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Golpe na demanda deve ajudar BC com inflação

Veículo: Valor

Seção: Economia

A queda de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro entre o quarto trimestre de 2014 e o primeiro de 2015, feito o ajuste sazonal, foi mais suave do que apontavam as previsões do mercado, mas deixou claro os efeitos do ajuste macroeconômico pelo qual o país passa. A demanda doméstica total ­ soma do consumo das famílias, dos gastos do governo e dos investimentos ­ caiu 1,4% na passagem trimestral, o que indica um freio adicional da produção de bens, que terá de se ajustar a um nível de consumo mais deprimido.

As Contas Nacionais Trimestrais divulgadas na sexta­feira pelo IBGE mostraram que todos os componentes da demanda recuaram de forma expressiva entre janeiro e março, com destaque para o consumo das famílias, que tem peso de 62,5% no PIB e diminuiu 1,5% no trimestre. Os gastos do governo e a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe em máquinas, construção civil e pesquisa) encolheram ambos 1,3% no período.

Por outro lado, dizem economistas, um crescimento da demanda mais em linha com a geração de riqueza nacional tende a reduzir as pressões inflacionárias na economia, uma boa notícia para o Banco Central. Cristiano Oliveira, economista­chefe do banco Fibra, calcula que a demanda doméstica caiu 2,4% em relação ao primeiro trimestre de 2014, acima da contração de 1,6% do PIB na mesma comparação. Na série construída por Oliveira, esse é o pior resultado da demanda agregada desde o segundo trimestre de 2003, quando houve recuo de 2,5%. "Nos próximos meses provavelmente a oferta vai ter de se adequar à demanda mais fraca e com isso teremos desaceleração do PIB nos próximos trimestres", diz Oliveira, que esperava queda de 0,5% do PIB no primeiro trimestre, mas foi surpreendido pelo tombo de 1,5% do consumo.

Como o aperto monetário e fiscal terá efeitos contracionistas adicionais e o mercado de trabalho deve seguir em deterioração, a tendência é que a absorção doméstica continue recuando ao longo do ano, afirma Oliveira. Na série com ajuste sazonal, a demanda doméstica também despencou com mais força que o PIB, ao diminuir 1,4% entre o quarto e o primeiro trimestres de acordo com Alberto Ramos, chefe de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs. Em sua avaliação, a retração da demanda agregada tende a se acentuar no segundo trimestre, período em que o PIB deve recuar de 0,75% a 1%. "O crédito segue em queda, a inflação está elevada, a carga tributária continua aumentando e há o arrocho das tarifas públicas", comenta o economista. Para Rodolfo Margato, do Santander, todos os condicionantes indicam que a demanda doméstica deve se retrair mais do que o PIB em 2015: os reduzidos índices de confiança de empresários e consumidores, a diminuição da renda disponível e a dificuldade de acesso ao crédito são condizentes com esse cenário, diz Margato.

Em seus cálculos, a soma do consumo, do governo e dos investimentos "tirou" 1,5 ponto percentual do crescimento no primeiro trimestre. O problema da conjuntura atual, diz Sergio Vale, economista­chefe da MB Associados, é que o setor externo não deve compensar o comportamento pífio da demanda doméstica como em 1999 ou em 2003, uma vez que o crescimento mundial é menor, a economia brasileira ficou menos competitiva e a depreciação real do câmbio foi mais fraca em relação aos nossos parceiros comerciais. Por isso, diz, a queda do PIB neste ano será significativa, de 1,5%. Rodrigo Alves de Melo, economista­chefe da Icatu Vanguarda, espera queda até maior em 2015, de 1,9%. Para ele, é difícil ver recuperação da economia ainda neste ano. "A redução da inflação é essencial para o processo de retomada, porque a alta de preços está corroendo o crescimento".

A desaceleração do índice oficial de preços, que pode dar algum impulso ao consumo e à indústria, só deve ficar mais clara em 2016, avalia. Neste sentido, a fraqueza da demanda doméstica e a redução da diferença entre a geração de riqueza do país e o que é consumido internamente são boa notícia, porque tendem a reduzir a pressão inflacionária ao longo do tempo, afirma o economista da Icatu. Com a resposta da demanda, que arrefeceu claramente nos últimos trimestres, e os sinais de contínua piora do mercado de trabalho, é possível que o Banco Central encerre o aperto monetário na reunião desta semana, com mais uma alta de 0,5 ponto da Selic, diz Fernando Rocha, economista e sócio da JGP Gestão de Recursos. "No contexto atual, o aperto já parece de bom tamanho. Acredito que o BC deve mudar a comunicação daqui para frente", diz.

O segundo trimestre, diz Rocha, pode ser de queda de até 1% do PIB e ainda não dá para afastar um recuo da atividade superior a 1,5% no ano. "No nosso cenário, tem alguma melhora a partir do terceiro trimestre, mas se isso não se concretizar, o número para o ano ainda pode ser pior". Para o Goldman Sachs, o PIB brasileiro vai cair de 1% a 1,5% em 2015.

O Fibra manteve a projeção de um recuo de 1,3%, mas agora espera uma retração maior da demanda interna no período, de 2,3%. Antes da divulgação do PIB do primeiro trimestre, a expectativa era de declínio de 1,8%.



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