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Perda na renda fixa soma R$ 250 bi

Veículo: Valor Econômico

Seção: Finanças

Fonte: Lucinda Pinto e Thais Folego 

Cidade: São Paulo

 

O mercado de renda fixa viveu uma nova onda de instabilidade nos últimos 15 dias, capaz de elevar o prejuízo acumulado no ano pelos investidores desses papéis. Segundo cálculos de especialistas, a perda potencial do conjunto de títulos públicos prefixados e atrelados a índices de preço já alcança R$ 250 bilhões. Somados, esses títulos representam uma carteira de cerca de R$ 1,5 trilhão.

 
Trata-se de uma perda meramente contábil, que tornar-se efetiva apenas caso haja saques por parte dos aplicadores. O movimento é fruto do aumento do desconforto com a política fiscal do país e do receio de que o Brasil tenha rebaixada sua classificação de risco nos próximos meses.
 
Essa rodada de deterioração dos ativos é explicada pela disparada dos juros futuros, acompanhada pela exigência de prêmios cada vez mais altos pelos investidores que decidem comprar os títulos públicos. Em apenas 15 dias, as taxas futuras de juros chegaram a subir mais de um ponto percentual. É uma alta forte, equivalente ao que o Comitê de Política Monetária (Copom) levou quase três meses para fazer, em suas reuniões. "Sem dúvida, é um movimento contracionista, que pode ter o efeito de ajudar o Copom no combate à inflação, mas também tem efeito direto sobre atividade", diz um experiente analista.
 
Um bom exemplo é o DI com vencimento em janeiro de 2017 - um dos mais negociados na BM&F -, que saiu de 11,30% em 30 de novembro para perto de 12,30% no início desta semana. Ontem, o contrato cedia e era cotado a 11,97%.
 
Não bastasse esse movimento, o investidor disposto a comprar títulos públicos passou a pedir um retorno ainda maior. O papel prefixado paga uma taxa extra em relação ao contrato de juro futuro de prazo equivalente de quase 12 pontos base no caso da LTN com vencimento em julho de 2017, ante cerca de sete pontos em meados de outubro.
 
Os papéis indexados à inflação de mais longo prazo, como as NTN-Bs, voltaram a pagar uma taxa de juros na casa de 6%, o que voltou a chamar fundos de pensão e gestores de fundos para o jogo. "Na nossa visão essa taxa já embute um prêmio de risco considerável e estamos começando a pensar em realocar", diz Sandra Petrovsky, superintendente de investimentos da Votorantim Asset Management. "São taxas em níveis interessantes, e pode ser que subam ainda mais", diz Roberto Cintra, gestor dos fundos de estratégia macro da Quest Investimentos.
 
Essa é a segunda onda do ano de forte instabilidade do mercado de renda fixa, que atrai investidores que não gostam de correr riscos. No fim de maio, quando entrou na pauta do mercado a possibilidade de o Federal Reserve (Fed) começar a reduzir os estímulos monetários, os juros dos Treasuries dispararam, levando a um rebalanceamento global das carteiras. O resultado foi a saída de investidores estrangeiros aplicados no Brasil, disparada de mais de 2,50 pontos percentuais do DI de janeiro de 2017 e paralisação do mercado de títulos públicos, que perdeu a capacidade de definir o preço justo dos papéis. Quadro que levou o Tesouro Nacional a intervir, oferecendo a possibilidade de recompra dos títulos. E culminou na decisão do governo de retirar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que incidia sobre as aplicações de estrangeiros nesse mercado.
 
Exatamente porque o mercado já havia passado por uma acomodação nos últimos meses, há diferenças importantes no movimento que se vê agora. "Não há a saída de estrangeiros e é visível que os fundos de pensão aproveitam para comprar os papéis de longo prazo, de olho no rendimento alto, o que contribui para amortecer o movimento", afirma o diretor de renda fixa da Franklin Templeton, Marco Freire. "Por isso, embora volátil, o mercado não está disfuncional", explica. O problema, diz ele, é que a disparada das taxas ocorre em bases altas, o que torna o ambiente mais arriscado.
 
Outra diferença em relação ao movimento de maio é que, desta vez, questões locais têm um peso maior na piora do humor. Embora os juros dos Treasuries tenham voltado a subir, puxando as taxas de outros emergentes, por causa do debate em torno da mudança da política monetária americana, o estrago aqui é mais forte. Agentes são unânimes em afirmar que isso se deve ao resultado fraco das contas públicas em setembro, que colocou em xeque o cumprimento da meta fiscal do ano, reforçou o receio do rebaixamento do rating do Brasil e levou agentes a considerar que o ciclo de aperto monetário em curso pode ser insuficiente para conter a inflação, diante dos gastos públicos crescentes.
 
"Acho que o mercado não estava pensando muito nessa questão [fiscal], e passou a olhar para ela após os números de setembro", afirma o diretor executivo e chefe de pesquisas para mercados emergentes das Américas da Nomura Securities, Tony Volpon. "Estava todo mundo preocupado com a inflação, com o 'tapering'. E teve de incorporar os riscos fiscais ao preço", diz. Para Volpon, além dos números, assustou os agentes a tentativa do governo de tentar convencê-los de que a situação está sob controle. "Havia uma visão de que a ameaça de rebaixamento de rating iria disciplinar o governo, mas não foi isso que aconteceu."
 
Apesar das agências de rating indicarem que nada deve mudar até as eleições, analistas entendem que um "downgrade" já está "no preço". "O que não está ainda embutido na recente alta de juros é a possibilidade de a perspectiva do rating continuar negativa. Isso reforçaria o risco de perda do nível de grau de investimento e provocaria ainda mais instabilidade", diz um analista.
 
Diante desse receio, boa parte do mercado tem reforçado suas posições em títulos prefixados de curto prazo - demanda que tem sido atendida pelo Tesouro nos leilões semanais, nos quais o volume de LTNs de curto prazo tem sido robusta.


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