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Os que não querem trabalhar

Veículo: O Estado de São Paulo
Seção: Economia

Os analistas do mercado de trabalho concordam que o número de brasileiros que não desejam trabalhar vem aumentando. Mas, eles divergem quanto ao perfil e as razões dos que param de procurar emprego. Alguns privilegiam os jovens que, em lugar de trabalhar, preferem estudar para se qualificar melhor. Outros dizem que a desistência decorre da melhoria da renda das famílias o que permite a muitos jovens ficar sem trabalhar e sem estudar (nem-nem). Há ainda os atribuem à saída dos idosos - e não dos jovens - a principal razão do encolhimento da taxa de participação no mercado de trabalho que recuou de 58% para 56,8% entre 2012 e 2013. Nos Estados Unidos também a taxa de participação caiu de 67% para 62% no período de 2000 a 2013.

Não há dúvida que no Brasil muitas pessoas estão deixando de procurar trabalho. A Pnad Contínua informa que entre o segundo semestre de 2012 e igual período em 2013, 1,2 milhão de brasileiros desistiram de buscar emprego. Isso representou uma redução de 1,9% de pessoas maiores de 14 anos. É interessante notar que o fenômeno foi mais saliente entre os estudantes de faculdades onde a referida proporção chegou a 12%, bem superior à média de 1,9%, ao mesmo tempo em que a taxa de ocupação desse grupo caiu de 75% para 73% (Denise Neumann, "Fies, Bolsa Família e desemprego em queda", Valor, 15/05/14). São jovens que deixam de trabalhar para cursar o ensino superior.

Ao examinar as razões da debandada de jovens e idosos do mercado de trabalho, observa-se haver fundamento para três hipóteses. Ou seja, há jovens que buscam se qualificar mais por não encontrarem o emprego dos seus sonhos com os conhecimentos que possuem e muitos que voltam à escola ajudados pela melhoria da renda familiar e pela ampliação do período de carência e pela forte baixa dos juros do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES) que entre 2010 e 2013, caiu de 9% para 2,4%. Parece razoável considerar que estas forças atuam de modo complementar: a renda familiar melhora, a motivação para se qualificar aumenta e o acesso as facilidades de crédito se ampliam.

Na outra ponta da pirâmide etária verifica-se também uma forte saída de idosos do mercado de trabalho. No ano 2000, cerca de 35% dos brasileiros com 60 anos ou mais estavam trabalhando; em 2011, essa proporção caiu para 26% e hoje deve estar em torno de 25%. A hipótese mais plausível atribui essa saída à expressiva melhoria do valor dos benefícios previdenciários e ao fácil acesso aos programas sociais, em especial, o Bolsa Família.

Ou seja, a opção de não trabalhar tem motivação diferente nos grupos indicados. Os jovens, na sua maioria, adiam a entrada no mercado de trabalho para ficar mais tempo na escola. Os idosos, em lugar de adiar, simplesmente param de trabalhar. Nos dois casos, a melhoria da renda familiar parece operar como um fator facilitador.

A retração da oferta de trabalho no Brasil não chega a ser um problema grave como ocorre em países da Europa ou no Japão onde faltam jovens para trabalhar. Mas, no médio prazo, estaremos na mesma situação com um agravante. Se o atual "pibinho" de 1% saltar para 4% ou 5% ao ano, enfrentaremos uma escassez de mão de obra bem mais severa do que a atual.

No curto prazo, a diminuição do número dos que buscam trabalho traz uma redução da taxa de desemprego e, indiretamente, uma melhoria da renda média. Estas duas conseqüências seriam bem mais benéficas se o desemprego caísse em decorrência de uma forte geração de empregos e se a renda aumentasse como resultado de uma substancial elevação da produtividade. Como nada disso acontece, temos de usar a taxa de desemprego e o aumento da renda com o devido cuidado para não transformar problemas em virtudes.   

José Pastore é professor de relações do trabalho da FEA-USP, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras.


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