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Tarifaço, desemprego e queda na renda derrubam comércio

Veículo: Valor

Seção: Economia

A conjugação de reajustes de tarifas públicas, encarecimento do crédito e deterioração do mercado de trabalho reduziu a renda disponível das famílias neste começo de ano, situação que teve forte impacto sobre o comércio. De janeiro a março, o volume de vendas no varejo restrito (não inclui automóveis e material de construção) caiu 1,7% sobre o último trimestre de 2014, feitos os ajustes sazonais, pior resultado nessa comparação deste o primeiro trimestre de 2003.

Há 12 anos, as vendas nesse conceito haviam encolhido 3,1% em igual período. No varejo ampliado, que considera os segmentos de veículos e material de construção, a retração foi ainda maior entre o último trimestre de 2014 e o primeiro de 2015, de 4%. O tombo só superou o registrado entre o terceiro e o quarto trimestres de 2008 (­6,6%). Divulgada ontem pelo IBGE, a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) mostrou que o desempenho ruim das vendas se acentuou em março, com queda de 0,9% no setor restrito e redução de 1,6% no ampliado sobre fevereiro.

Apenas três dos dez ramos de atividade pesquisados tiveram alta mensal. O recuo mais forte que o esperado do comércio no mês levou a revisões pessimistas nas expectativas para o ano. A Confederação Nacional do Comércio (CNC), por exemplo, agora trabalha com queda de 0,4% do varejo restrito em 2015, ante aumento de 0,3% anteriormente.

Para economistas, a deprimida confiança do consumidor e o espaço menor no orçamento das famílias impede reação expressiva das vendas nos próximos meses. "Há um arrefecimento do consumo, com crédito e rendimento crescendo menos. As famílias tentam compensar cortando bens supérfluos e duráveis", disse a gerente da Coordenação de Comércio e Serviços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do IBGE, Juliana Vasconcellos.

A situação mais adversa, no entanto, também afetou setores menos sensíveis ao crédito e à confiança: entre fevereiro e março, as vendas de supermercados, produtos alimentícios e bebidas diminuíram 2,2%. Como a retração no varejo observada no mês foi espalhada em sete dos dez segmentos analisados, Paulo Neves, da LCA Consultores, afirma que as famílias estão de fato reduzindo a quantidade de compras, sobretudo em itens não essenciais, mas observa que os dados de março também podem refletir a piora do "mix" de consumo, quando marcas mais caras são trocadas por opções mais baratas. Segundo Neves, a principal influência negativa sobre o varejo em março partiu da renda, que caiu 3% em termos reais em relação a igual mês de 2014 nas seis principais regiões metropolitanas do país. As contratações formais também seguem em terreno negativo, cenário que eleva o pessimismo das famílias e desestimula ainda mais o consumo, acrescenta.

Nos cálculos de Rodrigo Baggi, da Tendências Consultoria, que usam como base a cesta de consumo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a renda disponível para o consumo após pagas as despesas essenciais diminuiu 2% entre março de 2014 e igual mês de 2015, mesmo comportamento registrado em abril. Baggi explica que o recuo foi provocado tanto pelos menores ganhos salariais quanto pelo aumento da parcela do orçamento destinada a itens como energia, transporte público e gasolina. Embora os efeitos dos reajustes de preços administrados tenham sido concentrados nos três primeiros meses do ano, o economista da Tendências avalia que março pode não ter sido o piso para o varejo em 2015. "Devemos ver meses tão ruins quanto março ou até piores", diz Baggi, que deve cortar sua estimativa para a retração do volume de vendas restritas no ano, que já conta com queda de 0,7%.

Os sinais para abril não são de melhora. A partir de dados da Fenabrave (entidade que reúne as concessionárias do país), a LCA calcula que as vendas de automóveis e comerciais leves novos recuaram 5,6% sobre março, após ajuste sazonal. Neves ainda cita o elevado acúmulo de estoques no varejo, especialmente no segmento de bens duráveis, como outro indício de que as vendas podem ter caído novamente no mês passado.

Pesquisa da CNC apontou que 29,4% dos empresários do comércio de duráveis consideraram seus estoques acima do nível adequado no mês. Para Fabio Bentes, economista da confederação, "a confiança dos consumidores, abalada pela queda no nível de atividade econômica e seus reflexos sobre o mercado de trabalho e associada à atual tendência de encarecimento do crédito, tem impedido qualquer reação do setor, a despeito do recuo da inflação nos produtos comercializáveis."



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