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'El Niño' contribui com cenário energético

Veículo: Valor

Seção: Economia

Em anos de recessão, até mesmo eventos climáticos podem se transformar em alento para o desempenho pífio da economia. É o que mostra estudo da LCA Consultores a respeito dos impactos do El Niño sobre a atividade econômica e a inflação no Brasil, com base em dados levantados recentemente pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Segundo a análise da LCA, o fenômeno representa um choque de oferta favorável para o país, na medida em que aumenta o volume de chuvas e, consequentemente, reduz a probabilidade de um racionamento energético em 2016.

Um trabalho de abril de economistas do Departamento de Ásia e Pacífico do FMI concluiu que o impacto do El Niño no crescimento dos países afetados é heterogêneo: enquanto na Austrália, Índia, Indonésia, Nova Zelândia e Peru, o efeito sobre o Produto Interno Bruto (PIB) é negativo, há um efeito positivo observado quatro trimestres após o choque inicial num grupo maior de nações em que o Brasil está incluso.

Na economia brasileira, a ajuda ao PIB chegaria a 0,68 ponto percentual passados 12 meses. Dois órgãos governamentais que acompanham o clima mundial já confirmaram a formação do El Niño em 2015: o NOAA, agência americana de pesquisas atmosféricas e oceânicas e, mais recentemente, o escritório de meteorologia do governo da Austrália. Ainda não se sabe a intensidade da configuração atual. Da última vez que o fenômeno foi detectado pelo escritório australiano, há cinco anos, alcançou nível moderado a forte.

O El Niño costuma durar de 15 a 18 meses e causa alterações climáticas em boa parte do mundo. No Brasil, sua ocorrência provoca chuvas fortes no Sul entre o inverno e a primavera e escassez de precipitações e temperaturas maiores no Norte e no Nordeste. Embora o efeito mais observado no Sudeste seja também o aumento de temperaturas, o economista­chefe da LCA, Braulio Borges, calculou que, desde os anos 2000, a Energia Natural Afluente (ENA) ­ o volume de chuvas que chega aos reservatórios ­ foi 10,7% maior no subsistema Sudeste/Centro­Oeste, que concentra 70% da capacidade de geração hídrica do país, nos quatro anos de El Niño em relação aos outros anos sem o fenômeno.

Em todo o Sistema Interligado Nacional (SIN), a alta foi de 5,2%. Segundo Borges, essa diferença chega a quase 18% no primeiro trimestre, o mais importante para o armazenamento dos reservatórios de energia, uma vez que a época de chuvas acima da média vai de dezembro a abril. Considerando a média do regime de chuvas dos últimos quatro anos de El Niño e também as projeções de que o consumo de energia terá recuo de 1,1% em 2015 e de 2,8% em 2016, a LCA avalia que armazenagem do SIN chegará a quase 50% em abril de 2016, bem acima dos 35% em abril de 2015 e dos 43% em igual mês de 2014.

Antes de incluir os impactos do El Niño em seu cenário, a consultoria trabalhava com um percentual mais perto de 40% a 45% para o fim do próximo período chuvoso. Cada fenômeno é diferente e não é possível afirmar que em 2016 o volume dos reservatórios hídricos chegará ao nível previsto, pondera Borges, mas os dados mostram uma afluência maior no Sudeste e no Centro­Oeste e mesmo no Nordeste, que não é muito representativo para a geração hídrica. Como a possibilidade de um racionamento já está no radar há dois anos, o aumento de chuvas pode ter efeito benigno também sobre a economia, por meio do canal da confiança, afirma o economista­chefe da LCA.

Outra externalidade positiva do El Niño com a melhora do quadro hídrico se reflete na inflação, com a alta menor esperada para os preços de energia elétrica em 2016. Segundo Borges, o evento reforçou a projeção da consultoria de que as tarifas de eletricidade ficarão estáveis no ano que vem. Também podem ser observados, de acordo com ele, ganhos maiores de produtividade na safra agrícola brasileira. Em relatório datado do fim de abril, Guilherme Vilani, da XP Investimentos, afirma que, mesmo se as chuvas não chegarem até o Sudeste, a ocorrência do El Niño é positiva para a geração de energia porque a usina binacional de Itaipu é beneficiada pelo aumento de precipitações, e também porque a energia das usinas do Sul é transferida para o subsistema Sudeste/Centro­Oeste.

Vilani observa, porém, que o fenômeno não garante condições mais chuvosas no Sudeste, principalmente se for de intensidade fraca. Por isso, diz, o próximo período chuvoso segue determinante para a segurança energética em 2016. O meteorologista Alexandre Nascimento, da Climatempo, avalia que o regime pluviométrico do próximo verão será insuficiente para reverter o baixo nível dos reservatórios, mesmo com o El Niño. O maior volume de chuvas em anos com o fenômeno, diz Nascimento, ocorre em pancadas, ao passo que a melhor forma para encher os reservatórios hidrelétricos seriam chuvas mais intermitentes. "As chuvas devem ficar dentro dos padrões de normalidade, mas o nosso ponto de partida está muito baixo."



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