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Mercado começa a duvidar de mudanças na Argentina

Veículo: Valor

Seção: Economia

A relativa calmaria que prevaleceu na economia argentina no primeiro semestre foi interrompida há poucos dias, quando Daniel Scioli, candidato presidencial favorito nas pesquisas, escolheu para vice um político próximo de Cristina Kirchner. O anúncio deixou investidores e analistas com a sensação de que a aguardada mudança na política econômica pode não acontecer na velocidade com que o mercado espera.

O primeiro reflexo apareceu no mercado de câmbio. Desde a evidência da aproximação entre Scioli e o kirchnerismo, há duas semanas, a diferença entre as cotações do dólar oficial e do paralelo aumentou de 40,25% para 47,26%. No mercado oficial, intervenções diárias do banco central têm segurado a desvalorização do peso, que acumula 0,72% desde o dia 15 de junho, véspera do dia em que Scioli, hoje governador da Província de Buenos Aires, anunciou que Carlos Zanini, braço direito de Cristina, o acompanhará na chapa para presidente.

No mesmo período, no mercado paralelo o peso registrou desvalorização de 4,51%, com pico de 5,60% no dia 24. Na semana passada, as casas de câmbio de Buenos Aires foram alvo de fiscalização intensa, que envolveu até reforço da guarda nacional. "A notícia foi um balde d'água fria no mercado", afirma o economista Agustín Etchebarne, diretor da Libertad & Progreso. Ninguém esperava que o candidato que parecia disposto a uma relevante reestruturação econômica escolhesse para vice Zanini, secretário técnico e legal do governo e muito influente no kichnerismo. "Até então tínhamos certeza de que, independentemente do eleito, o próximo presidente adotaria uma política econômica mais racional.

Mas agora há desconfiança de que o modelo poderá ser parecido com o atual", diz Lorenzo Sigaut Gravina, economista chefe da consultoria Ecolatina. Cristina e Scioli começaram a aparecer juntos em eventos públicos. Mas a aproximação foi selada no fim de semana, quando a Frente para a Vitória, aliança orientada pelo kirchenrismo, espalhou cartazes com foto de propaganda eleitoral de Scioli ao lado de Cristina com a frase "Para a vitória". O banco Ciudad, instituição pública da cidade de Buenos Aires, destacou que a fragilidade econômica ficou exposta a partir da novidade na frente política. Para os analistas do banco, a melhora na economia, entre janeiro e maio, com estabilização da queda do nível de atividade, relativo controle da pressão inflacionária e calma cambial, passa para um período de incerteza. O quadro, segundo eles, provoca antecipação da dolarização das carteiras.

A oposição aproveita a inquietude do mercado para reforçar a estratégia em torno da necessidade de mudança. O senador Ernesto Sanz, que disputa a sucessão presidencial pela União Cívica Radical (UCR), diz que, com a vitória de um opositor, o próximo governo "já nascerá com legitimidade". Por enquanto, Sanz é adversário de Maurício Macri (PRO), prefeito de Buenos Aires e em segundo lugar nas pesquisas para a eleição presidencial. Mas ambos estarão juntos depois da eleição primária em 9 de agosto, que fará uma pré­seleção dos candidatos que se enfrentarão na eleição, em outubro. UCR, de Sanz, e PRO (Proposta Republicana), de Macri, formam a corrente Acordo Pela Mudança.

Mas não é só o programa do futuro presidente que preocupa os investidores. A decisão de Máximo Kirchner, filho de Cristina, e Axel Kicillof, ministro da Economia, de concorrer a vagas no Congresso indica o grau de dificuldades na aprovação de decisões importantes. Uma das votações mais esperadas é o sinal verde para negociar com os detentores de papéis da dívida externa não estruturada. Os dois aspirantes a deputados pertencem à La Cámpora, corrente kirchnerista radical. "Uma coisa é tratar com peronistas tradicionais, outra é enfrentar o núcleo duro de Cristina", afirma Gravina.

O ministro da Economia sonha em manter influência no Congresso. Num almoço com empresários, na semana passada, Kicillof disse que "provavelmente teremos um presidente com as mesmas políticas". "Pensamos fazer mais ou menos o mesmo", disse. Kicillof criticou "o programa ortodoxo adotado em economias frágeis da Europa". "Não é possível que o que se aplica na Grécia agora é o que servirá à Argentina em 2016", disse. Kicillof e Zanini atuarão juntos, se eleitos, já que a legislação estabelece que o vice­presidente acumula o cargo com a presidência do Senado. Domingo, Zanini disse ao "Página 12", jornal alinhado ao governo, que Scioli será "respeitoso com as políticas de Cristina e Kicillof".

Se os investidores já demonstravam preocupação com a candidatura de Zanini, suas declarações na entrevista poderão esfriar ainda mais a expectativa de mudanças. Ao ser questionado sobre o pagamento aos detentores de títulos da dívida externa não estruturada, Zanini disse: "Levo a vantagem de ter trabalhado no assunto e conheço os pleitos dos 'abutres' [como os argentinos chamam os 'holdouts'], da Argentina e a legislação... As leis argentinas impedirão um acordo". Para Etchbarne, seja quem for o eleito, o país não escapará da necessidade de ajustes em 2016: "A questão é se o novo presidente vai demorar muito a tomar medidas. Uma maior pressão externa poderá provocar um endurecimento do governo e levar a Argentina a quadro semelhante ao da Venezuela".



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