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Indústria ou serviços?

Veículo: Valor Econômico

Seção: Economia

O Brasil experimenta uma das mais espetaculares transformações estruturais das últimas décadas. Após ter alcançado o pico de participação de 34,5% do PIB em 1982, a indústria manufatureira iniciou trajetória de contração e hoje representa menos de 13% da economia, padrão inferior ao dos países da OCDE. De outro lado, o setor de serviços passou, no mesmo período, de 45,4% de participação no PIB para 69,5%, padrão também de OCDE.

Aquela rápida mudança levou a uma espécie de Fla x Flu por parte dos analistas. De um lado estão os que concluíram que o Brasil estaria experimentando uma desindustrialização e que seria preciso estimular e proteger mais o setor. De outro lado estão aqueles que defendem que a contração da indústria e a expansão dos serviços seria parte da evolução natural das economias modernas e refletiria as condições das vantagens comparativas.

Quem está certo? Evidências empíricas sugerem que nenhum dos dois lados. Se há algo que abundou na nossa indústria foram estímulos, subsídios, crédito, proteção cambial e tarifária e muita reserva de mercado. Mas bastou que a economia começasse a se abrir nos anos 1990 para que a indústria passasse a enfrentar dificuldades e revelasse a sua baixa competitividade e dependência da proteção pública. A valorização cambial observada em vários anos das últimas décadas atrapalharia, mas não determinaria os destinos da indústria.

Os serviços terão que passar a ser parte integrante do núcleo da agenda de crescimento e das políticas setoriais

Já o crescimento dos serviços em detrimento da indústria tampouco pode, necessariamente, ser visto como sinal de purga e de modernização da economia. Afinal, a produtividade agregada caiu com o crescimento daquele setor ­ a produtividade relativa dos serviços é muito baixa e cresce pouco em razão do setor ser composto, majoritariamente, por pequenas empresas que empregam pouca tecnologia e agregam pouco valor.

Seria o Fla x Flu um falso dilema? Sim, porque a indústria e o setor de serviços são, cada vez mais, faces da mesma moeda. De fato, a mudança do padrão de consumo, a globalização e as novas tecnologias de produção e de gestão levaram a que os serviços passassem a ter crescente protagonismo nas economias.

O caso americano é emblemático. Embora represente 77% do PIB, parcela significativa do setor de serviços está, na verdade, fortemente associado à indústria numa relação simbiótica que, ao final, geram­se riquezas, empregos, competitividade e prosperidade. Tratam-­se de serviços de custos, como logística, telecomunicações, limpeza, vigilância, alimentação, reparo e manutenção, mas, também, e sobretudo, de serviços de agregação de valor e diferenciação de produtos, como P&D, design, projetos, softwares, serviços profissionais, marcas e marketing.

Hoje sabemos que este segmento se desenvolveu, em boa parte, como resposta às demandas e necessidades da indústria. Não por acaso, a indústria é o maior financiador das inovações do setor de serviços daquele país.

Mas a convergência de bens e serviços já está adentrando um novo capítulo ­ embora a Apple venda telefones, computadores e outros objetos, ela é, acima de tudo, uma empresa produtora de serviços. Já a Google, grande produtora de serviços, está se tornando, cada vez mais, uma vendedora de objetos como carros, telefones e computadores. O que as duas empresas têm em comum é a percepção de que o grande salto está na sinergia entre bens e serviços para agregar valor, o que as está levando a produzir e vender serviços e funcionalidades embutidas em bens desenvolvidos por elas mesmas.

A indústria brasileira viria a seguir caminho distinto. Protegida que era, não promoveu o desenvolvimento de um setor de serviços moderno porque não se interessava em diferenciar produtos, agregar valor e conquistar mercados internacionais. O encolhimento da indústria viria a ceder espaço para a expansão de um setor de serviços voltado para o consumo final e para a provisão de serviços de custos, ambos naturalmente pouco expostos à concorrência. Aqui teria origem uma das chagas do Brasil, que é a persistente e elevada inflação dos preços dos serviços. Assim, embora Brasil e Estados Unidos tenham, hoje, praticamente a mesma participação da indústria no PIB, a densidade industrial americana é quase dez vezes maior que a nossa. O que importa, portanto, não é o tamanho da indústria, mas o que ela produz, como e com quem.

Para que a renda per capita do Brasil volte a crescer e venha a se aproximar daquela de países ricos, será preciso que o setor de serviços se modernize e se sofistique e que contribua para aumentar a competitividade de outros setores. O dilema que se impõe ao país é, isto sim, o do que fazer para reduzir o nosso imenso atraso na agenda de serviços. Devemos abrir o mercado ou devemos protegê­lo e estimulá­lo?

Talvez a resposta esteja no meio. A esta altura, teremos que ser pragmáticos e desenvolver políticas que compatibilizem, de forma equilibrada e sustentável, a competição com o encorajamento de investimentos em segmentos seletivos do setor. Em qualquer circunstância, e contrariamente ao que vemos hoje, os serviços terão que passar a ser parte integrante do núcleo da agenda de crescimento e das políticas setoriais, incluindo a industrial, a tecnológica, a comercial, a de investimentos e a de capital humano.

Jorge Arbache é professor de economia da UnB. Email: jarbache@gmail.com



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