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Cenário de incerteza pressiona real

 

Veículo: Valor Econômico

Seção: Economia

 
Por José de Castro e Silvia Rosa | De São Paulo
 

Leo Pinheiro/Valor

Existem muitas dúvidas, mas a que mais tira o sono do mercado é o grau de autonomia do novo ministro da Fazenda, diz Langoni

O dólar a R$ 2,60 e no maior nível desde abril de 2005 reflete um mercado cada vez mais temoroso com os rumos da política econômica, mas ainda não embute o pior dos cenários para o Brasil, que seria uma absoluta falta de ajustes. Para analistas, esse ambiente de incertezas mostra a urgência de um choque de credibilidade por parte do governo, que passe principalmente pela escolha de um ministro da Fazenda capaz de arrumar principalmente a política fiscal.

Diante desse quadro, analistas esperam que o real possa até se apreciar no curto prazo, dependendo do anúncio do novo ministro e de medidas de ajuste fiscal. No entanto, uma nova frustração pode confirmar a deterioração das condições macroeconômicas, aumentando o risco de o Brasil perder o grau de investimento, e levar a um "overshooting" (alta abrupta) do dólar.

Desde a vitória da presidente Dilma Rousseff no segundo turno da eleição presidencial, o dólar subiu 5,74%. Na sexta-feira, a moeda americana renovou a máxima no ano, encerrando a R$ 2,5985, o que levou o Banco Central a ampliar a oferta de contratos de swap cambial no leilão de rolagem dos papéis que vencem em 1º de dezembro. Sinalizou assim a renovação integral do lote de US$ 9,83 bilhões que expira no começo do mês que vem.

Notícias negativas no front doméstico após a eleição ajudaram a aumentar o pessimismo dos investidores. No cardápio estiveram o adiamento da divulgação do balanço da Petrobras e a proposta de alteração da lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), permitindo ao governo entregar um déficit fiscal neste ano. Para completar, houve discursos de ministros próximos à presidente Dilma defendendo um ajuste fiscal menos robusto

A crise da Petrobras aumenta a percepção de risco dos investidores, mas analistas consideram que ainda é cedo para avaliar o impacto sobre o fluxo de recursos e o câmbio. "Estamos vivendo o pico da incerteza do lado institucional no Brasil", diz o ex-presidente do BC Carlos Langoni. "Existem muitas dúvidas, mas a que aparentemente mais tira o sono do mercado é o grau de autonomia do novo ministro da Fazenda", diz Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Apesar de diversas variáveis com potencial de influenciar o câmbio, Langoni diz que a definição de quem comandará a equipe econômica é, sem dúvida, o elemento doméstico que determinará a dinâmica da moeda brasileira. "Se a nova política econômica der prioridade ao aumento de juros e a um aperto fiscal bastante duro e firme, isso representará um panorama completamente diferente para o câmbio. Do contrário, o risco de 'overshooting' aumenta consideravelmente."

 

 

Para alguns analistas, o câmbio poderia se apreciar mesmo com a escolha de um ministro que não assegure uma grande mudança da atual política econômica como o do ex-secretário-executivo da Fazenda, Nelson Barbosa, ou do atual presidente do BC, Alexandre Tombini, dependendo da sinalização do governo. "O movimento do câmbio vai depender das condições que o governo sinalizará em termos de ajuste da política econômica. Se for uma coisa benigna, o real pode até se apreciar no curto prazo", afirma Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e atual sócio da Mauá Sekular Investimentos.

O diretor de mercados emergentes e estratégia do Citi em Londres, Luis Costa, lembra que mesmo a escolha de um candidato com um perfil mais ortodoxo como o ex-presidente do BC Henrique Meirelles não é suficiente para melhorar a confiança dos investidores. "O mercado fica muito focado no nome do novo ministro, mas a questão principal é qual será a leitura da política econômica da presidente no segundo mandato e se o escolhido para o cargo terá liberdade para atuar."

Para Costa, dependendo do anúncio da nova equipe econômica, o câmbio pode até se apreciar no curto prazo. Mas se isso não for acompanhando da sinalização de um ajuste fiscal mínimo para recuperar a credibilidade e reduzir a dívida pública, ele pode passar por um "overshooting". "Podemos até ver um movimento mais positivo do real no curto prazo, mas a tendência de longo prazo é de desvalorização." Costa afirma que o quadro de deterioração macroeconômico do Brasil - com inflação alta, resultado fiscal fraco e baixo crescimento - resulta em um câmbio mais depreciado que o patamar atual para alcançar o nível de equilíbrio. "O ciclo de commodities em alta acabou e será difícil vermos um crescimento próximo aos níveis que tivemos no passado", afirma Costa.

Para o diretor de pesquisas econômicas para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, sem mudanças críveis, as chances de perda do grau de investimento em 2015 aumentam "consideravelmente". "Mas o corte não é inevitável. O governo ainda tem controle, mas precisa agir", diz.

Na avaliação do ex-diretor do BC Luis Eduardo Assis, as dificuldades do governo começam na sua base aliada, menos alinhada à presidente Dilma. Assis lembra que um dos pontos cruciais é o projeto de mudança da LDO de 2014 encaminhado ao Congresso na semana passada. "A gente não sabe se o Orçamento de 2014 vai ser aprovado, muito menos se haverá unidade em torno do de 2015."

Nesse ambiente, Costa afirma que a postura dos estrangeiros no momento é de cautela. Esse capital já reduziu a posição em Brasil antes das eleições e espera maior definição do cenário e redução da volatilidade do câmbio para voltar a aplicar. " O país continua sendo uma alternativa de investimento para os estrangeiros dado o nível de taxas reais de juros ainda muito atraentes, considerando o universo de países com o mesmo rating", diz Costa, lembrando que o cenário externo, com as taxas dos títulos do Tesouro americano (Treasuries) ainda comportadas, favorece as aplicações em renda fixa.



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