Notícias

Piora das expectativas deve levar BCE a agir logo, mostra pesquisa

Veículo: Valor Econômico

Seção: Economia

 

Ana Paula Paiva/Valor

Lambregts, do Rabobank: programa de compra de ativos diferente do americano

 

O Banco Central Europeu (BCE) terá como pano de fundo de sua decisão na quinta-feira um quadro de inflação muito baixa e atividade econômica novamente perdendo tração, aumentando a pressão dos agentes por mais afrouxamentos monetários.

Neste mês, as projeções dos membros do comitê de política monetária da autoridade serão atualizadas, o que sempre funciona como um sinalizador para o mercado. As últimas projeções saíram em junho, mês em que o BCE cortou as taxas de juros, inclusive a de depósito para terreno negativo.

A expectativa por novos estímulos cresceu após o discurso considerado muito "dovish" (mais flexível) de Mario Draghi, presidente do BCE, no simpósio de Jackson Hole (EUA). Não pelos elementos do cenário, que não foram exatamente uma novidade, mas pela ênfase nas quedas significativas das expectativas de inflação e, de forma mais contundente, da taxa de swap de cinco anos/cinco anos, que recuou para perto das mínimas históricas (1,92%). "Claramente, a queda nas expectativas tem sido um desenvolvimento novo, significativo e preocupante para o BCE, o que exige reconhecimento", disse Draghi.

Para o mercado, há sobre a mesa três possibilidades de ação por parte do BCE agora: cortar novamente as taxas de juros; anunciar detalhes do programa de compras de ABS (títulos lastreados em ativos) - podendo ou não adotá-lo imediatamente -; ou partir para um amplo programa de compras de ativos ("QE"). Todas essas medidas são esperadas pelo mercado financeiro em diferentes momentos, sendo as duas primeiras mais cotadas a acontecer no curtíssimo prazo.

Essa é a visão de 12 instituições estrangeiras consultadas pelo Valor: BNP Paribas, Nomura, J.P. Morgan Chase, Commerzbank, HSBC, Bank of America Merril Lynch (BofA), Rabobank, Deustsche Bank, Nordea, ABN AMRO, Capital Markets e Credit Suisse. As quatro primeiras esperam que as taxas de juros sejam cortadas nesta semana em 10 pontos-base. Dessa forma, a taxa referencial cairia para 0,05% e a taxa de depósito, já negativa, iria para -0,20%. O HSBC também considera a redução possível, embora não seja esse seu cenário central.

O racional por trás dos cortes de juros é que essa ação poderia auxiliar a demanda pelas TLTRO (operações alvo de refinanciamento de longo prazo), tornando o preço mais atraente. Segundo o BNP, "tal movimento poderia reduzir o risco de uma menor aceitação da operação de TLTRO de setembro, já que os bancos seriam menos propensos a reter títulos na expectativa de uma taxa mais barata". O banco também afirma que "o corte da taxa também pode ter um efeito poderoso de sinalização, mantendo vivas as expectativas de um QE".

Já o J.P. Morgan Chase explica que, com o corte, "o BCE aumenta o montante que os bancos podem tomar emprestado por meio de TLTRO". Para o Nomura, a redução também auxiliaria o canal do câmbio, uma vez que o euro forte tem sido componente importante na queda da inflação, somado aos preços contidos de energia. O euro, entretanto, vem caindo e está no patamar de um ano atrás, reflexo das expectativas de novas medidas.

O programa de ABS também pode ser anunciado, mas há chances de sua estruturação não ter sido finalizada. Ademais, fatores como os resultados das revisões da qualidade dos ativos (AQR) e testes de estresse dos bancos em meados de outubro poderiam fazer com que o BCE esperasse mais alguns meses. Por essas razões, várias casas esperam que o anúncio do programa venha até dezembro ou, no máximo, no início de 2015.

O ABN AMRO é exceção, pois acredita que o anúncio será feito já na quinta-feira. "O programa de compras de ABS é a ação mais concreta e provável, que dá aos bancos uma nova opção de financiamento e pode ajudá-los a remover alguns ativos do balanço", diz o banco em relatório. O ponto negativo é a escala. "Diante do tamanho dos mercados de ABS, parece improvável que o programa consiga ultrapassar o intervalo entre € 50 bilhões e € 100 bilhões", afirma.

Jan Lambregts, diretor e chefe global de pesquisa de mercados financeiros do Rabobank, tem uma opinião diferente. Para ele, o fato de o mercado de ABS ser enxuto, aumenta as chances de o impacto dessa iniciativa ser substancial, já que o BCE se tornaria o principal "player" do segmento. "Se o mercado é pequeno, o impacto é desproporcionalmente grande", diz. Sua expectativa é que o programa seja anunciado em outubro. "Isso exige uma preparação", afirma.

Provavelmente por conta da expetativa pelo programa, as emissões de ABS cresceram na Europa. Segundo a consultoria Dealogic, essas operações já somam US$ 26,3 bilhões desde o início do ano, uma aceleração de 33% em relação ao mesmo período do ano passado. Esse é também o volume mais alto para tal intervalo desde 2008.

Um programa de QE que inclua títulos soberanos também continua no páreo das apostas, aliás, desde que Draghi disse que usaria "todos" os instrumentos disponíveis, inclusive os não convencionais, para amparar a zona do euro, reforçando a legalidade desse programa dentro da união monetária, uma questão sensível.

Todas as instituições pesquisadas trabalham com probabilidades de adoção do QE em até 12 meses como ferramenta de último recurso, caso as condições da economia europeia continuem a se deteriorar. Isso inclui o comportamento da inflação (hoje em apenas 0,3% ao ano) e das expectativas e da taxa de câmbio.

Para Lambregts, um QE nos moldes do que foi feito nos EUA seria evitado ao máximo pelo BCE. "Isso sugeriria que o risco de crédito na zona do euro como um todo é o mesmo e não deve haver spread entre [os títulos de] Espanha e Alemanha", diz. Se a zona do euro continuar a sofrer pressões desinflacionárias, é possível que o banco central seja forçado a fazê-lo, segundo o diretor, mas isso não aconteceria este ano. "Provavelmente vão esperar até o primeiro semestre do ano que vem."

Meera Chandan, do J.P. Morgan Chase, também chama atenção para a dificuldade de um QE ter que abarcar diversos países. "O BCE pode não preferir comprar títulos soberanos, uma vez que isso pode diminuir o incentivo para as reformas estruturais."

Já para os economistas do BofA, o QE na zona do euro é muito provável e pode alcançar € 1 trilhão, ou 11% do PIB da região. "A partir de uma perspectiva global de liquidez, o QE pelo BCE seria mais do que compensado pelo fim da compra de ativos por parte do Federal Reserve." O banco acrescenta que, se somado à alta probabilidade de o Banco do Japão anunciar mais uma rodada de compras de ativos até o fim do ano, o ambiente global de liquidez permanecerá bastante favorável.

A maior parte das instituições financeiras também espera que as projeções de crescimento e inflação do BCE sejam revisadas para baixo. Em junho, as projeções de crescimento eram de 1% para 2014, 1,7% para 2015 e 1,9% para 2016. Para a inflação, esperava-se 0,7% este ano, 1,1% em 2015 e 1,4% em 2016.

 



Compartilhe:

<< Voltar

Nós usamos cookies em nosso site para oferecer a melhor experiência possível. Ao continuar a navegar no site, você concorda com esse uso. Para mais informações sobre como usamos cookies, veja nossa Política de Cookies.

Continuar