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Uma aposta no Brasil do futuro que parece com o do passado

Veículo: Valor Econômico

Seção: Finanças

Fonte: Graziella Valenti

Cidade: São Paulo

 

O Brasil do futuro é o mesmo de antigamente. Essa é a aposta de Guilherme Affonso Ferreira. Ele, que se consagrou como um dos mais bem-sucedidos investidores individuais do mercado de ações brasileiro, comanda hoje a Teorema Gestão de Ativos, empresa resultante da distribuição de parte relevante do patrimônio da Bahema Participações, 85% mais precisamente.

 
Depois do sucesso no resultado com o fundo dedicado a companhias americanas, criado em 2010, Ferreira decidiu montar, na carteira local, posições em companhias que refletem o talento histórico do país como produtor e exportador de commodities, de olho num horizonte mais amplo. "O Brasil que vai alimentar o mundo de matérias-primas. É mais ou menos isso que temos em mente quando pensamos no futuro", explica ele.
 
O gestor acredita, principalmente, que a taxa de câmbio deve ir - ou voltar, dependendo do ponto de vista - para patamares ainda mais favoráveis aos exportadores. E como também crê que a desaceleração da economia da China não será tão forte, espera que as companhias exportadoras de commodities se destaquem.
 
Esse é o racional que explica as participações relevantes montadas na mineradora Vale (11,5% da carteira), na produtora de celulose e papel Fibria (8%), na Metalúrgica Gerdau (10%) e na Vanguarda Agro (4,6%).
 
Essas apostas convivem com posições mais conservadoras como 10,5% em Itaú e 10,8% em Indusval, banco de médio porte.
 
No ano, o fundo local, cujo patrimônio é de R$ 160 milhões, acumula perda de 7,62% - apesar de negativo, o desempenho está melhor do que a queda de 12,31% acumulada pela Índice Bovespa. A carteira é para investidores qualificados.
 
A visão do Brasil de antigamente dobrando a próxima esquina vem das mesmas percepções que levaram Ferreira a criar, em maio de 2010, o fundo dedicado ao mercado internacional após a crise global.
 
Para o fundador da Teorema, com mais de 30 anos de experiência no mercado de capitais, foi a política americana expansionista, ao injetar grande volume de dinheiro na economia global desde 2008, que segurou o dólar numa posição desvalorizada frente a outras moedas - como o real. Dessa forma, a situação da nossa moeda seria produto de uma situação artificial. Essa avaliação se acentuou com as preocupações a respeito da economia doméstica nos próximos anos.
 
Foram três os porquês que levaram a Teorema, criada em 2009, a colocar um pé fora do Brasil desde muito cedo, bem antes da estratégia se tornar quase um modismo defensivo: porque as ações nos Estados Unidos estavam baratas em 2010; porque os papéis aqui estavam caros nessa mesma época; e porque o câmbio estava [está ainda] distorcido.
 
Desde a criação (até o dia 14), a carteira global acumula valorização de 70,4% - comparado a 37,5% do CDI e 12,5% de queda do Ibovespa. O patrimônio do fundo, aberto apenas a investidores superqualificados, é de R$ 90 milhões. Só em 2013, a carteira tem alta de 37%. "Esse é um negócio que foi muito importante porque era uma discussão quase filosófica para mim. Agora, me parece que as fundações estão acordando para isso. E, se perguntar para os próximos meses, continuo preferindo bolsa americana", enfatiza Ferreira.
 
A decisão de investir fora do Brasil veio também depois do maravilhoso ano de 2009 para os investidores da bolsa local - o Ibovespa subiu 82,66%. "Começaram [os analistas de mercado] a comparar os múltiplos da bolsa brasileira com os da americana, dizendo que estavam iguais. Só que uma estava no seu melhor momento e a outra, no seu pior."
 
Enquanto internamente Ferreira exerce, sempre que pode, o papel de investidor 'ativista', nos Estados Unidos mantém-se apenas em aplicações mais tradicionais. Aqui, por exemplo, esteve no epicentro do movimento de mudança no conselho de administração da Gafisa, junto da gestora carioca Polo Capital, numa iniciativa inédita que reuniu diversos fundos.
 
Já na terra do 'Tio Sam', a estratégia é identificar empresas amplamente conhecidas, já vencedoras em seus mercados, mas defasadas nos preços e com uma atuação global suficientemente grande para protegê-las de uma desaceleração da economia após a crise em 2008. Essas características balizaram as escolhas.
 
"Nosso compromisso é e sempre foi com o Brasil. Porém, as oportunidades mais de curto prazo estavam fora e o investidor precisa dessa liberdade", explica ele.
 
Foi seguindo esse raciocínio que Ferreira fez uma espécie de "volta às origens", com a Teorema. A aplicação de maior retorno já feita na carteira - que dobrou de valor durante o período investido - foi na fabricante de tratores e máquinas Caterpillar.
 
"Não dava para pensar em crescimento no Brasil, na China e nos emergentes, em geral, sem pensar em tratores. O cenário era bom para o negócio", explicou Ferreira, sobre a escolha da Caterpillar. A atuação de Ferreira como gestor nasceu da decisão de aplicar o caixa da companhia do pai - justamente uma revendedora Caterpillar, a Bahema Equipamentos - em busca de um melhor retorno para o dinheiro. Foi assim até o momento em que gerir recursos se tornou um negócio maior, em meio a todas as mudanças pelas quais o Brasil passava.
 
Ele acredita que usa muito mais o que aprende aqui para selecionar seus investimentos lá fora do que vice-versa. Ferreira afirma que sua experiência vem dessa atuação ativa junto às companhias em que a Bahema Participações investia, que permitiu a ele a aproximação de diversos negócios e a participação em muitas empresas. Atualmente, acumula função no conselho de administração de nada menos do que nove companhias - SulAmérica, Gafisa, Valid, Indusval, Arezzo, Ideiasnet, Tavex, T4F e Grupo Pão de Açúcar.
 
Ferreira é conhecido por sua 'efetiva' independência nos conselhos em que participa. Primeiro porque atuar na companhia e promover mudanças é justamente sua estratégia. Segundo porque não se omite nas situações difíceis. No meio da briga entre o empresário Abilio Diniz e Casino, sócios no Pão de Açúcar, era capaz de numa mesma reunião votar num item a favor de Abilio e no outro, do grupo francês, sem cerimônias.
 
A aposta histórica e mais certeira da Bahema Participações - empresa que surgiu dessa atividade paralela e que aos poucos tornou-se a principal - foi uma posição em Unibanco, mais precisamente em Unibanco Holdings. Ao longo de 1986 e 1987, foram aplicados cerca de US$ 5 milhões na instituição da família Moreira Salles. Quando foi selada a fusão com o Itaú, em 2009, essa posição - 5,5% das ações ordinárias do Unibanco e 1,2% do capital total - valia nada menos do que R$ 580 milhões.
 
Então, os papéis do novo banco combinado - Itaú Unibanco - foram distribuídos aos familiares. Gradualmente, a maior parte desses papéis foi aportada na Teorema, como patrimônio inicial para os fundos. Essa estratégia, além de tudo, permitiu uma grande eficiência fiscal sobre o retorno dessa aplicação.
 
Além da Caterpillar, cujo lucro foi realizado ao fim do primeiro ano do fundo, a Teorema tem nos Estados Unidos ações do Citi (29%), da Johnson & Johnson (22%), Intel (19%), Walt Disney (15,5%), Alcoa (13,2%) e um pouquinho da Berkshire Hathaway (1,8%), do lendário investidor bilionário Warren Buffett, a quem admira. "Lá, não sou marido de mulher grávida", brinca ele, explicando por que a seleção por empresas tão tradicionais. "Sabe marido de mulher grávida, que sai na rua e só vê gestante? Então, fora do Brasil eu sou um investidor comum, não dá para identificar personagens e oportunidades para atuação ativista", explica.
 
Mesmo não podendo participar ativamente das companhias em que aplica nos Estados Unidos, Ferreira prefere uma carteira concentrada. "O ideal está mais para 5 ativos do que para 15", diz ele.
 
Outro canto do mundo que anda no radar é a Espanha. Em função de sua atuação no conselho da companhia têxtil Tavex, o gestor está atento às oportunidades naquele país.


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