investigadora no Business & Human Rights Resource Centre, referiu que estas licenças vão, de alguma forma, auxiliar os trabalhadores sírios. Mas advertiu: «as empresas não devem ser passivas, vão precisar de saber onde os refugiados sírios estão na sua cadeia de aprovisionamento e de ser zelosas com a exploração que tem e continuará a ter lugar».

Discriminação

Um dos principais objetivos das novas autorizações de trabalho visa garantir que os refugiados sírios na Turquia recebam o salário mínimo, atualmente fixado em 1.647 liras por mês. Não obstante, o estatuto ilegal e a falta de poder de negociação significam que, para muitos, os salários ficarão muito aquém deste valor.

Abdo, outro refugiado sírio de 28 anos a trabalhar numa fábrica de vestuário, relatou a discriminação. «Aqui, somos tratados de forma diferente», apontou, «recebemos menos e temos de trabalhar mais do que os nossos colegas turcos».

«Como não podemos trabalhar de forma ilegal, não há segurança no emprego… O nosso salário chega sempre atrasado; neste momento o nosso salário está com seis dias de atraso e eu tenho contas para pagar», acrescentou.

Risco para as marcas europeias

A informalidade da indústria têxtil turca significa que pouco se sabe sobre a extensão do trabalho refugiado ilegal presente na cadeia de aprovisionamento das marcas europeias. O sector é dominado por fábricas médias e pequenas unidades, muitas vezes com condições precárias de trabalho e nenhuma auditoria, às quais as fábricas de maior extensão subcontratam a produção.

Muitas marcas europeias importam da Turquia, sendo um país próximo e conhecido pela qualidade do trabalho. A Turquia é o terceiro maior fornecedor de vestuário da Europa, depois da China e do Bangladesh. Em 2014, a Europa importou 13,7 mil milhões de euros em produtos têxteis e de vestuário do país.

Em Istambul, as peças que Shukri embala em caixas serõ enviadas para Itália, para a marca Piazza Italia. «O negócio que detém esta fábrica tanto vende para o mercado turco como exporta para a Alemanha e Itália», explicou o supervisor. A marca Piazza Italia recusou-se a comentar a situação.

Noutra unidade em Istambul, onde refugiados sírios estão a trabalhar por 950 liras por mês e pelo menos 60 horas por semana, as roupas são feitas para as marcas alemãs Orsay e Margittes.

Apesar da Margittes não ter comentado as condições de trabalho encontradas no seu fornecedor, Marie-Claude Koenig, responsável pelo desenvolvimento de negócios e responsabilidade social da Orsay revelou que a empresa reconhece a sua «responsabilidade em melhorar a cadeia de valor e as condições gerais de trabalho». Referindo que a marca já havia encontrado «questões críticas» numa fábrica na sua cadeia de aprovisionamento anteriormente, o que motivou a suspensão da produção.

Reconhecendo o alto grau de subcontratação na cadeia de aprovisionamento turco, Koenig defendeu que única forma de aumentar os direitos dos trabalhadores será através da formação de alianças, como a Ethical Trade Initiative, da qual Orsay é membro. «Os desafios da indústria têxtil turca não podem ser abordados por uma empresa individual», defendeu.

O trabalho infantil

A Fair Wear Foundation, uma ONG com 90 membros que representam mais de 120 marcas de vestuário, centrou-se na indústria de vestuário turca. A organização aconselha os seus membros a identificarem todos os locais de produção e a garantirem que estes sejam incluídos no seu sistema de monitorização. «Sob nenhuma circunstância deve a vulnerabilidade dos refugiados ser usada para lhes negar os seus direitos básicos, como a proibição do trabalho infantil, não discriminação e o pagamento de um salário digno», advogou Ruth Vermeulen, coordenadora internacional da Fair Wear Foundation.

Sempre que seja detetada exploração no trabalho dos refugiados, Vermeulen aconselha as marcas a não cortarem ligações com os fornecedores. Em vez disso, «devem trabalhar em conjunto com o fornecedor no sentido de formalizar o estatuto dos trabalhadores». Isto pode passar por ajudá-los a conseguirem documentos de identificação, autorização de residência, etc. No entanto, Vermeulen admite que estes passos não serão fáceis de dar no clima atual.

Outras organizações estão a pressionar as marcas para serem mais transparentes sobre os refugiados presentes nas suas cadeias de aprovisionamento. O The Business & Human Rights Resource Centre pediu a 28 grandes marcas de vestuário para explicarem as medidas que estão a desenvolver para protegerem os refugiados sírios de abusos e exploração. As respostas deverão ser publicadas ainda este mês.

Com as atenções da UE centradas na capacidade da Turquia em conter os refugiados, a preocupação com as condições de trabalho no país pode ficar em segundo plano durante algum tempo. Não obstante, com importações europeias de vestuário provenientes da Turquia a continuarem a crescer, as empresas de vestuário podem mesmo ser os principais mensageiros da mudança. «Permitir que os sírios trabalhem legalmente dará às marcas a oportunidade de serem mais abertas e colaborativas sobre esta questão», acredita McMullan.



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