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Sobre a competitividade industrial, câmbio e inflação

Veículo: Valor Econômico

Seção: Economia

 
Leonardo Rodrigues/Valor / Leonardo Rodrigues/Valor

 

A proximidade das eleições presidenciais colocará no centro dos debates o baixo crescimento da economia brasileira ao longo dos últimos anos. Constata-se diariamente, nas mais diversas mídias, as recomendações para reverter este quadro, incluindo a redução ou o aumento da interferência do Estado na economia, a redução da taxa de juros, a necessidade de se desvalorizar nossa moeda e de se fazer um ajuste fiscal, entre outros. O que se pode de fato verificar é que o fraco desempenho da indústria contribuiu de forma relevante para o baixo crescimento do produto interno bruto brasileiro. Tal desempenho, por sua vez, decorreu da queda da competitividade industrial, direcionada, entre outros, por uma inflação interna não acompanhada por uma desvalorização cambial.

Pela ótica da oferta, o produto interno bruto resulta da soma do valor gerado pela indústria, pelo setor de serviços e pela agropecuária, adicionado dos impostos, líquidos de subsídios, incidentes sobre os bens e serviços produzidos por estes setores. Pelos dados do PIB divulgados pelo Ipea, dos dez anos compreendidos entre 2004 e 2013, em apenas dois deles - 2004 e 2010 - a indústria impulsionou o PIB nacional. Nos demais, ela atuou como "âncora", travando o crescimento da economia. Por outro lado, ao longo deste mesmo período, observou-se uma inflação crescente e um câmbio volátil, mas ainda assim com valorização do real frente ao dólar. Analisando a trajetória do índice de preços no Brasil entre 2004 e 2013, dado pelo IPC da Fipe, e do câmbio, partindo-se de uma mesma base (base 100 em 01/01/2014), verifica-se que o índice de preços evoluiu de uma base 100 em 1/1/2004 para 161 ao final de 2013, ou seja, os preços na economia brasileira subiram, em média, 61% desde janeiro de 2004. Por outro lado, a trajetória do câmbio indica uma valorização de nossa moeda, já que o índice sofreu uma redução de 20% aproximadamente (passou de 100 em 1/1/2004 para 80 ao final de 2013).

PPC foi deslocada por desequilíbrios econômicos gerados, entre outros, por altas taxas reais de juros

Estabelecendo a paridade do poder de compra (PPC) no ano de 2004, a trajetória divergente do cambio e da inflação desde então indica uma violação desta paridade, que desfavorece a competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo. A PPC é uma teoria econômica que estima o ajuste necessário na taxa de câmbio entre dois países para que a troca se mantenha equivalente com o passar do tempo. Exemplificando, supondo que uma cesta de produtos custasse R$ 100 em janeiro de 2004, considerando o câmbio à época, de 2,92 R$/US$, um americano necessitaria de US$ 34,25 para adquirir esta cesta. Passados 10 anos, e considerando o câmbio de fechamento de 2013, de 2,34 R$/US$, esse mesmo americano necessitaria de US$ 68,77 para adquirir a mesma cesta de produtos. Resumindo, nosso produto ficou mais caro para o americano. A mesma quantidade de dólares não adquire os mesmos produtos, 10 anos depois, indicando a violação da PPC de 2004.

Para que a PPC não fosse violada e na ausência de inflação no mercado americano, a taxa de câmbio, ou o R$, deveria ter se desvalorizado na mesma magnitude da inflação, ou seja, em 61% (ao contrário, se valorizou em 19,82%). Considerando que a inflação americana no período, medida pelo Consumer Price Index, foi de 26,44%, para a manutenção da PPC, a taxa de câmbio deveria ser hoje, teoricamente e ceteris paribus, 3,72 R$/US$. Resumidamente, a taxa de câmbio atual deveria sofrer uma desvalorização de 59% para alcançar a taxa de 3,72 R$/US$ e manter a PPC de 2004, caso este fosse o período de referência entre os preços e as relações de troca internacionais, desconsiderando outros fatores que impactam a economia.

 

 

A PPC impõe premissas econômicas que foram alteradas desde 2004, tanto no Brasil como no mundo. A conjuntura econômica assim como as políticas monetária e fiscal evoluíram, os fatores de competitividade e de produção não são os mesmos, fatos que, em conjunto, deslocam a PPC e a taxa de câmbio. Entretanto, esse deslocamento não foi acompanhado por ganhos de competitividade interna, o que tornou os produtos brasileiros mais caros hoje para os consumidores internacionais do que há uma década (vide pauta de exportação).

Pode-se argumentar que o Brasil hoje não é o mesmo de 2004, e que portanto a PPC da época, e o câmbio, não refletiria a real condição de troca econômica. Entretanto, quando observamos hoje os principais indicadores econômicos e o desequilíbrio entre eles, incluindo baixo crescimento do PIB, inflação crescente, juros em alta, déficit fiscal, gargalos estruturais e logísticos, déficit educacional e de saúde, alto custo da mão de obra, entre outros, conclui-se que a PPC foi deslocada não por melhoria dos fatores econômicos ou ganhos internos de produtividade, mas sim por desequilíbrios econômicos gerados, entre outros, por altas taxas reais de juros e pelo que se denomina doença holandesa (os recursos provenientes das exportações de commodities valorizam a moeda local, tornando a indústria menos competitiva no mercado internacional).

A indústria brasileira sofreu uma sobrecarga ao longo dos últimos 10 anos. Além de ter que lidar com o aumento do custo dos fatores de produção, teve que também lidar com um deslocamento desfavorável da PPC ou da taxa de câmbio. Se o objetivo do governo é impulsionar este setor, que responde hoje por 21% do PIB brasileiro, necessariamente deverá reconhecer o impacto da mudança da PPC sobre a indústria e definir políticas estruturais não paliativas que reduzam o custo dos fatores de produção no Brasil.

 



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