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Após anos em baixa, sindicatos voltam a ganhar força nos EUA

Valor Econômico

Seção: Economia

Após anos evitando confrontos, o movimento operário americano está se reafirmando. Dos portos de Los Angeles às montadoras em Detroit, os sindicatos estão cobrando pelos sacrifícios que, dizem, ajudaram a reanimar a economia.

Trabalhadores em empresas petrolíferas cruzaram os braços por melhores salários e condições de trabalho. Trabalhadores portuários ameaçaram parar os portos da Costa Oeste. Trabalhadores de terminais de petróleo no Porto de Long Beach, na Califórnia, ameaçam entrar em greve. Em Detroit, dirigentes sindicais, preparando­se para negociações salariais neste ano, pressionam pelo primeiro aumento em uma década.

Os líderes sindicais estão se aproveitando de um mercado de trabalho apertado e de um ambiente político favorável. Em vista da estagnação dos salários da classe média e de os ricos estarem cada vez mais ricos, criticar a desigualdade de renda tornou­se uma palavra de ordem para democratas e republicanos. A renovação de oportunidades para todos repercute entre os americanos que se sentem excluídos, em meio a uma retomada do crescimento e altas recordes nas bolsas de valores.

"Os empregadores parecem pensar que podem empurrar os sindicatos, as raízes da classe trabalhadora americana, precipício abaixo", disse Dave Campbell, cujo sindicato local representa os trabalhadores do terminal petrolífero no porto de Long Beach. "Bem, essas empresas incorreram num erro de cálculo significativo sobre a nossa capacidade de reagir. Há muita insatisfação trabalhista neste momento, e elas poderão se ver envolvidas numa grande disputa."

A retórica combativa de Campbell evoca uma época em que os sindicatos tinham poder suficiente para conquistar melhoras significativas para o padrão de vida de seus filiados. Valendo­se da ameaça de greves e de "operações padrão", os sindicatos ajudaram gerações de americanos a entrar para a classe média e lá permanecer.

Nos últimos anos, porém, a globalização e o fraco crescimento econômico esvaziaram o poder sindical. Em 1979, 21 milhões de trabalhadores americanos pertenciam a um sindicato. No ano passado, eram 14,6 milhões. Na década de 1980, havia em média 75 greves por ano. Em 2014, foram 11.

Harley Shaiken, professor de relações trabalhistas na Universidade da Califórnia, em Berkeley, vem há muito tempo acompanhando um esvaziamento do poder sindical e se indagava se as greves eram uma espécie em extinção. O aumento da agitação trabalhista chamou sua atenção.

Shaiken diz o principal catalisador é a desigualdade, considerada o problema econômico definidor desta era por todos, do presidente Barack Obama a Jeb Bush, aspirante presidencial republicano. O lento crescimento salarial é um fator considerado nas deliberações do Fed (o banco central dos EUA) que considera a possibilidade de elevar os juros neste ano. Mesmo com o desemprego perto de seu mais baixo nível desde 2008, os economistas do Fed têm expressado temor de que os baixos salários possam conter os gastos das famílias.

Na quinta­feira, a Wal­Mart, maior empregador privado nos EUA, anunciou que vai elevar o salário básico para US$ 9 por hora, bem acima dos US$ 7,25, o salário mínimo federal. A decisão, tomada por uma empresa que sempre antagonizou os sindicatos, busca rebater as críticas que a acusam de pagar mal os seus empregados.

Um estudo publicado em 2011 identificou um vínculo entre o declínio da filiação sindical desde 1973 e a crescente disparidade salarial. Essa tendência persiste até hoje, diz Bruce Western, professor de sociologia na Universidade de Harvard e coautor do estudo.

Trabalhadores dizem ter sofrido perdas em salário e benefícios após a crise financeira, para ajudar a manter as empresas e a economia à tona ­ e esperam ser recompensados por esse sacrifício.

"As pessoas não querem ser o sócio sênior em meio a dificuldades e sócio júnior no êxito", diz Gary Chaison, professor de relações trabalhistas na Universidade Clark, em Worcester, Massachusetts.

Desde 2009, a remuneração dos administradores de empresas cresceu cerca de 50% a mais do que a renda dos trabalhadores sindicalizados. Na indústria automobilística, os salários reais caíram 24% desde 2003, segundo o Centro de Pesquisas Automotivas.

Pat Patterson, 60, está em greve pela primeira vez nos 35 anos em que trabalha com manutenção de tubulações na refinaria da Tesoro, em Carson, na Califórnia. Ele disse que seu sindicato ajudou a empresa a sobreviver à recessão e agora deveria compartilhar a riqueza acumulada desde então. "A motivação deles é exclusivamente ganância", diz. "A Tesoro está produzindo lucros recordes. Há mais lucros, e eles não querem compartilhá­los com os trabalhadores".

Em um e­mail, Tina Barbee, porta­voz da Tesoro, disse ser "muito lamentável que o sindicato tenha convocado para uma greve tantos de seus membros ­ nossos funcionários ­ que não poderão compartilhar todas as recompensas".

Em Detroit, Dennis Williams, novo presidente do sindicato United Autoworkers (UAW), assumiu a reivindicação de aumento salarial como prioridade nas negociações com a General Motors, Ford e a FCA EUA, antes denominada Chrysler. E não descarta a possibilidade de ameaçar com uma greve.

Williams enfatizou a importância do direito à greve. Na última negociação contratual, em 2011, o UAW abdicou do direito à greve na GM e Chrysler para ajudar as montadoras a sair de suas concordatas. Agora, esse direito foi restabelecido. O atual contrato de quatro anos termina em 15 de setembro.

"O direito à negociação coletiva é um alicerce para uma boa economia, prosperidade compartilhada, uma classe média forte e um país que acredita numa democracia equilibrada", disse Williams em um comunicado.

As três montadoras de Detroit estão relutantes em aumentar seus custos trabalhistas, pois foi isso o que contribuiu para que quase encerrassem suas atividades. Elas preferem premiar os trabalhadores com cheques de participação nos lucros, que podem encolher ou desaparecer em tempos difíceis. Os operários em Detroit receberam umaparticipação recorde nos lucros nos últimos cinco anos.

Mas as montadoras podem ter de elevar salários, diz Art Schwartz, ex­negociador trabalhista da GM e que agora dirige a Labor & Economics Associates, empresa de consultoria em Ann Arbor, Michigan.

Se o UAW obtiver aumentos salariais tradicionais, "isso incentivará outros sindicatos a tentar conseguir mais", disse Schwartz.

O United Steelworkers, que representa trabalhadores de uma refinaria de petróleo, está reividicando melhores salários e benefícios, e restrições ao emprego de trabalhadores não sindicalizados. As empresas provavelmente citarão o colapso mundial dos preços do petróleo nas negociações, mas os sindicatos estão inflexíveis. Na última vez em que os trabalhadores na indústria petrolífera em todo o país entraram em greve, 35 anos atrás, a greve durou três meses.

"As companhias petrolíferas acham que têm fortes argumentos, porque o preço internacional caiu tanto, mas elas obtiveram lucros tão fenomenais no passado, que as justificativas não se sustentam", diz o professor Chaison.

Uma das dificuldades, para os líderes trabalhistas, é desfazer uma percepção, disseminada entre americanos ricos e pobres, de que os trabalhadores sindicalizados ganham mais do que merecem e são protegidos, ainda que tenham mau desempenho no trabalho.

A Pacific Maritime Association, que representa as empresas portuárias, diz que os trabalhadores do setor ganham US$ 147 mil por ano. Craig Merrilees, porta­voz do sindicato de estivadores, diz que esse cálculo é "comprovadamente falso" e que os trabalhadores ganham cerca de US$ 80 mil por ano, podendo atingir a remuneração alegada somente fazendo o máximo de horas extras e trabalhando em fins de semana e feriados.

"Os trabalhadores estão vendo uma erosão nos altos salários e estão preocupados com terceirização", diz o professor Shaiken. "Não é que eles estejam ganhando menos, mas eles abriram mão de muita coisa para chegar lá. É por isso que há esse choque."

Pela primeira vez em uma geração, o movimento sindical está alinhado com milhões de americanos que não pertencem a um sindicato mas que se sentem marginalizados. Essa é uma chance política para os trabalhadores sindicalizados", diz Western, de Harvard.



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