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Ajuste fiscal para voltar a crescer
Vestuário: Valor Econômico
Seção: Economia
Os economistas concordam que o ajuste fiscal, seja com corte nos gastos ou com aumento de impostos, provoca queda no PIB e aumento de desemprego. Entretanto, existem situações em que um plano de consolidação fiscal bem desenhado, corajoso e sincronizado, com políticas cambial e monetária, numa sequência correta, pode gerar imediata recuperação da economia e queda na inflação. Existem evidências empíricas de que é possível reverter o quadro que estamos enfrentando de profunda crise de confiança, com retração nos investimentos, no consumo das famílias e grande déficit nas transações correntes.
Infelizmente, não é esse tipo de consolidação fiscal que está sendo implementada. Ao contrário, vemos um misto de corte nos gastos e aumento de impostos, sem nenhuma medida para dinamizar a economia. O Banco Central trabalha contra o Ministério da Fazenda, elevando a taxa de juros, com a economia em plena contração e aumento de desemprego. Queda adicional no PIB e emprego (que provoca queda na receita tributária e ampliação de gastos com seguro desemprego) neste momento em nada deverá contribuir para queda de inflação. A inflação está acelerando em função de choques de custos (reajuste de preços represados, elevação do custo de energia e seca). Na verdade, a intenção não declarada do Banco Central deve ser a de conter a depreciação cambial, que aliás, neste quadro de grave crise política, recessão e desordem fiscal, é uma meta quase impossível.
Em maio de 2006, escrevi nesta coluna um artigo em que procurei mostrar quais são as condições dos "ajustes fiscais bem sucedidos". Ele cabe como uma luva nas atuais circunstâncias, por isso transcrevo os principais trechos:
A desvalorização da taxa de câmbio terá impacto inflacionário, que será transitório se o ajuste tiver credibilidade
"Vamos definir como ajustes fiscais bem sucedidos episódios que preenchem dois critérios. Primeiro, efeitos positivos sobre a economia medidos pelo aumento imediato na taxa de crescimento e emprego. Segundo, pelo fato da dívida pública cair de forma persistente e no longo prazo. Ajustes fiscais fracassados são aqueles episódios nos quais o corte de despesas ou elevação de impostos leva à recessão ou estagnação econômica e uma reversão do ajuste fiscal.
No início da década de 80, o Conselho Alemão de Experts Econômicos, contrariando a visão keynesiana tradicional, defendeu a ideia de que cortes nos déficits públicos tinham efeitos expansionistas na economia e não contracionistas. Segundo estes experts, a consolidação fiscal tem efeitos positivos sobre as expectativas, particularmente se entendida como redução permanente na participação do consumo do governo no PIB e, eventualmente, da carga tributária. Daí porque ajustes com redução nos gastos terem probabilidade maior de sucesso, enquanto ajustes com aumento nos impostos tendem a fracassar.
A hipótese alemã não permaneceu uma conjectura teórica. Muitos episódios de ajuste fiscal foram estudados empiricamente pelos economistas europeus para testar esta hipótese, iniciada com o trabalho de Giavazzi e Pagano sobre as experiências de ajustes na Dinamarca de 198386 e na Irlanda de 198789. Estes dois casos tornaramse exemplares e, inicialmente o sucesso foi atribuído ao tamanho do ajuste e não à sua composição. De fato, a magnitude do ajuste, ao refletir a determinação do governante, pode ter efeitos positivos e, reverterem as expectativas com aumento da renda esperada no futuro, aumentando o consumo privado e colocando a economia na rota de expansão.
No caso da Dinamarca, a redução no déficit foi da ordem de 7,2% do PIB e no caso da Irlanda de 5,7% do PIB, tiveram como resultados imediatos a recuperação do consumo privado, queda na taxa real de juros, recuperação na taxa de investimento e aceleração do crescimento. Estudos posteriores acabaram dando razão à composição do ajuste como fator de sucesso.
Estudos mais recentes levantam nova hipótese, de que ajustes fiscais bem sucedidos foram precedidos de grandes desvalorizações cambiais. O papel da desvalorização cambial é notório, não só nos dois casos mencionados, como em duas outras experiências de ajuste fiscal da Suécia uma em 198387 e outra em 199496 precedidas, respectivamente, de desvalorizações cambiais de 38% e 25%. De fato, num estudo de 23 episódios de ajuste fiscal os 8 casos classificados como de sucesso foram precedidos de depreciação real da taxa de câmbio e flexibilidade da política monetária durante o episódio, enquanto que a metade dos casos de fracasso, foram precedidos de apreciação real.
No caso brasileiro, um programa bem desenhado e com estratégia inteligente poderá reforçar fortemente estes mecanismos positivos, pois um grande e decidido corte nas despesas correntes do governo deverá gerar uma forte pressão para a queda na taxa de juros e, portanto sobre a taxa de câmbio. Além disso, se o corte se concentrar em gastos correntes, aumentando a poupança pública e viabilizando um programa de investimentos em infraestrutura, o horizonte estará desobstruído para elevação na taxa de investimentos e para a retomada do crescimento econômico sustentado.
Certamente, a desvalorização nominal da taxa de câmbio terá impacto inflacionário. Mas este impacto será transitório e bastante limitado se o ajuste fiscal tiver credibilidade, indicando uma redução permanente dos gastos correntes e da dívida pública do governo em relação ao PIB. Na realidade, o corte nos gastos correntes do governo ao reduzir a demanda de bens nãotradables vai diminuir os seus preços em relação aos bens tradables, consolidando a nova taxa real de câmbio, e neutralizando os efeitos inflacionários da desvalorização nominal."
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