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Dilma não entendeu a mensagem

 

Veículo: Folha de São Paulo

Seção: Economia

Os protestos de sexta e domingo serviram para expor com um pouco mais de clareza a extensão e o perfil das insatisfações com o governo Dilma Rousseff –que se estendem, com maior ou menor intensidade, da esquerda à direita do espectro político.

Embora de DNA petista e contrária a clamores por impeachment, a manifestação da CUT foi clara naquilo que, em tese, é sua prioridade, ou seja, a reivindicação sindical: a "defesa dos direitos trabalhistas". Bem, de que ameaças os direitos trabalhistas precisariam ser protegidos neste momento, senão das que partem do governo federal e de seu plano de ajuste econômico?

O descontentamento de setores de esquerda e do próprio PT com os rumos do governo é flagrante, embora mitigado pelo cuidado de evitar o "pior" –jogar água no moinho oposicionista. O fato é que conhecidos porta-vozes ou mesmo colunistas da imprensa encarregados ou inclinados a defender o PT no debate público têm revelado dificuldade em fazê-lo.

Afinal, o combinado não era apoiar um ministério com Kátia Abreu, Kassab e Levy, ou bradar que a corrupção é culpa do FHC e que a indignação da sociedade não passa de um renascmento do golpismo udenista. Até petistas históricos, como o jornalista Ricardo Kotscho já rasgaram há algum tempo a fantasia ao considerar que Dilma, isolada e errática, caminha para a"autodestruição".

Menos ambíguas foram as passeatas que, em São Paulo e outras capitais, protestaram contra a presidente. Os manifestantes, na maioria de classe média e de oposição, reclamaram de "tudo isso que está aí": corrupção, aperto econômico, impostos abusivos, serviços ineficientes, mentiras eleitorais, políticos bandidos etc.

De certa forma, a novidade do que se viu no fim de semana reside na emergência, dentro de um contexto democrático, de uma direita "sociológica", sem medo de mostrar a cara, que entrou definitivamente em cena como agente político. Sim, o autoritarismo e o golpismo não são novidade, mas embora presentes, foram residuais nos protestos. A direita que desfilou –a nomenclatura talvez seja antiquada e problemática, mas é a mais reconhecível que temos– não pode ser resumida a cães raivosos com saudades ditadura militar. A manifestação foi em geral pacífica, teve humor (corrosivo e preconceituoso, como costuma ser nessas ocasiões) e distante de dirigismos partidários.

Apanhado de surpresa, o governo escalou dois ministros para dizer alguma "a quente", na sequência dos atos. Cardozo, da Justiça, até que começou bem, numa linha conciliatória, que relegava a segundo plano o palavrório sobre "golpismo" e parecia insinuar uma inédita propensão à autocrítica. Um pouco canastrão (faz parte), falou basicamente para essa classe média de saco cheio.

Mas logo o ministro Rosseto, da Secretaria da Presidência, aparentemente encarregado de acalmar o fogo amigo, encarnou uma espécie de Dr. Strangelove petista. Rompeu com o discurso amistoso, partiu para o velho "nós contra eles" e adotou sem cerimônia o tom estudantil do agitprop das redes sociais.

Nesta segunda, depois de Cardozo voltar à cena, em companhia de Eduardo Braga, das Minas e Energia, para falar em "humildade", foi a vez, enfim, da presidente se pronunciar. Tentou amenizar um pouco a impressão de que a resposta do governo se resumia ao lero-lero de sempre, mas, novamente, ficou presa ao seu já cansativo "espelho, espelho meu". Em resumo, a versão oficial é que, ao contrário de outras épocas (leia-se FHC), agora apura-se a corrupção; os "malfeitos" na realidade são culpa do sistema e só serão contidos com uma reforma política redentora; e a economia naufraga por causa da crise internacional –e em breve voltará a crescer.

Ocorre que muita gente acredita que o governo na realidade não mandou investigar, mas está, sim, sendo investigado; que como ministra de Lula e presidente do conselho da Petrobras seria difícil desconhecer a situação; que os indícios de envolvimento de setores do PT com corrupção são antigos e a resposta tem sido não apenas tapar o sol com a peneira, mas aplaudir suspeitos e condenados; que a economia desandou por conta de políticas irresponsáveis e equivocadas, que a título de aliviar a situação do trabalhador provocaram recessão, tarifaço e inflação justo no momento em que o cenário mundial vai se desanuviando e outros países, a começar pelos EUA, retomam o crescimento; que esses erros voltam-se contra os trabalhadores e os empreendedores, que esperam há anos por reforma tributária e eliminação de burocracias; que o poder público e os políticos gastam de maneira inaceitável e são ineficientes; que os serviços oferecidos pelo Estado são precários; que prestadoras sob concessão, como as telefônicas, abusam do consumidor e cobram preços inexplicáveis; que as agências reguladoras viraram cabides de emprego; que os bancos praticam juros delirantes; que os planos de saúde são uma vergonha e o SUS está longe de ser uma solução aceitável; que o Estado, em nome da governabilidade, foi loteado em feudos fisiológicos; que os ministros não são as pessoas mais qualificadas para ocupar suas funções; que o Planalto se aliou a parte considerável da escória; que a roubalheira é disseminada e vai muito além da Petrobras... E por aí vai.

A presidente, no entanto, comporta-se como se tudo estivesse bem. Inábil, arrogante e desprovida de alguns atributos básicos para o bom desempenho no cargo, parece não ter compreendido a mensagem. Com esse discurso e essa atitude sua popularidade possivelmente cairá ainda mais, afastando ainda mais as chances, já escassas, de uma mudança de rumos que restabeleça sua autoridade política e promova a pacificação do país.



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