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Cenário é de oito trimestres de retração

Veículo: Valor

Seção: Economia

O ano de 2015 pode marcar não apenas a maior queda do Produto Interno Bruto (PIB) dos últimos 35 anos, mas também o período mais longo de declínio da atividade desde 1985, pelo menos. Na semana passada, o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) afirmou que o país entrou em recessão no segundo trimestre de 2014 e que dificilmente esse processo será revertido até o fim do ano. Analistas consultados para o boletim Focus, do Banco Central, projetam oito trimestres consecutivos de retração do PIB, até o primeiro trimestre de 2016, sempre em relação a igual período do ano anterior.

A economia, segundo essas estimativas, só deve voltar a crescer a partir de julho do ano que vem, já que a expectativa é de estabilidade do PIB entre abril e junho de 2016, na mesma comparação. Em outros momentos de crise forte, o país não chegou a amargar desempenho tão ruim. Em 1999, o PIB caiu por dois trimestres nesta comparação e em 2003 a desaceleração foi relevante, mas não o suficiente para levar a atividade para terreno negativo. Mesmo em 2009, ano da crise mundial, a retração da economia foi intensa, mas durou apenas três trimestres. Para especialistas, diversos fatores fazem com que a resposta dos agentes econômicos ­ e da atividade ­ seja especialmente lenta nesta crise.

O ponto de partida, dizem, é crucial para entender as dificuldades atuais da economia. Desta vez, não se trata apenas de restabelecer a confiança do mercado por meio da adoção de um conjunto de políticas ortodoxas, como em 2003. É preciso, dizem, lidar com uma herança de desarranjos econômicos e de problemas estruturais que não foram atacados nos últimos quatro anos, em um contexto de crescimento global bem menos favorável ao Brasil, com fim de um ciclo de commodities que inundou o país com divisas.

A desvalorização do real, avaliam, é insuficiente para dar alento ao setor industrial, que enfrenta correção de preços administrados, o que manteve elevados os custos domésticos. Nesse campo, porém, os economistas enxergam avanços maiores, com recuperação da balança comercial e inflação menor em 2016. No lado fiscal, os desafios são enormes, como ficou ainda mais evidente depois da redução da meta de superávit para apenas 0,15% do PIB. O corte nos investimentos, por exemplo, se assemelha ao de 2003, mas não compensa o forte aumento da despesa obrigatória e o fato de que a receita, por questões estruturais, deve crescer menos daqui para frente. "As nossas instituições ainda são procíclicas", diz Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Luiz Fernando de Paula: país pode passar por versão "light" da situação grega Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre­FGV).

Ao mesmo tempo, a falta de base de sustentação do governo no Congresso aumenta o nível de incerteza sobre a economia e torna menos provável que o governo consiga passar reformas estruturais, sem as quais o potencial de crescimento seguirá baixo. Nesse cenário, o Brasil pode crescer pouco para além de 2015 e 2016. Para Marcos Casarin, economista­sênior da consultoria inglesa Oxford Economics, há muito mais a ser corrigido hoje do que havia em 2003. "Tivemos todo o boom das commodities. Os termos de troca, que são o poder de compra do Brasil em relação ao mundo, aumentaram quase 33% até 2011, e o que a gente fez? Gastou", diz. Para Casarin, o Brasil tem uma década perdida pela frente. José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), coloca a "herança" que a presidente Dilma Rousseff deixou para si em seu segundo mandato como ponto central da dificuldade do ajuste hoje.

Em 2002, comenta, o superávit primário era alto, de 3,2% do PIB, ainda que não o suficiente para contornar o impacto dos juros altos e do câmbio sobre a dívida diante da iminência da eleição de Lula. Naquele momento, porém, o ajuste não precisou ser tão duro quanto o atual, já que as sinalizações feitas pela equipe econômica acalmaram o mercado. "O ajuste traçado em 2003 exigiu um aumento pequeno do superávit primário. A inflação corroeu a alta de gastos primários e houve corte violento de investimentos, igual a hoje". Para Luiz Fernando de Paula, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o Brasil pode passar por uma versão "light" da situação na Grécia. O esforço fiscal está sendo feito em um ambiente recessivo e se não for combinado com mais desvalorização do câmbio ou política monetária menos contracionista, é difícil retomar o crescimento. Para o professor, em 2003 o governo encontrou condições mais favoráveis. "A forte desvalorização cambial do período imediatamente anterior deu espaço para o governo deixar a taxa de câmbio se valorizar gradual e continuamente para reduzir a inflação.

A retomada do crescimento, cabe lembrar, foi possível em função do boom de commodities que puxou as exportações a partir de 2003". Casarin, da Oxford, também afirma que uma das grandes diferenças para explicar a ausência de reação da economia em 2015 é o contexto global. "A economia mundial era claramente favorável ao Brasil em 2003, hoje o ambiente externo é quase o pior possível, com problemas na China, instabilidade na Grécia e os Estados Unidos prontos para elevar juros pela primeira vez em nove anos". A composição do endividamento é outra dificuldade levantada por Casarin. Em 2002, "a dívida quase explodiu por causa da desvalorização cambial, quando o dólar encostou em R$ 4". Agora, o endividamento subiu por motivos "puramente orgânicos, por causa da irresponsabilidade fiscal.

O que temos hoje são escolhas difíceis. Subir impostos é difícil, os gastos são engessados e o país gasta mais com juros do que a Grécia". Para Samuel Pessôa, do Ibre, houve nos últimos anos uma mudança estrutural do comportamento da receita que torna a situação fiscal muito mais delicada do que era há 12 anos. "Sou bastante pessimista em relação à situação fiscal", diz. Ainda que o corte de investimentos se assemelhe hoje ao realizado em 2003 pelo então secretário do Tesouro Joaquim Levy, a receita não vai voltar a ter comportamento tão favorável quanto observado na última década. Entre 1999 e 2010, o Brasil passou por um processo de formalização e por um aumento dos termos de troca que contribuíram para que a receita crescesse acima do PIB ­ e o gasto também.

A questão, diz, é que desde 2011 esse cenário mudou. A formalização, como era natural, perdeu fôlego e desde 2011 os termos de troca desaceleram. Ou seja, daqui para frente, diz, na melhor das hipóteses a receita vai crescer em linha com o PIB, mas o gasto continua a avançar em ritmo maior. "A gente viu que instituições fiscais ainda não são contracíclicas o suficiente. Tivemos processo de receita favorável, e a despesa acompanhou. Agora que a receita reverteu, é difícil cortar gastos", afirma. Para Pessôa, sem uma agenda fiscal muito profunda, o país está quebrado. "Não no ano que vem, mas daqui a cinco anos. A dinâmica atual é explosiva". Armando Castelar, do Ibre, avalia que as medidas enviadas ao Congresso eram "sensatas", como o endurecimento das regras para concessão de pensão por morte, mas foram aprovadas apenas parcialmente e em conjunto com medidas com impacto fiscal no médio prazo, caso do fim do fator previdenciário.

O Congresso, diz, "faz o mínimo para escapar do pior, mas logo estamos de volta à beira do precipício". A estratégia de colocar "remendo atrás de remendo" torna a economia cada vez mais vulnerável a um choque. "E aí tem que resolver tudo correndo".



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