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O risco do repasse cambial

 

Veículo: O Estado de São Paulo

Seção: Economia

Economistas analisam potencial de “pass-through” com desvalorização do real, isto é, o quanto pode transbordar para a inflação.

A alta do dólar, que era cotado a R$ 2,60 quando esta coluna foi escrita (14/11, sexta-feira), recoloca na pauta a questão do pass-through, o repasse cambial à inflação. Há estimativas de instituições financeiras do repasse em torno de 0,5 ponto porcentual a mais de inflação no IPCA em um ano para desvalorização de 10%. Evidentemente, isto é apenas um parâmetro, já que o pass-through depende de uma série de fatores, e é difícil também discriminar o seu impacto de outros fatores que atuam sobre a inflação.

Um fator importante para determinar a intensidade do repasse cambial é o nível de aquecimento da economia. Com a demanda muito combalida, por mais que as empresas se vejam apertadas pela valorização do dólar em termos de custos, pode se tornar inviável repassar.

Adriana Molinari, economista da consultoria Tendências, que acompanha a inflação, nota que até agora há poucos sinais de repasse cambial significativo para parte expressiva dos produtos comercializáveis internacionalmente que, em teoria, são aqueles afetados pelo pass-through. A inflação acumulada pelos comercializáveis em 12 meses até outubro está em 6,27%, mais que os 6,59% do índice cheio do IPCA.

Adriana vê alguma reação no preço dos automóveis, apesar da demanda fraca, mas menos em outros itens comercializáveis como vestuário, móveis e eletroeletrônicos. No caso do vestuário, ela nota, os aumentos estão até abaixo do que seria de se esperar pela sazonalidade. A inflação do vestuário ficou em 0,7% em outubro, abaixo da projeção da Tendências de 0,8%. Nos 12 meses até outubro, acumulou variação de 4,07%, bem inferior ao índice cheio. Em outubro de 2013, ela nota, a inflação acumulada em 12 meses do vestuário era de 5,71%.

Recentemente, porém, a desvalorização do real se intensificou, e Adriana crê que repasses ainda podem vir, considerando-se que, em períodos de volatilidade cambial, as empresas esperam um novo patamar do câmbio dar mostras de estar mais consolidado antes de remarcarem preços.

Na alimentação, a queda internacional do preço das commodities está mitigando o efeito da desvalorização do câmbio.

Tomás Brisola, economista-chefe da gestora BBM Investimentos, observa que a queda das commodities compensa uma parte da desvalorização do câmbio (quando se pensa, por exemplo, no preço das rações baseadas em soja), mas há também na alta do dólar um componente de risco associado à economia brasileira – e este não é compensado e pode ter um impacto mais duradouro na inflação.

Esta segunda parte da alta do dólar, para Brisola, está ligada ao nervosismo do mercado com uma série de fatores, como o timing delongado e a falta de clareza na indicação da nova equipe econômica, os problemas políticos do governo no Congresso e o escândalo da Petrobrás.

Por outro lado, a fraqueza da atividade, reconfirmada hoje nos números ruins do Caged (o indicador de emprego formal do Ministério do Trabalho), segura o repasse cambial e a inflação, na visão do economista.

Ainda assim, a BBM Investimentos projeta IPCA de 6,5% e 7,5%, respectivamente, em 2014 e 2015. E isto com crescimento do PIB pífio de 0,2% este ano, e 0,6% no próximo. Brisola indica como fatores adicionais de pressão inflacionária as expectativas ainda muito deterioradas, a correção de preços administrados e a inércia, à qual atribui particular importância.

Ele acha que a alta surpreendente de 0,25 ponto porcentual da Selic na última reunião do Copom ajudou nas expectativas, mas “a percepção hoje é que o problema é 20% monetário e 80% fiscal”. Assim, a falta de clareza até agora sobre o rumo da política econômica no segundo mandato continua a pesar negativamente.

O economista observa que trabalha com um cenário “sem nada demais” em termos cambiais, de depreciação até R$ 2,75 ou R$ 2,8 ao final de 2015. Embora frisando que os analistas têm de ser humildes em relação a projeções de câmbio – “tudo pode acontecer, até melhorar” –, ele acrescenta que o atual cenário do BBM para o câmbio “não é nada parecido com a dinâmica recente”, isto é, com o nervosismo que já levou o dólar para o nível de R$ 2,6. Assim, ele vê um risco maior de desvalorização além da projetada por sua instituição, o que poderia complicar ainda mais o quadro inflacionário em 2015.



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