Notícias

Energia é desafio para início do novo mandato

 

Veículo: Valor Econômico

Seção:E conomia

 
Aline Massuca/ValorElena Landau, consultora do candidato Aécio Neves (PSDB), defende mais poder para a EPE e integração entre órgãos

 

Os defensores e os opositores do polêmico pacote de redução tarifária amarrada à renovação das concessões de geração e transmissão de energia, lançado pelo governo em 2012, estão em acordo em pelo menos um ponto: a medida provisória 579/ 2012 (transformada na lei 12.783/ 2013) alterou a dinâmica do setor elétrico brasileiro. A intensa mudança regulatória, difícil de ser assimilada até por experientes técnicos do setor, ganhou contornos dramáticos com a ocorrência de um dos mais fracos regimes de chuvas dos últimos anos, o que levou o governo a adotar medidas emergenciais para garantir o abastecimento.

Essa combinação perigosa deve ser enfrentada por qualquer candidato que saia vencedor nas urnas no fim de outubro. Afinal, os reajustes tarifários das distribuidoras virão e as incertezas com relação ao nível dos reservatórios das hidrelétricas e da necessidade de despacho (acionamento) das térmicas continuarão. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já sinalizou que é pouco provável desligar as térmicas em 2015, a fim de recompor os reservatórios das hidrelétricas.

De acordo com projeções da consultoria Thymos Energia, as tarifas das distribuidoras terão aumento real entre 18% e 27%, relativos ao passivo da ordem de, pelo menos, R$ 71 bilhões de custos adicionais do setor entre 2013 e 2014. Esses números ainda precisam incluir a inflação do ano em que será aplicado o reajuste.

Alguns reajustes tarifários aprovados este ano pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já sinalizam essa tendência. Em maio, a autarquia aprovou alta de 16,33% para as tarifas da Cemig, com impacto médio de 14,76%. Em junho, foi aprovado reajuste de 24,86% para a Copel. Já os consumidores da AES Eletropaulo tiveram efeito médio de 18,66% em suas tarifas, após o reajuste.

"Se não tivéssemos a medida 579, provavelmente o custo extra [anual] seria 90% maior em 2013, 2014 e 2015", defende o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (MME), Márcio Zimmermann. "Muitas vezes há miopia, com relação a alguém tentar enxergar que a 579 tem alguma coisa a ver com o fato de chover ou não em um determinado ano. Quando se tem um ano anormal ou crítico, a condição de despacho térmico é igual, com ou sem a 579", diz.

O tropeço na geração hidrelétrica este ano evidenciou que o parque gerador brasileiro não pode mais ser baseado prioritariamente em uma única fonte. Dessa forma, tanto o governo como o candidato da oposição, Aécio Neves (PSDB), defendem a diversificação da matriz elétrica do país, para reduzir risco de desabastecimento.

De forma geral, os dois candidatos propõem que a diversificação ocorra principalmente a partir de fontes renováveis, menos poluentes. Os principais exemplos são a energia eólica e a solar. "Sob a ótica das renováveis, estamos com uma perspectiva muito boa, seja qual for o resultado das urnas", afirmou o diretor-presidente da CPFL Renováveis, André Dorf. "Temos experimentado um crescimento muito importante com o atual governo, que tem valorizado a presença das renováveis", completou.

Um ponto, porém, pouco comentado nas campanhas é a participação do gás natural na matriz elétrica brasileira. Apesar de mais "limpas", as fontes renováveis, com exceção da hidreletricidade, não têm robustez para assegurar o crescimento da demanda do país. Segundo especialistas, parte desse vazio deverá ser preenchido por térmicas a gás. O problema é que o modelo regulatório atual pouco favorece investimentos nessa área.

"Hoje não está previsto que essas térmicas [a gás] entrem na base [jargão do setor que indica a operação contínua]. O Brasil não tem reservatórios para armazenar gás e seria importante ter uma regra que pudesse favorecer isso, já que o gás estará abundante nos próximos anos", diz o presidente da GDF Suez no Brasil, Maurício Bähr.

Um programa mais detalhado e uma política nacional para o gás são os principais pleitos da associação das grandes indústrias consumidoras de energia, a Abrace, que enviou documento com as demandas do setor aos presidenciáveis. "É necessária uma decisão política, de diversificação da oferta, livre acesso e, principalmente, desenvolvimento do mercado. O gás não pode mais ser tratado como um subproduto do petróleo e um adendo da Petrobras. Precisa ser um combustível com vida própria", afirma Paulo Pedrosa, presidente da associação.

Outro ponto defendido pela associação junto aos candidatos é a instalação de uma política energética para a indústria, com o barateamento da conta através de subsídios governamentais e maior redistribuição das cotas de energia destinadas à produção. O plano para que o megawatt-hora (MWh) baixe da média atual de US$ 80 para US$ 40 - tarifa que deixaria o Brasil com o preço da energia equiparado a concorrentes como China, Alemanha e Estados Unidos - é calcado em três pontos que teriam que mudar em relação ao cenário atual: acesso a energia de concessões antigas, redução para a indústria de encargos do setor como a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), Encargo de Energia de Reserva (EER) e Encargo do Serviço do Sistema (ESS), e leilões específicos de cotas de energia para setores industriais chave.

"Essas medidas poderiam ser rapidamente adotadas e dariam um alento, pois o Brasil está muito distante de ter competitividade no preço da energia na comparação externa", diz Pedrosa.

A integração entre órgãos de planejamento, vista como uma das medidas que poderiam dar maior poder de regulamentação ao sistema energético, é uma das principais bandeiras de curto prazo pensadas no programa para o setor da candidatura de Aécio Neves. Elena Landau, ex-diretora do BNDES e hoje consultora, é uma das responsáveis pelo programa de energia em um eventual governo tucano.

Ela afirma que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) deve ganhar mais poder de formulação e fiscalização do setor. A empresa também faria as diretrizes para a política para as áreas de petróleo e gás, "pois hoje o órgão está esvaziado e fica reboque de decisões e Ibama, do Ministério de Minas e Energia etc."

A MP 579 e a condução dela é um exemplo de como "foi fraca" a interlocução do governo atual com o setor privado, ainda na visão da consultora, o que causou o estouro das tarifas para o próximo ano e enfraqueceu o cofre do Tesouro, que foi o avalista das distribuidoras que precisaram bancar a redução das tarifas. "Não ouviram os agentes do mercado para tomar a decisão e deu no que deu", diz.

Sobre o preço da energia, que "precisa ser resolvido", será necessário um "realinhamento das tarifas". O alcance dos reajustes, no entanto, é decisão da equipe econômica. "Deverá ser como no caso da gasolina. É sentar com o setor e acertar, de maneira mais gradual. A questão é de conversa, consulta."

A adoção da bandeira tarifária, que entra em vigor em janeiro do próximo ano, é um primeiro passo para diminuir a distorção existente entre os preços dos mercados livre e cativo, pleito de consumidores e distribuidores de energia. As bandeiras vão indicar para os consumidores se usinas térmicas mais caras estão sendo acionadas para poupar água dos reservatórios e garantir as condições de suprimento de eletricidade.

Se estiver verde, indica que a geração de energia vive um momento favorável e a tarifa não sofre acréscimo. A bandeira amarela sinaliza condições menos favoráveis e um adicional de R$ 1,50 para cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumidos. Há bandeira vermelha, com acréscimo de R$ 3 por cada 100 kWh, quando a geração térmica for maior.

A Abrace diz que não apenas o regime desfavorável de chuvas é responsável pelos altos preços no mercado livre. A falta de regulamentação da modalidade e a ausência de repasses mais rápidos para a variação dos custos de produção no mercado cativo inibem o desenvolvimento do mercado livre. "Na medida em que os consumidores não sentem as variações, não há reação dos produtores. Hoje, apenas 30% deles [que respondem ao mercado livre] sentem o sinal de energia. Se houvesse sinalização correta nos preços há três anos, não teríamos chegado à situação atual, de alta volatilidade. A bandeira tarifária é bom um passo nesse sentido", afirma Pedrosa.



Compartilhe:

<< Voltar

Nós usamos cookies em nosso site para oferecer a melhor experiência possível. Ao continuar a navegar no site, você concorda com esse uso. Para mais informações sobre como usamos cookies, veja nossa Política de Cookies.

Continuar