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Na contramão do setor têxtil, primeira S.A do país resiste à invasão chinesa

Veículo: Folha de São Paulo

Seção; Têxtil

O Brasil tem todas as condições para ser competitivo na indústria têxtil: é autossuficiente na produção de algodão, tem fábricas, mão de obra qualificada e um enorme mercado consumidor. Mas erros de política econômica arrebentam o setor.

A avaliação é Cristiano Ratton Mascarenhas, 58, presidente do conselho de administração da Cedro Têxtil, tecelagem mineira criada em 1872. Para ele, o desarranjo no câmbio é a principal explicação para o problema, e o dólar deveria estar acima dos R$ 3,00. "O governo perdeu o compasso e minou a indústria nacional", afirma.

"Um setor que reúne mais de 30 mil empresas e gera 1,6 milhão de empregos diretos está sendo jogado no lixo", assevera Marco Antônio Branquinho Junior, 41, diretor-presidente da empresa. A desindustrialização e a invasão de produtos chineses marcam o setor: o aumento do consumo foi engolido pelos importados, que cresceram 27 vezes em dez anos, diz.

"Disputamos uma maratona com uma mochila de tijolo nas costas, enquanto eles [os estrangeiros] estão de bicicleta", exemplifica. Basta olhar para a ruína de centenárias indústrias catarinenses de malhas para constatar o tamanho da encrenca.

Mascarenhas conta que atual crise ficou evidente a partir de 2005, quando o país aceitou abrir seu mercado e se deparou com a avalanche asiática. "Quem não estava preparado ou não reagiu a tempo sucumbiu", lembra. Na Cedro, a mudança provocou um dos raros anos de prejuízo na história de 142 anos da companhia. Foi em 2006.

Para encarar a nova realidade, a empresa mudou de estratégia. Resolveu investir em modernização e abandonou o segmento de tecidos mais baratos, onde passaram a reinar os importados. Sem aumentar sua capacidade instalada, comprou máquinas (aí o real valorizado ajudou) e modificou processos para aumentar o valor agregado de seus produtos.

"Um produto básico briga na faixa de R$ 6,00 a R$ 8,00 o metro. Um premium está na faixa de R$ 9,00 a R$ 14,00. A quantidade de matéria-prima, de energia e de mão de obra para fazer um jeans básico e um premium é a mesma. A diferença de custo é nos produtos químicos. Mas, em relação ao preço, há muito ganho de margem", declara Branquinho.

Por isso, ele diz que "deixa para quem quiser" o jeans mais barato. Os investimentos na fabricação mais sofisticada também criaram condições para a flexibilização das linhas de produção _que agora podem ser modificadas com agilidade para tecer o que gera mais rentabilidade no momento: denim, brim colorido, tecidos para confecções profissionais (petroleiros, bombeiros, enfermeiros).

De acordo com Mascarenhas e Branquinho, a nova estratégia tem tido êxito. Na última quarta-feira (26/03), eles exibiram números que colocam a Cedro na contramão do setor têxtil, que encolheu 9,4% em 2013. No ano passado, a receita bruta da companhia mineira aumentou 17,4%, chegando a R$ 707 milhões.

  Arquivo Cedro/Divulgação  
Área da tecelagem da Cedro, primeira S.A do país
Área da tecelagem da Cedro, primeira S.A do país

Do último ano de prejuízo (2006) até agora, a empresa quase dobrou de tamanho. A produtividade, que era de 16 kg /homem/hora há quatro anos, está em 32 kg/homem/hora.

Foi mais um momento de adaptação da centenária tecelagem. Já no final do século 19, quando a escravidão ainda definhava, resolveu produzir, além dos tecidos grossos, produtos mais finos _de olho no mercado assalariado que começava a germinar.

A própria fundação da empresa é fruto de turbulências internacionais. A Guerra Civil dos EUA (1861-1865) desestruturou as fazendas escravocratas sulistas, produtoras do algodão que nutria as tecelagens inglesas, que sentiram o baque. Bernardo Mascarenhas, rico fazendeiro mineiro, enxergou aí uma oportunidade de negócio no Brasil, tradicional cliente inglês.

Reuniu irmãos e resolveu construir uma fábrica de chita em pleno Brasil agrário e escravocrata. Aos 18 anos, sem falar inglês, foi para a Inglaterra e os EUA comprar máquinas. Pediu conselhos para Thomas Edison para a instalação de eletricidade.

O algodão para a fábrica vinha da própria fazenda da família, que tinha escravos. Nos teares, a mão de obra já era assalariada. "Bernardo morreu cedo, aos 52 anos. Há uma lenda que diz que ele pode ter sido envenenado por causa da revolução que estava fazendo contra os ingleses", conta Branquinho.

Num raro caso no mundo dos negócios, a quinta geração de Mascarenhas mantém o controle da empresa, que se intitula a primeira firma privada a constituir uma sociedade anônima no Brasil. A família detém 64% das ações com direito a voto, num acordo de acionistas que reúne em torno de 250 pessoas.

O grupo Coteminas (fundado por José Alencar, vice-presidente no governo Lula) tem 18% do capital votante. O fato, volta e meia, gera rumores de que a companhia do clã Mascarenhas pode ser vendida. "Sempre tem o balão de ensaio de que eles vão comprar. Mas não temos nenhum interesse em nos desfazermos do controle da empresa", declara Cristiano Mascarenhas.

Mas não vale a pena vender e aplicar no mercado financeiro, como fizeram vários empresários no país? Mascarenhas responde: "Se fizermos a conta do curto prazo não se investe. Mas pensamos no longo prazo e temos investido em projetos com retornos interessantes".

No curto prazo, estão as preocupações de Branquinho, o primeiro presidente da Cedro que não faz parte da família controladora. Ele teme por uma crise na área de energia e por eventuais perdas provocadas por manifestações. Em junho passado, os protestos afetaram, por exemplo, suas vendas no megamercado do Brás (SP) e a distribuição em Minas.

Com a possibilidade de turbulência, ele diz que a ordem interna é fazer um controle extremo do caixa e gerir a alavancagem. Um novo ciclo de investimento, como o que está sendo concluído agora, não está no horizonte. Salvo uma reviravolta na política econômica, com uma mudança cambial.

A boa notícia é que, com o deslizamento do dólar nos últimos meses, negócios de exportação parecem voltar, ainda que de forma tímida. De outro lado, redes varejistas estrangeiras, como a Forever 21, estão colocando nas gôndolas calças jeans por R$ 35.

"Arrisco a dizer que [esse preço] não paga a matéria-prima que tem naquele produto", declara Branquinho. "Queria ver uma fábrica chinesa produzindo do lado da nossa fábrica em Pirapora. Aí iríamos ver a competitividade deles. Os contêineres asiáticos são os navios negreiros do século 21", defende. 

 



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