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Opinião: Acordos comerciais não vão nos salvar de nossos problemas

Veículo: Folha de S. Paulo

Seção: Mundo

Sei o que significa representar nos Estados Unidos governo em crise profunda, talvez terminal. Gastei boa parte de meu período como embaixador em Washington limitando o prejuízo que causava diariamente o processo de impeachment de Collor.

A economia tampouco ajudava depois do trágico fiasco do confisco da poupança.

Comparado ao Chile, ao México, até à Argentina de Menem-Cavallo, o Brasil era olhado com desprezo ou comiseração como "o país doente da América Latina".

No momento da visita da presidente Dilma, a situação não chegou a esse ponto. Mas, se continuar a piorar como nos últimos dias, não se estará longe de repetir a experiência. O que ela nos ensina é que nessas ocasiões o efeito de uma diplomacia ativa é positivo, embora marginal e efêmero.

Imagens favoráveis ao lado de Obama na Casa Branca, discursando na União Europeia, recebendo o primeiro-ministro da China amenizam por uns dias o impacto das delações ou das derrotas no Congresso.

Nada podem fazer, no entanto, para compensar inflação anual de 9%, crescimento negativo, desemprego em aumento, vazio de poder político, Lava Jato, deputados irresponsáveis.

A imensa maioria, se não a totalidade de nossas mazelas, é produto de conteúdo cem por cento nacional. Suas causas não são externas nem se pode terceirizar a solução a ninguém de fora.

Nosso caso não é como o da Grécia, que depende do FMI, da senhora Merkel, do Banco Central Europeu.

No passado, quando o Brasil mergulhava em uma de suas recorrentes crises de balança de pagamento, a salvação vinha sempre de Washington. Agora, graças ao nível das reservas, esse é o menor de nossos problemas. Em contraste com 1998/1999, não passa de eventualidade remota.

Nova ilusão tomou conta do país: a de que acordos de livre comércio salvarão nossa indústria, ao dar-lhe acesso ao mercado americano.

Trata-se de quimera inspirada na falsa crença de que acordos geram comércio. O que eles fazem é apenas reduzir barreiras ao exportador dotado de capacidade de oferta, isto é, com produto de qualidade e preço competitivos.

Se dispusesse dessas condições, a indústria brasileira não estaria cedendo parcela crescente do mercado doméstico à chineses e asiáticos.

A fim de fazer concessões para negociar acordos e, em seguida, aproveitá-los, é preciso recuperar a capacidade de competir. Mais uma vez isso depende de fatores internos: câmbio (que está melhorando), juros e impostos (piorando), infraestrutura (lenta melhoria).

Apreciada em sua justa medida, a visita aos EUA merece aplausos, mas não vai nos salvar de nós mesmos. A diplomacia pode e deve ajudar, mais ainda em tempo de crise. É aqui, contudo, que estão as raízes de nossos problemas e é aqui que têm de ser enfrentados. Em regime presidencialista, seria inquietante pensar que para tal combate interno a presença da presidente é prescindível.

RUBENS RICUPERO foi embaixador do Brasil nos EUA (1991-1993) 



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