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Negócios vs. economia

 

Veículo: Folha de São Paulo

Seção: Economia

O Banco do Japão, banco central japonês, vem recentemente se esforçando muito para pôr fim à deflação que aflige a economia do país há quase duas décadas.

Inicialmente seus esforços –que envolvem imprimir muito dinheiro e, o mais importante, garantir aos investidores que a instituição continuará a imprimir dinheiro até que a inflação atinja os 2%– pareciam estar correndo bem. Mas mais recentemente a economia perdeu o ímpeto, e na semana passada o banco anunciou novas medidas monetárias, ainda mais agressivas.

Sou, como você poderia facilmente adivinhar, favorável a essa decisão, ainda que me preocupe com a possibilidade de que a política adotada venha a fracassar devido a erros fiscais. (Esse aspecto voltará a ser discutido abaixo). Embora o banco tenha feito a coisa certa, porém, o fez em meio a substancial dissensão interna.

De fato, o novo estímulo só foi aprovado por cinco dos nove membros do conselho do Banco do Japão, e os membros vistos como mais próximos dos interesses de negócios votaram contra a medida. O que me conduz ao tema desta coluna: a sabedoria econômica dos líderes de negócios, ou sua falta.

Algumas das pessoas com quem conversei em Tóquio argumentam que a oposição de muitos líderes empresariais japoneses à ação do Banco do Japão demonstra que esse está no caminho errado.

Ao afirmá-lo, elas ecoam um sentimento comum em muitos países, entre os quais os Estados Unidos -a crença de que se você deseja solucionar os problemas de uma economia adoentada, deveria se voltar às pessoas que obtiveram sucesso nos negócios, como os líderes de grandes empresas, empreendedores e investidores ricos. Afinal, o sucesso deles com dinheiro não significa que sabem como a economia funciona na realidade?

Na verdade, não. A realidade é que líderes empresariais muitas vezes oferecem conselhos econômicos notavelmente ruins, especialmente em momentos de crise. E acredito que seja importante compreender o motivo.

Sobre os maus conselhos: pense nos administradores de fundos de investimento imensamente ricos que alertaram a Ben Bernanke, então presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), de que os esforços da instituição para estimular a economia acarretavam o risco de "deterioração da moeda"; pense nos muitos liderezinhos empresariais que declararam solenemente que o deficit orçamentário era a maior ameaça que o país enfrentava, e que resolver o problema da dívida faria com que o crescimento disparasse.

No Japão, os líderes empresariais desempenharam papel importante nos erros fiscais que solaparam os recentes sucessos econômicos, apelando por um aumento de impostos que travou o crescimento, meses atrás, e por um segundo aumento de impostos no ano que vem que representaria erro ainda pior.

E, do outro lado, os últimos anos viram repetida confirmação da competência de autoridades econômicas que jamais tiveram de manter salários de funcionários em dia, mas conhecem muito sobre teoria e história econômica.

O Fed e o Banco da Inglaterra navegaram por uma crise econômica de magnitude que se vê uma vez a cada três gerações sob o comando de antigos professores universitários - Bernanke, Janet Yellen e Mervyn King - e os três, entre outras coisas, tiveram a coragem de desafiar todos os magnatas que exigiam que deixassem de imprimir dinheiro.

O BCE (Banco Central Europeu) salvou o euro do abismo sob a liderança de Mario Draghi, que foi servidor público ou professor universitário pela vasta maioria de sua carreira.

Obviamente existem líderes empresariais que conduziram a análise econômica correta, e muitos acadêmicos que se equivocaram. (Não vou nem começar a falar disso). Mas o sucesso nos negócios não parece propiciar qualquer percepção especial sobre a política econômica. Por quê?

A resposta, para citar o título de um estudo que publiquei muitos anos atrás, é que um país não é uma empresa. A política econômica nacional, mesmo em um país pequeno, precisa levar em conta o tipo de reação que raramente importa nos negócios. Por exemplo, mesmo a maior das empresas vende apenas uma pequena proporção daquilo que produz aos seus funcionários, enquanto a maioria dos países, mesmo os menores, vendem a maior parte dos bens e produtos que geram a si mesmos.

Por isso considere o que acontece quando um líder empresarial de sucesso contempla uma economia em crise e tenta aplicar a ela as lições que aprendeu nos negócios. O líder (seja homem, seja, raramente, mulher) verá a economia em crise como semelhante a uma empresa em crise, que precisa reduzir custos e se tornar competitiva.

Para criar empregos, o líder de negócios pensa, os salários precisam cair, as despesas precisam ser cortadas, os cintos precisam ser apertadas. E com certeza truques como gastos bancados por deficit ou imprimir mais dinheiro não resolverão o que deve ser um problema mais fundamental.

Na realidade, porém, cortar salários e gastos em uma economia deprimida só agrava o problema real, que é a demanda inadequada. Já gastos públicos financiados por deficit e impressão agressiva de dinheiro podem, de fato, ajudar muito.

Mas como vender esse tipo de lógica aos líderes empresariais, especialmente quando a proposta vem de acadêmicos sem experiência prática? O destino da economia mundial pode depender da resposta a essa pergunta.

Aqui no Japão, a luta contra a deflação muito provavelmente fracassará, se as noções convencionais de prudência vencerem. Mas será que o pensamento não convencional conseguirá se fazer ouvir contra os instintos dos líderes empresariais? Só o futuro dirá.



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