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Influência legislativa é pequena no ajuste

Veículo: Valor Econômico

Seção: Economia

O conjunto do ajuste fiscal já desenhado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, depende muito menos do Congresso e muito mais do próprio Executivo. Do potencial de R$ 111 bilhões já anunciados ou indicados pela equipe econômica, 22% (ou R$ 24 bilhões) dependem de aprovação do Legislativo. Os restantes R$ 87 bilhões (ou 78%) cabem ao Executivo. Essa conta, contudo, não inclui aquilo que os economistas consideram a variável mais complicada e imponderável do ajuste: o fraco crescimento da economia.

O comportamento do Produto Interno Bruto (PIB) e seu efeito sobre a arrecadação federal é a parte que precisa "ser combinada com os russos", brinca, mas falando sério, o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre). Com recessão, a arrecadação tende a cair, o que atrapalha o ajuste fiscal. O orçamento ainda não aprovado de 2015 considera um crescimento de 0,8% no PIB deste ano, mas a média dos analistas já projeta retração de 0,6%.

Além do elemento "falta de PIB", outro problema é que as medidas que estão no Congresso são aquelas que dão caráter mais estrutural e por isso trarão impactos positivos para as contas públicas além deste ano, tem insistido o economista­chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero.

Em 2009, ano em que o Brasil passou por uma recessão (o PIB caiu 0,3%), a arrecadação federal recuou 3% em termos reais (descontada a inflação). Em 2014, setores importantes para a arrecadação, como o setor de petróleo, energia e a própria Previdência (pelo aumento que o mercado de trabalho registrou ao longo de vários anos), não vão ajudar, diz Afonso. Ainda que os preços de energia e dos combustíveis estejam maiores, os tributos sobre o lucro destes setores e a parte de royaties, vão recuar. "A base de cálculo está caindo", pondera o economista do Ibre.

O potencial ajuste de R$ 111 bilhões (conforme soma publicada pelo Valor, em reportagem de Claudia Safatle, Leandra Peres e Ribamar Oliveira) considera um corte de despesas de R 57,5 bilhões, mais R$ 20 bilhões em aumento de impostos (inclui IOF sobre crédito, Cide e PIS/Cofins sobre combustíveis), R$ 1,8 bilhão do Reintegra e R$ 7,7 bilhões do fim do repasse do Tesouro à Conta do Desenvolvimento Energético (CDE), entre as despesas que não precisam da aprovação do Legislativo.

Entre as medidas que dependem do Congresso estão R$ 18 bilhões relativos às mudanças nas regras de segurodesemprego, abono salarial e pensão por morte, mais R$ 5,4 bilhões da mudança (com aumento nas alíquotas) da desoneração da folha de salários e a medida que eleva de 9,25% para 11,75% a alíquota de PIS/Cofins sobre a importação (R$ 700 milhões).

Embora para as contas públicas exista, no papel, a possibilidade de um ajuste sem as medidas que estão no Congresso, politicamente esse é um caminho ruim, pontuam os analistas. O governo deveria negociar com o Legislativo medidas mais estruturais para o equilíbrio econômico­financeiro do setor público.

O tributarista Júlio de Oliveira, do Machado Associados, diz que o governo tem pouca margem de manobra para aumentar outros impostos sem passar pelo Congresso. Uma eventual volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) dependeria de uma aprovação por três quintos em dois turnos em cada casa do Congresso, o que lhe parece impossível no atual cenário político. Outras tributações que implicam imposto novo, como uma eventual taxação sobre doações e heranças, precisam de emenda constitucional, acrescenta. A margem de manobra que "escapa" ao legislativo está no aumento de alíquotas de Imposto sobre produtos Industrializados (IPI), Imposto de Importação (II) e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), mas ou potencial de arrecadação é pequeno ou o impacto sobre atividade e preços tende a ser muito negativo, pondera Oliveira. No gesto do presidente do Senado, Renan Calheiros, que devolveu a MP que mexia na desoneração ao Planalto, ele viu o lado positivo de separação de poderes. "Ele disse o óbvio, o que os juristas defendem", pontua Oliveira.

Diante da dificuldade de aumentar mais impostos e das reais chances de uma queda de arrecadação, será difícil para o governo cumprir a meta de R$ 66 bilhões ou 1,2% do PIB, ainda que o potencial (mesmo sem o Congresso), seja de R$ 87 bilhões. Isso porque o ano passado já encerrou com déficit (indicado um desequilíbrio fiscal estrutural a ser enfrentado) e porque o corte de R$ 57,5 bilhões é considerado bastante ousado pelos economistas.

Esse tamanho de corte não é oficial, mas ele foi indicado pelo ministro Joaquim Levy em dois momentos. Primeiro, ao jornalista Ribamar Oliveira, do Valor, ele indicou que mira gastos em despesas discricionárias e de investimento equivalentes às de 2013. Depois, no decreto que estabeleceu os limites de gastos para o primeiro quadrimestre. A intenção de cortar R$ 57 bilhões vem da extrapolação desse decreto para o ano e do que foi gasto com as duas rubricas há dois anos.



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