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Volume e produtividade para compensar a perda de margem
Veículo: Valor Econômico
Seção: Economia
A balança comercial brasileira fechou o primeiro quadrimestre com déficit de US$ 5,56 bilhões, mas o desempenho positivo das exportações no mês de abril e nos primeiros dias de maio sinaliza um equilíbrio para os próximos meses. Com isso, a perspectiva é de encerrar 2014 em níveis similares aos de 2013, quando o Brasil obteve superávit de US$ 2,5 bilhões, o menor nível desde 2001. Naquele ano, o saldo ficou em US$ 2,7 bilhões.
A exemplo de anos anteriores, os produtos básicos, puxados por minérios, soja e petróleo, deverão alavancar as vendas para o mercado externo e reforçar uma tendência que vem se consolidando desde o final da década passada: a de se firmar como um grande exportador mundial de commodities ao mesmo tempo em que busca desenvolver ações estratégicas para driblar as dificuldades do comércio mundial e manter competitividade nos produtos manufaturados e semimanufaturados.
Até o início do século, os manufaturados - como materiais de transporte (carros, locomotivas, aviões, entre outros), máquinas e motores e açúcar refinado - dominavam a pauta. Os principais destinos então eram os EUA, América Latina e União Europeia. Com o ingresso da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, houve nos anos seguintes uma vertiginosa demanda por commodities, em especial minério de ferro e soja. Com preços favoráveis no mercado internacional, o Brasil soube surfar na onda do crescimento chinês e obteve expressivos superávits comerciais, casos do saldo de US$ 46,5 bilhões em 2006 e o recorde histórico de exportação em 2011, com US$ 256 bilhões.
Mas, a partir de 2012, fatores como a crise econômica na União Europeia, a freada no ritmo de crescimento da China e a lenta recuperação da economia americana fizeram com que houvesse uma acomodação no preço das commodities, em especial no minério de ferro. O resultado foi uma estagnação no volume financeiro das exportações brasileiras nos dois últimos anos e uma queda brutal no saldo, que passou de US$ 29,8 bilhões em 2011 para US$ 2,5 bilhões no ano passado.
Segundo Daniel Godinho, secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento e Indústria e Comércio (MDIC), o momento atual é de buscar maior volume e produtividade para compensar a perda de rentabilidade. "Os preços das commodities estão menores que no mesmo período de 2013. Mas a quantidade compensa a queda nos preços. A única exceção é o milho, que caiu no preço e na quantidade devido à menor safra do ano", afirma. No primeiro quadrimestre, os produtos básicos aumentaram sua participação para 48,9%, ante 46,1% em 2013.
Os destaques em volume foram a soja em grão (50,3%), petróleo (21,6%), carne in natura (16,2%) e ferro (7,1%), em que pese tenham registrado queda nos preços comparados aos do ano passado. Para Godinho, os próximos meses deverão apontar para um crescimento das exportações dos produtos básicos, em especial a soja, que teve uma safra superior à do ano passado. "O patamar atual do dólar também vai colaborar. Nestes primeiros meses, o fator câmbio ainda não se mostrou completamente nos resultados. São fatores que trazem otimismo ao governo até o final do ano", disse.
O economista Oto Nogami, professor do Insper, não compartilha do mesmo otimismo. "As importações têm crescido proporcionalmente mais do que as exportações. Os itens manufaturados e semimanufaturados perderam espaço no mercado internacional por não serem competitivos em preços e qualidade. A política protecionista do governo impede a inovação tecnológica em nossa indústria e isso tem causado desequilíbrio na balança comercial, uma vez que ficamos dependentes da demanda da China e da Índia", avalia o professor.
Para Nogami, há sério risco de fechar o ano com déficit na balança, situação que somente não aconteceu no ano passado, diz, devido à controversa operação de "exportação" de sete plataformas da Petrobras, no valor de US$ 7,73 bilhões, que foram adquiridas por subsidiárias da empresa no exterior e "internalizadas" no Brasil, como se estivessem sendo alugadas. A operação é permitida pelo regime especial aduaneiro Repetro e foi fundamental para garantir o saldo positivo no ano. "O Brasil tem uma vocação natural para commodities em razão de sua geografia, mas não sabe agregar valor aos produtos", afirma.
No caso específico dos minérios (em especial o de ferro, que responde por 90% nesse segmento), responsáveis por US$ 35 bilhões na balança de 2013, os preços alcançados no mercado externo justificam uma logística própria, com ferrovias eficientes, portos próprios e embarcações especiais, defende o engenheiro Marcelo Klujsza, presidente da consultoria Metal Data e professor de economia mineral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A importância do ferro na economia permitiu que, em 1997, o governo federal outorgasse à então Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale) a concessão de duas ferrovias, a Estrada de Ferro Vitória-Minas e a Estrada de Ferro Carajás. Mesmo não sendo maior produtor mundial de ferro (perde para a China e para a Austrália), o Brasil dispõe do minério de melhor qualidade do mundo, com 67% de teor de ferro, o que o distingue dos concorrentes.
No caso do ferro, pode-se dizer que o Brasil estava na hora certa e no lugar exato quando a China começou a demandar maiores quantidades do minério. Segundo Klujsza, o Brasil já dispunha de um modelo logístico e de produção para atender de imediato as necessidades chinesas. "O minério brasileiro começou a ser procurado pelos japoneses na década de 70, quando houve uma crise na oferta do ferro australiano", diz.
Nos anos seguintes, os japoneses aceleraram seus pedidos e investiram na modernização dos portos de Tubarão e de Vitória. Com o "boom" chinês, as empresas nacionais, como a Vale (maior exportadora nacional), CSN e outras já contavam com a vantagem logística e puderam trabalhar com fretes diferenciados, além de modernizarem os seus meios de transporte, como as embarcações Valemax, capazes de transportar 400 mil toneladas. Para Klujsza, o cenário atual de queda de preços da ordem de 20% vai exigir das companhias brasileiras um modelo mais focado na produtividade e não mais no volume. Outro agravante, diz, é o realinhamento da Austrália no mercado internacional devido aos fortes investimentos nos últimos cinco anos. "Mas temos reservas suficientes para manter a posição de forte exportador", afirma.
Para Marcos Lelis, coordenador da unidade de inteligência comercial e competitiva da Associação Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), o caminho hoje tomado pela exportação de commodities obedece tanto aos ditames do mercado como também a uma vocação histórica que vem desde o período colonial. No caso das companhias voltadas para produtos industrializados, recomenda-se que a opção pelo mercado externo seja feita por meio de acordos e parcerias nos moldes das que vêm sendo praticadas pela Apex desde 2003, quando foi criada. "É preciso desenvolver a cultura da exportação dentro da organização e trabalhar pela continuidade dos processos ao longo dos anos", afirma. Segundo ele, no âmbito global das companhias exportadoras cadastradas no MDIC, cerca de 50% não exportam de forma regular, enquanto entre as empresas apoiadas pela Apex esse índice cai para 20%.
Ao trabalhar com o apoio de uma entidade especializada, fica mais fácil detectar novos nichos de mercado e aproveitar oportunidades até então não aventadas. Segundo Fernando Sampaio, diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Carne (Abiec), o consumidor brasileiro tem preferência pelos cortes traseiros da carne bovina, o que gerava desperdício das partes dianteiras do animal. "Graças ao trabalho de inteligência desenvolvido em parceria com a Apex, os pequenos e médios frigoríficos passaram a direcionar os excedentes para países como Egito e Irã", afirma.
Hoje, o Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, com recorde histórico de US$ 6,6 bilhões em 2013 e perspectivas de superar a marca em 2014. Nos três primeiros meses do ano, diz Sampaio, o faturamento foi de US$ 1,652 bilhão, 14% acima do registrado em 2013. Foram negociadas 382 mil toneladas, sendo 72% em carne in natura e desossada, principalmente para mercados emergentes, como Hong Kong, Rússia e Oriente Médio.
Apesar do bom desempenho, existem gargalos a serem superados, principalmente os relacionados com questões sanitárias. Ainda hoje, a febre aftosa não está erradicada no país, o que impede a exportação da carne in natura para importantes mercados, como Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e Indonésia. Há também, diz Sampaio, questões internas a serem contornadas, como maior segurança jurídica no campo e modernização da legislação de inspeção sanitária.
Com forte presença na balança em anos anteriores, o setor sucroalcooleiro deve manter em 2014 um volume próximo às 27 milhões de toneladas exportadas no ano passado, estima Plinio Nastari, diretor-presidente da consultoria Datagro. Já o etanol tende a sofrer uma retração em função da revisão de acordos nos Estados Unidos e na União Europeia e de maior consumo no mercado interno. Em 2013, as exportações de açúcar bruto e etanol apresentaram uma queda de 8,8% em faturamento se comparadas a 2012.
Segundo Nastari, o setor está sendo afetado pela redução de moagem em função da estiagem na região Centro-Sul. "O setor sofre também com a falta de incentivo em inovação e pela ausência de uma política industrial, o que dificulta a exportação de conhecimento e tecnologia industrial", afirma.
O setor de equipamentos médicos e odontológicos também padece de necessidade de licenças regulatórias, que acabam se tornando um obstáculo para alcançar o mercado externo. Segundo Paula Portugal, gerente de marketing e exportação da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios (Abimo), a maior parte dos países da América Latina aceita as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas em outros continentes o que prevalece são as diretrizes do FDA (Food and Drug Administration, dos Estados Unidos).
Desde 2011, o setor vem sofrendo déficit em sua balança comercial, fechando negativo no ano passado em US$ 4,1 bilhões, ante um aumento das importações de 14% nos últimos três anos. No período, as exportações caíram 10,1%. Mesmo diante do resultado global negativo, as 160 associadas à Apex conseguiram elevar suas exportações em 7,1%.
O único segmento que vem tendo destaque acima da média é o de equipamentos odontológicos (cadeiras odontológicas, próteses e materiais), que registrou um pequeno déficit de US$ 14 milhões em 2013. "O Brasil forma um grande número de dentistas e o brasileiro tem preocupação com a saúde bucal", diz Paula, que cita ainda o programa federal Brasil Sorridente, que estimula a produção da indústria.
Apesar de exportar seus produtos para cerca de 65 países, o setor têxtil vem apresentando consecutivos déficits na balança desde 2005 e deve manter a mesma tendência em 2014. "O câmbio médio de R$ 1,60 nos afetou muito nos últimos anos", diz Fernando Pimentel, diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit).
Além do dólar desfavorável, o setor enfrenta dificuldades em mercados vizinhos, como Argentina, Colômbia e Venezuela, todos potenciais consumidores. O déficit previsto na balança para este ano pode chegar ao recorde de US$ 6 bilhões. Segundo Pimentel, o setor exporta, em média, US$ 1,3 bilhão ao ano, mas tem como objetivo exportar US$ 7 bilhões, o equivalente a 1% do comércio mundial, hoje majoritariamente dominado pela China. A maior parte enviada ao mercado externo é de fiações e tecelagens, produção vinda de grandes empresas.
A Abit mantém acordo com a Apex-Brasil junto a cerca de 300 associadas, com predominância do segmento de confecções. Com forte participação em feiras fora do país, essas companhias registraram em 2013 um crescimento de 16% na atividade de exportação. "Itens como jeans, moda praia, lingerie, fitness e malharia têm ótima aceitação fora do Brasil", diz Pimentel.
Na avaliação do professor Hsia Hua Sheng, da FGV-Eaesp, os incentivos do governo federal são insuficientes para estimular a cultura da exportação em pequenas e médias empresas. Ele defende a aplicação de um modelo de gestão nos moldes asiáticos, no qual professores e pesquisadores de universidades federais e privadas atuem em conjunto com empreendedores para gerar conhecimento e inovação. SDe acordo com Sheng, nos países asiáticos as pequenas e médias empresas são responsáveis por cerca de 50% das exportações.
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