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Quem tem medo de investir no exterior?
Veículo: Valor Econômico
Seção: Economia
No início deste ano, um verdadeiro consenso se criou em torno do cenário econômico para 2014: uma alta das taxas de juros nos EUA traria consequências negativas para os mercados emergentes. No Brasil, o real seguiria se desvalorizando e os juros dos títulos públicos continuariam a subir. Com o benefício do tempo podemos afirmar que, até agora, todas as apostas estavam erradas.
É difícil prever cenários econômicos e ainda mais difícil saber qual será o desempenho dos ativos. Mesmo confiando na posição dos poucos especialistas que podem fazer esses "calls" de mercado, o investidor individual não deve aplicar seus recursos dando peso significativo àquelas opiniões. Ele pode, no entanto, compartilhar de estratégia utilizada por profissionais financeiros para reduzir a volatilidade da carteira, oferecendo retorno superior no longo prazo: a diversificação do portfólio.
Em recente visita ao Brasil, um dos nomes mais respeitados nos círculos institucionais, David Swensen, gestor do fundo de doações da Yale University, deixou duas importantes lições sobre o assunto: mesmo no Brasil, em um ambiente de juros altíssimos, não faz sentido abrir mão da diversificação. De fato, a alocação em renda fixa local tem peso superior, mas há ganhos para quem tem exposição em ações, crédito e ativos imobiliários, não esquecendo de moedas e da geografia da aplicação. O que nos leva à sua segunda lição: a verdadeira diversificação exige investimento no exterior.
Os céticos podem não acreditar, mas há oportunidades lá fora que, além de retornos atraentes, apresentam correlações muito baixas ou negativas com os ativos domésticos, reduzindo assim o risco do portfólio. Em grande parte cortesia das moedas, usualmente se comportando de maneira oposta aos ativos em questão.
Atualmente, a motivação para diversificação no exterior vem da necessidade de proteção contra um cenário de deterioração institucional no Brasil. Entretanto, Swensen propõe que a prática deve ser corrente como forma de melhor promover a redução de risco global da carteira para dado objetivo de rentabilidade.
Outro nome que guia investidores de todos os portes é John Bogle, fundador da Vanguard, uma das maiores gestoras globais com ativos acima de US$ 2 trilhões. Sua principal tese é a de usar fundos passivos de baixo custo como núcleo da carteira do investidor individual, sempre olhando para o longo prazo. Com a transformação dessas carteiras ao longo dos anos, hoje os ETFs - fundos negociados em bolsa - são os principais instrumentos do tipo em todo o mundo. E começam a ganhar espaço no Brasil.
O investidor individual se pergunta, então, como fazer uso de todas as filosofias, estratégias e de todos os instrumentos de diversificação no exterior. Aqui mostramos que o trabalho é mais simples do que se imagina. Por meio desses ETFs, há opções claras para o portfólio. Mas antes de entrar nos detalhes de uma carteira hipotética, vale abordar dois aspectos comuns no comportamento desse investidor. Primeiramente, o venerado 'day trading' deveria ser simplesmente descartado. Pouquíssimas pessoas ganham dinheiro negociando ativos líquidos com frequência. Seria de uma arrogância imensa achar que podem melhor navegar os mercados do que aqueles com tamanho e acesso às informações e fluxo. Pesquisas realizadas por mais de uma década em países desenvolvidos e do Sudeste Asiático comprovam este fato.
Além disso, em relação à escolha dos ativos investidos, em linha com a chamada estratégia de investimento fundamental, gestores profissionais, entre eles Swensen e Bogle, acreditam que a diversificação nas classes de ativos adequadas ao perfil de risco do investidor seja mais importante do que a seleção dos ativos específicos. A alocação e diversificação são as variáveis primordiais para o retorno esperado de acordo com o risco corrido em horizonte de longo prazo.
Criamos, assim, um portfólio utilizando apenas ETFs: 30% dos recursos em cotas do Vanguard Total Stock Market ETF (VTI), que acompanha o retorno da totalidade do mercado acionário americano, e outros 30% no Vanguard Total International Stock Index ETF (VXUS), que, de forma semelhante, acompanha o retorno de mercados acionários em países emergentes e desenvolvidos, excluindo os EUA. Analogamente, compramos 20% em cotas do Vanguard Total Bond Market ETF (BND), que varia com um amplo espectro de valores mobiliários nos EUA, como títulos públicos, emissões corporativas de alta qualidade e estruturas lastreadas em hipotecas, e outros 20% do SPDR Barclays International Treasury Bond ETF (BWX), que procura proporcionar o resultado de desempenho de títulos do Tesouro de diversos países, aqui também ex-EUA.
O exercício, então, mantém 60% de exposição em renda variável e 40% em renda fixa, em linha com os cenários econômicos correntes e padrão para investidores individuais e institucionais em países desenvolvidos. Os mercados dos EUA recebem 60% dos recursos contra 40% para os demais, divisão razoável por conta do tamanho, liquidez e alternativas de investimento existentes.
As possibilidades são infinitas. Ainda é necessário considerar específicos benefícios fiscais e o apetite a risco - assuntos para uma futura coluna -, mas no momento ficamos com algumas verdades: a diversificação geográfica torna-se cada vez mais necessária seja qual for o cenário local; os instrumentos à nossa disposição permitem a composição de acordo com o desejo e o perfil; e ainda que a função do gestor profissional venha mudando ao longo dos anos, seu papel continua relevante. O gestor traduz as expectativas do investidor na alocação de ativos, consequentemente analisando os movimentos de mercado e do portfólio para o rebalanceamento periódico, fundamental para quem entende e espera chegar ao longo prazo.
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