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A qualidade e a sustentabilidade

Veículo: Textile Industry

Seção: Economia

Em recente conversa, comecei a refletir a respeito do binômio qualidade-sustentabilidade, tentando entender as implicações de uma na outra, considerando o processo produtivo de vestuário e seus produtos.

Encontrei tantos pontos de divergência que este texto não tem o intuito de ser conclusivo, e sim de ser mais especulativo, no sentido de que existem pontos de vista muito diferentes sobre o tema.

Quando o assunto é processo produtivo, pensamos em considerar: uso racional da água; diminuição do desperdício de materiais; formas de reaproveitamento de materiais ou produtos refugados e a diminuição da quantidade desses produtos; uso de mão de obra local e devidamente remunerada; uso de materiais produzidos localmente; racionalização logística; uso racional de energia elétrica; e muitos outros pontos que podem ser considerados.

Ao olhar para os pontos abordados acima, lembro-me dos conceitos de qualidade total dos anos 1980 e 1990, ou seja, nada surpreendentemente novo. É só uma questão de fazermos a lição de casa direito. Se pensarmos bem, nos lembraremos dos “5 S”...

Agora, quando o assunto é produto pronto, as coisas mudam de figura, gerando pontos de vista diferentes e também conflitantes. Por exemplo, quando se discute sobre fast fashion x modelo convencional.

Como é de conhecimento geral, a teoria do fast fashion parte do princípio de que é necessário desenvolver produtos com alta velocidade, produzi-los e vendê-los rapidamente, para que o giro seja alto. Tem-se como objetivo que a variedade de produtos oferecidos seja grande e, consequentemente, o consumidor aumente sua frequência de ida às lojas e compre mais produtos, dos quais ele se livrará mais rapidamente, devido ao alto grau de obsolescência programada desses produtos. É um modelo de negócio.

No entanto, refletindo pelo prisma da sustentabilidade, podemos notar que o fast fashion fere um dos princípios do pensar sustentável: substituir os produtos comprados apenas quando houver necessidade. Ao contrário, o fast fashion incentiva o consumidor a substituir rapidamente os produtos por novos, aumentando a frequência de compra e a quantidade de itens descartada.

Aí, vocês me dirão: “Mas esse é um dos princípios da moda, que pressupõe algo passageiro”. Bem observado, esse é um ponto de grande discordância. A moda impõe a troca regular de produtos, e isso será incentivado mais fortemente no fast fashion do que no modelo de negócios convencional.

Será que a qualidade do produto ofertado está diretamente ligada ao seu descarte, ou a obsolescência programada dele fica por conta de sua característica estética, que será decisiva na hora de partir para o descarte? Ou seja, bom ou ruim, saiu de moda e será descartado.

Então, o ideal seria que produzíssemos muitos produtos básicos com ótima qualidade, pois pouparíamos recursos, o descarte seria mais demorado e a troca ocorreria por necessidade? Mas isso não seria um retrocesso no modelo de negócios da moda, que funcionava nesse caminho cerca de 60 ou 70 anos atrás? Mas não seria melhor para a qualidade, para a sustentabilidade e para o planeta, consequentemente?

Parece-me que chegamos a um impasse: qualidade e sustentabilidade estarão realmente ligadas? Ou a obsolescência programada tem sido mais importante nos dias de hoje? Qual o custo do consumo excessivo dos produtos de moda para o planeta? O modelo de negócios deve se sobrepor aos interesses das populações?

Para quem não viu, recomendo dois vídeos interessantes para reflexão, ambos disponíveis no YouTube: Story of Stuff, produzido pela Tides Foundation, e Detox Fashion, produzido pelo Greenpeace.

Vale a pena refletirmos e continuarmos a pensar sobre esse assunto.

Fábio Romito é técnico têxtil, administrador de empresas e mestre em engenharia de produção. Atua no mercado de confecção há mais de 25 anos, sendo quase 20 dedicados a consultoria e treinamento em empresas de vestuário. É professor universitário em cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de moda e administração.



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