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Caridade do Ocidente prejudica indústria têxtil da África

Veículo: UOL

Seção: Economia

Nairóbi, 15 nov (EFE).- A partir de pontos de recolhimento de roupas doadas em países de primeiro mundo, grande parte das peças viaja sob o rótulo de "caridade" até a África, onde, ao invés de acabar nas mãos de pessoas necessitadas, entra em um lucrativo circuito de compra e venda que "asfixia" a indústria têxtil local.

Este negócio, que prejudica gravemente o setor, mas emprega milhares de pessoas em camelôs e pequenas lojas, está sendo questionado pelas próprias autoridades do leste do continente, que planejam proibir a entrada de roupas doadas para tentar reativar sua indústria.

"Se esta proibição for aprovada, vamos sofrer muito. Muita gente no Quênia vive vendendo roupa de segunda mão", lamentou Sophie, uma jovem de 27 anos que nos últimos nove anos ocupa um cargo em uma pequena barraca de bolsas no "Toy Market", um dos maiores e populares mercados de usados de Nairóbi.

Entre suas caóticas vielas é possível encontrar camisas, calças e tênis chegados do Ocidente - mais de 70% das doações em nível global terminam na África, segundo a ONG Oxfam - que agora são vendidas a apenas 50 xelins (cerca de 45 centavos de euro).

Moradores e turistas, todos buscam pechinchas entre os montes de peças de roupa que são exibidas nas precárias barracas de comércio na rua, onde é fácil encontrar roupas que poderiam ser colocadas em qualquer armário de um país europeu, inclusive algumas de marcas de luxo.

Sophie mostra orgulhosa a seus clientes o par de bolsas Louis Vuitton e Prada que está escondido entre dezenas penduradas em sua barraca e que "apenas custam 2 mil xelins (aproximadamente 18 euros)".

"Consigo as bolsas em Gikomba, o maior mercado do Quênia de bolsas grandes (venda por atacado). As abrimos e, às vezes, há coisas valiosas, em outras não", explicou à Agência Efe a vendedora, uma mãe solteira que graças a este negócio consegue criar seus dois filhos.

Por isso, a possibilidade de as autoridades proibirem a entrada de roupa "mitumba" (de segunda mão, no idioma swahili) aterroriza as milhares de famílias que dependem, exclusivamente, deste negócio.

"Teremos que fechar nossos negócios. Milhares de pessoas perderão os trabalhos. O que faremos então, mendigar?", disse preocupado Christopher, responsável por outra barraca de roupa, que recebe os gritos de aprovação de outros vendedores que se aproximam para apoiar suas palavras.

Do outro lado, no entanto, está a indústria têxtil local, asfixiada nas últimas décadas ante a impossibilidade de competir com as baratas peças de roupa "sem valor comercial" que chegam do exterior e se esquivam dos altos impostos dos artigos importados.

"Aproximadamente 1.000 toneladas da chamada roupa de segunda mão entram no Quênia a cada ano. Isto é muito superior às necessidades humanitárias", declarou à Agência Efe a diretora-executiva da Federação Africana das Indústrias de Algodão e Têxtil (ACTIF), Belinda Edmonds.

A princípio, estas peças chegavam ao continente para serem distribuídas gratuitamente aos pobres, mas depois se tornaram um negócio que movimenta milhões de euros a cada ano.

"Não há nada para dizer contra as roupas doadas que chegam com necessidades humanitárias específicas", comentou Edmonds, mas "sob o sistema atual, não há nenhuma maneira de identificar estes produtos e nem verificar se são destinados à caridade ou à venda".

Por isso, ela rejeita a proibição proposta pelos países do Leste da África - que tomarão uma decisão a respeito neste mesmo mês - e defende a regularização destas importações para garantir "a igualdade de condições" no setor.

No Toy Market, embora se acredite que esta medida não será aplicada, todos esperam inquietos pela decisão das autoridades.

"A proibição da roupa de segunda mão não beneficiará ninguém. Só é bom para a China. Vão poder trazer suas roupas ao Quênia e fazer negócio", concluiu Sophie, enquanto arrumava suas bolsas à espera de um novo cliente. 



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