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Varejo passa a acumular perda em 12 meses

Veículo: Valor

Seção: Economia

A deterioração da renda e da criação de ocupações, a inflação alta e o crédito mais caro tornaram inócuo o efeito do Dia das Mães sobre o consumo. O volume de vendas do varejo restrito, que não inclui automóveis e material de construção, ficou novamente abaixo do esperado ao recuar 0,9% entre abril e maio, feitos os ajustes sazonais, quarta retração seguida e pior desempenho para o quinto mês do ano desde 2001. No varejo ampliado ­ que considera esses dois segmentos, além dos oito pesquisados no restrito ­ o tombo foi ainda maior, de 1,8%, e a série de dados negativos é mais longa (seis consecutivos).

A queda mensal foi espalhada por sete dos dez segmentos analisados na Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), divulgada ontem pelo IBGE, que trouxe outros números ruins para o setor. No acumulado em 12 meses até maio, as vendas restritas entraram em terreno negativo, com perda de 0,5%, algo que não acontecia desde 2003. Nessa mesma comparação, o varejo ampliado diminuiu 5%, influenciado principalmente pelo segmento de veículos. Ante maio de 2014, as vendas restritas diminuíram 4,5%, número mais fraco desde agosto de 2003, enquanto a queda de 10,4% do varejo ampliado foi o recorde de baixa da série histórica dessa medição, iniciada em 2004.

Para economistas, os dados divulgados ontem reforçam a análise de que o Produto Interno Bruto (PIB) vai se retrair ainda mais no segundo trimestre. Sem sinais de reação para o segundo semestre, há quem considere que o ciclo de aumento da taxa Selic pode acabar um pouco mais cedo, na reunião de julho do Comitê de Política Monetária (Copom). Segundo Juliana Vasconcellos, gerente da coordenação de serviços e comércio do IBGE, o Dia das Mães não teve o mesmo efeito positivo sobre o comércio do que em outros anos devido ao arrefecimento dos rendimentos e à maior dificuldade de acesso ao crédito.

Como exemplo, Juliana mencionou que, na comparação com maio do ano passado, as vendas de móveis e eletrodomésticos ficaram 18,5% menores, ao passo que o segmento de tecidos, vestuário e calçados caiu 7,7%. O menor poder de compra da população, no entanto, também afetou as vendas de bens essenciais e menos dependentes do crédito: o setor de supermercados registrou queda de 2,1% em relação a igual mês do ano passado, e de 1,1% sobre abril. "Os números estão mostrando que as famílias estão consumindo menos", analisou a gerente do IBGE. "Estamos trocando o que não é essencial, comprando uma marca mais barata." Diante dos dados de maio do varejo,

José Francisco de Lima Gonçalves, economista­chefe do banco Fator, avalia que a sua projeção atual de retração de 1,7% para o PIB em 2015 "parece pouco", e deve mudar para algo entre queda de 2% e 2,5%. Gonçalves ainda não tem estimativas com ajuste sazonal fechadas para o segundo trimestre, mas afirma que a contração de 2,2% prevista para a economia sobre o mesmo trimestre de 2014 também pode ser mais expressiva. "Provavelmente esse vai ser o pior trimestre do ano, mas os próximos também serão muito ruins."

Para Gonçalves, as vendas do varejo não tendem a mostrar reação no segundo semestre porque a inflação ainda está acelerando, não há crédito e, no mercado de trabalho, o quadro de recuo da renda e aumento do desemprego deve se acentuar. A tendência negativa do volume de vendas de veículos pode até se estabilizar nos próximos meses, pondera ele, porque a oferta já foi ajustada para baixo, mas, em outros ramos como supermercados, linha branca, móveis e farmácias, ainda há espaço para novas quedas. Alberto Ramos, chefe de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs, também afirma que o cenário para o varejo segue negativo no curto prazo.

Após a divulgação da PMC, Ramos revisou de ­1,25% para ­1,5% sua expectativa para a retração do PIB entre o primeiro e o segundo trimestres, também em função de outros indicadores de atividade ruins, como a confiança de empresários e consumidores, o nível de emprego e o comportamento dos salários reais. Nos cálculos do economista do Goldman, se as vendas do varejo restrito ficarem estáveis em junho, terão encerrado o segundo trimestre em nível 2% inferior ao observado nos primeiros três meses do ano, enquanto, no setor ampliado, a herança estatística é negativa em 3,2%.

A confiança dos consumidores em patamar deprimido e o aperto das condições monetárias também não permitem prever recuperação do comércio nos próximos meses, diz o economista Bruno Rovai, do Barclays. Segundo Rovai, as últimas surpresas desfavoráveis com os índices de inflação e a comunicação recente do Banco Central são consistentes com mais uma alta de 0,5 ponto percentual na taxa Selic no próximo encontro do Copom, em 29 de julho. No entanto, os dados fracos do varejo reduzem a probabilidade de um aumento adicional em setembro. Nas projeções do Fator, o juro básico deve encerrar 2015 em 14,5% ao ano, com alta de 0,5 ponto em julho e outra de 0,25 ponto na reunião seguinte. Gonçalves ressalta, porém, que esse não é o cenário que ele gostaria, dado que um aperto adicional dos juros não teria efeito sobre a inflação em sua opinião. "Não temos uma inflação de demanda, o que temos é ainda é efeito dos preços administrados."



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