Notícias
Mercado mantém ceticismo com inflação
Veículo: Valor Econômico
Seção:E conomia
A julgar pelas expectativas apontadas pelos títulos públicos corrigidos pelo IPCA e pelas estimativas do mercado com base no relatório Focus, os agentes ainda embutem uma boa dose de desconfiança em relação à avaliação do Banco Central (BC) de que a inflação irá para o centro da meta (4,5%) em 2016.
Apesar do ciclo corrente de alta de juros, o BC ainda sofre com sua credibilidade arranhada, após nos últimos anos ter também expressado confiança na convergência da inflação para a meta, o que acabou não se confirmando e corroendo a imagem da autoridade monetária.
Alguns agentes já veem exageros nas taxas embutidas nas Notas do Tesouro Nacional Série B (NTNB), títulos públicos atrelados ao índice IPCA.
Essa leitura tem levado muito investidor a mudar de posição, o que justifica um alívio nesses preços nos últimos dias. Mas há dúvidas sobre o potencial de continuidade dessa queda. A evolução do dólar e a postura do Banco Central é que determinarão o quanto o mercado estará disposto a conceder o "benefício da dúvida" à autoridade.
A inflação implícita da NTNB obtida a partir da divisão entre a taxa de DI (Depósito Interfinanceiro) de prazo equivalente e o juro nominal do papel com vencimento em 15 de agosto de 2016, por exemplo, caiu nesta quartafeira a 6,990%, primeira vez abaixo de 7% desde 4 de fevereiro. Em 10 de março, essa taxa chegou a 7,926%. Já a projeção embutida no papel para maio de 2017 aponta uma inflação de 7,11%.
Um profissional da mesa de títulos públicos de uma corretora diz que começou a notar recentemente investidores zerando posições compradas em inflação implícita ou seja, apostando na alta da taxa. Segundo ele, há um ajuste técnico por trás desse movimento, mas também uma nascente reavaliação sobre os impactos das ações do governo sobre a inflação à frente. De acordo com esse profissional, a manutenção do rating soberano do Brasil pela agência S&P tem um peso importante nessa correção, por abrir caminho para a implementação das medidas fiscais, reduzindo a percepção de risco.
"O local, sempre mais pessimista, começa a entender que a reorientação da política fiscal é algo forte e que fará diferença nas expectativas", diz o economistachefe do Votorantim, Roberto Padovani.
Mas o que garante ainda muita incerteza no cenário é, segundo analistas, o fato de o BC apenas citar os elementos que, para ele, ajudarão na convergência da inflação para a meta, sem detalhar de que forma acredita que isso ocorrerá. A forte depreciação cambial ocorrida neste ano, o ajuste mais forte nos preços administrados e a inércia inflacionária no Brasil jogam contra o IPCA na meta no próximo ano, reticência endossada pelo histórico de promessas não cumpridas pelo BC.
Entre esses três fatores, o câmbio é um dos pontos de maior preocupação. O BC já afirmou que o grau de repasse da variação cambial aos preços, medida conhecida como "passthrough", tem diminuído nos últimos anos. Mas economistas são unânimes em afirmar que esse repasse costuma ser maior conforme o dólar tem apreciação rápida a partir de níveis já elevados caso atual. Desde o início do ano, a moeda americana já avançou cerca de 20% em termos nominais.
"Essa depreciação cambial tão forte tem levado o mercado a analisar o 'passthrough' com mais rigor", afirma o estrategista da Icap Juliano Ferreira, acrescentando que "muito por isso" e pelos riscos políticos boa parte do mercado não vê a inflação na meta em 2016.
O fator inercial da inflação no Brasil é outro ponto que sustenta a desconfiança do mercado com o BC. Na avaliação do gestor de multimercados da JPP Capital, Joaquim Kokudai, a inércia inflacionária exigiria um enfraquecimento ainda mais profundo da atividade, o que é questionável, sobretudo porque a inflação alta agora se deve basicamente aos preços administrados.
Apesar da série de elementos contrários ao IPCA na meta no próximo ano, analistas chamam atenção para o efeito da guinada de política fiscal.
O sócio-gestor da Modal Asset Management, Luiz Eduardo Portella, chama atenção para o chamado "esforço fiscal ajustado", que leva em conta a variação do PIB de um ano para o outro. Por essa métrica, o superávit primário seria ainda maior, o que endossaria o esforço do governo no atual ajuste.
Compartilhe:
<< Voltar