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Para ganhar dinheiro no varejo não se pode errar no básico: ­comprar bem e vender bem

Veículo: Textile Industry

Seção: Economia

Com custo maior, varejo caça nova receita

“O varejo é um negócio simples. Se você dificultar muito, você estraga”. O raciocínio é de Murilo Corrêa, diretor da Lojas Americanas, em conversa com analistas na última semana. Em outras palavras, para ganhar dinheiro no varejo não se pode errar no básico ­comprar bem e vender bem. A questão é que apenas seguir essa regra não está trazendo resultados. Com clientes desconfiados, fortes pressões inflacionárias e consumo cambaleante, o começo do ano foi o pior para o comércio na última década, segundo dados do IBGE.

Neste ambiente, foi preciso apertar ainda mais o cinto e lançar medidas para que algum resultado aparecesse na última linha do balanço. Relatórios de resultados de 12 varejistas (das 14 redes com ação em bolsa), com vendas anuais de R$ 26,58 bilhões, mostram despesas operacionais subindo num ritmo dois pontos percentuais acima da receita líquida. Isso obriga o varejo a intensificar ajustes e, principalmente, a tentar ser mais eficiente no uso do caixa num período de revisão de projetos e redução de investimentos.

Pelos dados, as despesas com vendas, gerais e administrativas subiram 10,2%, para quase R$ 6 bilhões de janeiro a março, representando 22,5% da receita líquida total. Portanto, acima da inflação do período, de 8,1% (IPCA até março). No mesmo intervalo de 2014, num ambiente que já era de reestruturações, a taxa foi de 22%, com despesas em R$ 5,42 bilhões. No mesmo período, a receita líquida das varejistas teve alta de 8,3%, ligeiramente acima da inflação.

Os números indicam que as redes podem ter conseguido repassar para o preço só parte das pressões em custos que têm sentido (a receita tem subido mais por remarcações de tabelas do que por aumento de quantidade comercializada). E esse repasse não ocorre integralmente, seguindo a política de aumentos a “conta­gotas”.

Segundo dados compilados pelo Valor, a margem de lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação (Ebitda, da sigla em inglês) ficou estável em 8,8%, sem crescimento ­ indício de que, pelo menos sem uma queda maior, o setor pode ter conseguido vender produtos com margens melhores, além ter obtido ganhos de produtividade. O lucro líquido total das 12 redes, em R$ 670 milhões, subiu menos que receita, com alta de 6%. Na última linha entra, por exemplo, efeito de despesas financeiras mais pesadas, que sobem com o atual aumento de juros.

Um dos pontos ressaltados por analistas é que há um conjunto de variáveis hoje na mesa que não fazia pressão de forma simultânea até o ano passado. Há uma alta nos custos fixos (energia, água, planos de saúde corporativos), ao mesmo tempo em que a indústria de consumo, afetada pela alta do dólar, empurra reajustes de até 10%. Isso num ambiente de confiança do consumidor em baixa.

Empresas apostam em ações que sejam “multiplicadores de caixa”, dizem especialistas. “Se as redes simplesmente cortam custos, há um efeito imediato positivo, mas que se esgota ali. Se elas acham formas de subir o caixa, com ações que geram receita nova, por exemplo, é algo com efeito contínuo. É isso que as redes melhor geridas estão buscando”, diz Nelson Barrizzelli, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.

Entre novas receitas geradas, há medidas como o pagamento de serviços de montagem de móveis na Casas Bahia, da Via Varejo (o valor é diluído nas parcelas). Na Riachuelo, redução nos descontos a clientes que negociam pagamentos atrasados elevou os resultados do braço financeiro. A Raia Drogasil deve investir mais pesadamente na cesta de produtos da marca do grupo (Pluii), lançada em 2012, para tentar gerar receita maior com marcas próprias.

“Não tem jeito de estar otimista, mas temos confiança no que estamos fazendo”, disse na sexta­feira Ronaldo Iabrudi, presidente do Grupo Pão de Açúcar, com mais de 2 mil lojas no país. Casas Bahia e Ponto Frio, redes do grupo, registraram pressão maior em despesas fixas, como energia e água, e com custos relacionados à maior abertura de lojas. Isso foi parcialmente mitigado, diz o comando, por iniciativas de eficiência operacional.

Na Via Varejo, as despesas cresceram 6% até março, versus a inflação de 8% em 12 meses (IPCA), mas as vendas ficaram estáveis. “Temos planos específicos de ganho de sinergia e otimização de despesas para reduzir a pressão de custo vista no início do ano”, disse o presidente do GPA. A empresa definiu medidas que vão desde o aumento de produtos transportados por caminhão até o maior compartilhamento de centros de distribuição entre sites e lojas, para diluir mais despesas.

A Lojas Americanas passou a “usar melhor a sua cadeia de custos para tentar sustentar suas margens futuras”, disse Murilo Corrêa, diretor de relações com investidores. “Estamos reduzindo custos de investimento por loja e olhando uma série de controles alternativos para conseguir resultados num ambiente de piora da inflação e pressão em despesas”, afirmou.

Tem peso fundamental na estratégia de algumas redes a tentativa de reforçar a venda de produtos mais rentáveis ­ que não são necessariamente os itens mais caros ­ como móveis e smartphones, este último com margem de lucro para a loja de 30% a 40%.

Na opinião dos analistas Guilherme Moura e Tales Paes, da Fator Corretora, o momento de cada companhia (estratégia bem planejada e madura e boa gestão do estoque, por exemplo) será mais determinante para os resultados neste ano que o cenário macroeconômico. “As características de cada empresa vão garantir um bom desempenho ou uma deterioração ainda maior dos números”, disse Moura.

Com base neste raciocínio, se no Magazine Luiza tem efeito negativo o fato de a empresa atuar num segmento em forte desaceleração e alta competição, na Lojas Americanas, o mix flexível de produtos, o tíquete médio relativamente baixo e a pequena dependência do crédito ajudam a protegê­-la em momentos de economia fraca.

Os números compilados pelo Valor envolvem um grupo pequeno de varejistas, ao se considerar um mercado de consumo local de R$ 3 trilhões em vendas anuais, mas ajudam a entender a situação do mercado e estratégia adotada para tentar driblar a crise. Merece destaque o fato de empresas consideradas bem geridas pelo mercado (Renner, Raia Drogasil) mostrarem resiliência e resultados positivos, o que afeta a amostra. Os analistas ouvidos não esperam melhora expressiva para o varejo ao menos até o quarto trimestre.

Nos bastidores, grandes redes chegam a arriscar recuperação de ritmo de crescimento no comércio só em 2017. O cenário adverso desestimula novos ciclos de investimentos, inclusive na abertura de lojas. Por enquanto, segue o foco em eficiência e novas receitas.



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