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Crise da indústria chega ao faturamento

Veículo: Valor

Seção: Economia

Em um cenário de redução da demanda e aumento de custos, a crise na indústria se aprofundou e atingiu também o faturamento das fábricas, que até pouco tempo atrás se descolava da atividade. Nos 12 meses encerrados em abril deste ano, a produção da indústria de transformação recuou 6,3% e o faturamento real do setor encolheu 4,3%. Em igual período de 2014 e na mesma base de comparação, a atividade manufatureira havia subido 1% contra alta de 2,4% do faturamento.

Os dados são da Pesquisa Industrial Mensal ­ Produção Física (PIM­PF), divulgada ontem pelo IBGE, e da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Entre março e abril, feitos os ajustes sazonais, o tombo do faturamento foi de 6,4%, mais expressivo que a queda da produção, de 1,2%.

Para economistas ouvidos pelo Valor, a aproximação entre os dois indicadores mostra que a indústria não está mais conseguindo compensar a retração da produção por meio da revenda de importados, fator que ainda sustentava o crescimento do faturamento. Ao mesmo tempo, o baixo dinamismo do consumo impede que o setor repasse a seus preços finais pressões de custos que se concentraram neste início de ano.

Segundo Júlio Gomes de Almeida, ex­secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e professor da Unicamp, o que permitia à indústria manter seu faturamento em alta produzindo menos era o movimento de substituição da produção interna por bens importados, que muitas vezes ocorria até mesmo nos produtos finais. A crise atual, no entanto, é generalizada e afetou a fabricação doméstica e a importação, diz. "A importação de produtos industrializados está caindo assustadoramente, em ritmo acima produção", nota Almeida, o que se reflete no faturamento da indústria, que não lucra mais com revendas.

De janeiro a abril, o volume importado de bens de capital caiu 15,3% sobre igual período de 2014 de acordo com dados da Funcex, ao passo que as compras externas de bens de consumo duráveis recuaram 16,5%. "Com a deterioração do mercado interno, o aumento das importações pela própria indústria não é mais possível", concorda Thaís Zara, economista­chefe da Rosenberg Associados.

A importação de insumos, que ficaram mais caros depois da alta do dólar, representa uma pressão sobre o faturamento. Para Thaís, os dados de abril indicam que a dificuldade da indústria se aprofundou. De acordo com a economista, houve realinhamento de preços de insumos do setor neste ano e, com o consumo enfraquecido, a indústria não consegue repassá­los, o que piora as margens. Thaís cita o encarecimento do transporte, devido à alta dos combustíveis, e da mão de obra. Mesmo com esfriamento do mercado de trabalho e demissões na indústria, os custos do setor com pessoal ocupado ainda estão em trajetória crescente, observa Leandro Padulla, da MCM Consultores.

A partir de dados do IBGE, Padulla calcula que o custo unitário do trabalho, que mede o peso dos salários na produção de um bem, vançou 0,9% de fevereiro para março, em reais. Isso ocorreu porque apesar de um ajuste forte no número de ocupados, a folha de pagamento real caiu menos, o que manteve os salários em nível elevado. "Em algum momento os salários vão significar um alívio de custos para a indústria, mas existem outros custos que poderão continuar dificultando a competitividade do setor, como os de água e energia", afirma o economista, que também aponta a depreciação da taxa de câmbio como outro fator negativo para o setor manufatureiro no curto prazo, devido ao aumento recente no uso de insumos importados.

Almeida avalia ainda que o encarecimento de bens intermediários não foi o principal fator que reduziu o faturamento da indústria, mas diz que a queda do salário real pode ser uma compensação em um quadro de pressões disseminadas de custos. Para ele, o custo unitário do trabalho deve começar a recuar ainda neste ano. "Mas assim que houver um soluço para cima da economia, o empresário vai reajustar seus preços para recompor margens."



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