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Fazer as compras vira uma odisséia na Venezuela

Juan Carlos Hernandez/Bloomberg / Juan Carlos Hernandez/BloombergControle de preço e desabastecimento: mercado com prateleiras vazias na cidade de Barcelona, na Venezuela

Veículo: Valor Econômico

Seção: Economia

Na saída do supermercado Excelsior Gama, em Chacao, área nobre de Caracas, uma cena chama a atenção. Quatro clientes carregam um bloco de cinco quilos de queijo tipo gouda, da marca Los Frailes. Na fila do caixa, invariavelmente em todos os carrinhos, há quatro garrafas de óleo de soja. "Este é um produto [com preço]

controlado pelo governo. Quando tem no supermercado, desaparece rapidamente", disse ao Valor um cliente, com o tijolo de queijo no ombro.

Mais adiante, uma folha de papel afixada, em frente à esvaziada geladeira de carnes, avisa: "Estimado cliente, não pegar mais do que as quantidades permitidas - 4 unidades de óleo de soja por compra". E Nelson, o motorista que percorreu os supermercados da cidade com a reportagem, sai do estabelecimento com oito pacotes de cotonetes da Johnson&Johnson na mão. "Faz semanas que estou procurando dessa marca. Ainda bem que você me fez vir até aqui."

O rígido controle de preços, um sistema cambial confuso e a recente onda de protestos contra o governo estão agravando a já complicada situação de escassez de produtos na Venezuela, dizem analistas. Isso tem tornado mais agudo um quadro que já era comum no país. Nas regiões de classe média e média alta, as queixas mais repetidas são a falta de variedade. No Excelsior Gama, só havia uma marca de tintura de cabelo e duas de desodorantes, o que irrita os clientes.

Já em mercados nas áreas mais pobres, sejam de redes estatais ou particulares, alguns produtos simplesmente não existem, e os clientes ficam rodando por diferentes mercados atrás de artigos como carnes, óleo, açúcar, desodorante e papel higiênico. Todos tabelados.

"Isso só mostra como o abastecimento é instável na Venezuela", disse Luís Vicente León, economista da consultoria Datanalisis. "Não é que não tenha nada aqui. Mas uma hora falta um produto, outra hora falta outro."

O índice de desabastecimento, medido pelo Banco Central da Venezuela, saltou de 22% para 28% em janeiro, e analistas afirmam que a tendência é que esse quadro se agrave. E o governo do presidente Nicolás Maduro já dá sinais de que também acredita nisso.

No fim de semana, a rede estatal PDVAL - ligada à estatal petrolífera PDVSA e que vende produtos a preços subsidiados - anunciou a restrição de compras de itens essenciais. Cada cliente poderá comprar produtos da cesta básica apenas uma vez por semana. Os usuários serão registrados pela sua cédula de identidade e só poderão voltar ao estabelecimento para buscar produtos que não estavam disponíveis na data da compra.

"A introdução desse novo sistema faz parte de um plano para evitar o acúmulo de estoques [por parte dos clientes] e preservar os estoques [dos supermercados]", disse Iván Bello, presidente da rede, ao jornal "Últimas Notícias".

Com isso, Bello pretende evitar um outro hábito de milhões de venezuelanos, como o motorista Nelson. Em uma loja do supermercado Bicentenário, também estatal, ele encontrou o sabão em pó Ariel pelo preço controlado de 87,70 bolívares, com limite de duas caixas de 5 kg por pessoa. Enquanto o Valor checava as prateleiras e conversava com clientes, ele passou três vezes na fila do caixa e levou seis unidades para casa.

"Como não tinha produto perto de casa, eu acabei comprando de um vizinho pelo dobro do preço na semana passada", explicou.

As dificuldades econômicas da Venezuela ajudam a explicar o problema da escassez. O país petroleiro, que importa 70% dos produtos que consome, está em dificuldades para honrar o pagamento de fornecedores, após um período de gastança em meio a três eleições. Em nenhum dos mercados, por exemplo, foi possível encontrar carne de frango - um dos produtos mais importados do Brasil.

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, exportadores brasileiros de vários setores só estão aceitando vender para o país vizinho com pagamento adiantado. A burocracia venezuelana também trava o comércio. Um empresário radicado em Caracas diz que boa parte do frango brasileiro exportado em caráter emergencial para abastecer a Venezuela no Natal só chegou às prateleiras no fim de janeiro. "Há uma fila de navios nos portos, e muitos produtos estão chegando de avião", disse ele, que falou sob a condição de anonimato.

Se produtos essenciais estão em falta, o quadro é ainda pior no caso de manufaturados, quase todos importados ou cuja produção depende de insumos vindos de outros países. Nas ruas de Caracas, é comum ver concessionárias de veículos vazias, pois tanto carros como autopeças vêm do exterior. Também é difícil encontrar produtos como tablets e smartphones.

No domingo, a Câmara Venezuelana de Centros Comerciais, Comerciantes e Afins (Cavececo) soltou nota dizendo que a situação das lojas está "insustentável". "Escadas rolantes estão sendo desligadas, assim como elevadores e ar-condicionado, por dificuldades de encontrar peças de reposição", diz.

 



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