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Entre o ajuste externo e o combate à inflação

Veículo: Valor Econômico

Seção: Economia

O Banco Central prevê que neste ano o setor externo irá dar uma contribuição positiva na expansão do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro pela primeira vez desde 2005. A informação, que ficou meio perdida entre as 80 páginas do último Relatório Trimestral de Inflação, de junho, expressa a confiança da autoridade monetária de que já está em curso uma mudança - para melhor - na composição do crescimento da economia.

A projeção oficial é que a chamada absorção externa (equivale à exportação de bens e serviços menos as importações) vai dar uma contribuição positiva de 0,2 ponto percentual para o crescimento do PIB deste ano. Já a absorção interna (formada por consumo das famílias, investimentos e gastos do governo) dará uma contribuição de 1,4%. No total, o crescimento do PIB esperado para 2014 é de 1,6%.

Ainda é uma ajuda modesta do setor externo a um PIB igualmente modesto. E sujeita a não se confirmar, já que a taxa de câmbio caminha para baixo. Mas, se ocorrer, representará uma virada importante em relação a 2013, quando o setor externo roubou cerca de um ponto percentual do PIB, que ficou em 2,5%.

BC vê primeira ajuda do setor externo ao PIB desde 2005

Muitos economistas do setor privado duvidavam que a depreciação cambial ocorrida em meados de 2013, assim como a de anos anteriores, fosse ter efeitos no setor externo. Agora, parte deles diz que o ajuste está ocorrendo com má qualidade. O que está sendo deprimido, sustentam, são as importações, que caem junto com indicadores de confiança e a própria economia. Entre as importações, o baque maior é nas compras de bens de capital, que recuaram, porque o investimento anda fraco.

Economistas costumam duvidar que as depreciações cambiais serão, de fato, suficientes para mudar o curso da balança comercial, assim como costuma haver certo ceticismo de que apertos monetários serão suficientes para conter a inflação.

Desde o começo do ano passado, o Banco Central apostava que a taxa de câmbio teria efeito - e dizia que era uma questão de tempo. Em abril de 2013, o diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo, disse que esperava uma contribuição mais positiva da demanda externa, "caso prevalecesse a condição de Marshall- Lerner". Ele citava dois economistas, Alfred Marshall and Abba Lerner, que dizem que uma depreciação cambial não necessariamente melhora a balança comercial imediatamente. O que costuma é ocorrer uma piora momentânea, refletindo o aumento dos preços de produtos estrangeiros expressos em moeda nacional, mas em seguida haveria um ajuste nas quantidades importadas e exportadas, melhorando a balança comercial. Os economistas costumam chamar esse fenômeno econômico de "curva do J", numa representação gráfica da melhora seguida de piora na balança comercial que só eles enxergam como tendo o formato da letra jota.

Numa apresentação durante o encontro de primavera do Fundo Monetário internacional (FMI), o diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, Luiz Awazu, mostrou uma tabela que resume estudos sobre a "curva do J" em economias emergentes e avançadas. No geral, elas apontam uma defasagem de cerca de um ano da depreciação cambial sobre a balança.

A projeção do BC para a evolução do PIB em 2014 contempla alta de apenas 0,7% nas importações, abaixo do crescimento projetado para as exportações, de 2,5%. Não dá para descartar que a queda das importações esteja refletindo também a taxa de câmbio, e não só a atividade econômica. Um estudo publicado pelo BC, no relatório de inflação de setembro de 2013, conclui que os efeitos de uma depreciação cambial na balança comercial ocorrem, em um primeiro momento, nas importações. O trabalho mostra também que as exportações de manufaturados respondem, sim, ao câmbio.

Um fator essencial para as exportações é o crescimento da economia mundial, que, na visão do Banco Central, ainda é relativamente fraco, mas apresenta melhora. As projeções de analistas privados para a expansão do PIB mundial são de 2,7% em 2014, ante 2,1% em 2013. No caso dos Estados Unidos, haveria uma leve aceleração no período, de 1,9% para 2,2%; e, na área do euro, passaria de contração de 0,4% para crescimento de 1,1%.

A queda das importações de bens de capital preocupa. A aposta do Banco Central é que a mudança da composição do crescimento da demanda ora em curso vai envolver não apenas um aumento da absorção externa, mas também uma moderação do consumo das famílias e do governo em favor dos investimentos. "Será o consumo andando e o investimento correndo", disse Carlos Hamilton, ao divulgar o Relatório de Inflação. O consumo das famílias já se desacelerou, mas o do governo, não. Os investimentos devem apresentar uma contração de 0,6% em 2014. Ainda assim, a aposta do BC é que essas peças vão caminhar na direção correta. "Essa não é uma economia planejada, em que uma só decisão move tudo", afirma Carlos Hamilton.

O risco maior é a promessa de ajuste externo se perder, caso se mantenha a pressão para valorização da taxa de câmbio. Os altos juros vigentes dentro do país, assim como as condições ainda excepcionais de liquidez internacionais, estão por trás da recente valorização do real. Mas o mercado financeiro vê indícios de que o Banco Central e outros setores do governo vêm deliberadamente forçando a valorização do real para ajudar no combate à inflação. Em junho, o Banco Central decidiu prorrogar o seu programa de oferta de instrumentos cambiais ao mercado. O anuncio da decisão, sem especificar os detalhes, foi feito de forma antecipada, num dia em que o câmbio já derretia.

A valorização do real ajuda a segurar o câmbio no curto prazo, mas a percepção de que ela é feita de forma artificial, e portanto que tende a se reverter, não evita estragos nas expectativas. As projeções de inflação de mercado levam em conta que a taxa de câmbio vai fechar em R$ 2,29 em 2014 e em R$ 2,45 em 2015.

 



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