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Definição de base

Veículo: Valor Econômico
Seção: Especial Energia
 
Nos últimos meses, as termelétricas a gás natural têm gerado quase 20% da eletricidade consumida no Brasil, por causa do nível mais baixo dos reservatórios das usinas hidrelétricas em uma década. Apesar de criar pressões sobre a conta de luz, o despacho das térmicas tem sido necessário para afastar o risco de racionamento neste e no próximo ano.
 
A fragilidade do sistema interligado ocorre num momento em que o país enfrenta dificuldades para colocar de pé projetos hidrelétricos, cujo custo é mais baixo em relação a outras fontes. Diante desse cenário, que também envolve volatilidade de preços da energia e demanda crescente, ganha força a discussão sobre a melhor maneira de compor a matriz elétrica nos próximos anos. Essa foi a tônica dos debates do 14º Encontro Internacional de Energia, promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na segunda e terça-feira passadas, em São Paulo.
 
Com cerca de 85 mil MW já aproveitados em empreendimentos hídricos, o Brasil detém o terceiro maior potencial hidrelétrico do mundo, estimado em cerca de 170 mil MW em novos projetos, dos quais 70% se encontram na região Amazônica. "Apesar do grande potencial e de todas as vantagens, nota-se um decréscimo relativo na oferta de energia hidrelétrica, impactando negativamente a matriz energética, com aumento das emissões de gases de efeito estufa e perda da capacidade de armazenamento de energia nos reservatórios", afirma o diretor titular de infraestrutura da Fiesp, Carlos Cavalcanti.
 
Uma usina hidrelétrica, lembra Cavalcanti, emite cem vezes menos gases de efeito-estufa do que uma térmica a gás natural e 250 menos do que uma térmica a carvão. Os projetos hídricos ainda têm custo de geração mais baixo: cerca de R$ 85 o MWh, informa. Nos últimos dias, a Fiesp tem feito uma campanha pública apoiando a construção de hidrelétricas com grandes reservatórios.
 
Desde a década de 1990, por conta de pressões ambientais, o Brasil tem privilegiado investimentos em hidrelétricas a fio d'água, ou seja, sem reservatórios de armazenagem, ao contrário do que se via nas décadas de 1970 e 1980. Por aproveitarem a vazão do rio, as usinas a fio d'água dispensam a construção de grandes reservatórios, o que reduz a área alagada. Na década de 1970, a capacidade dos reservatórios possibilitava o armazenamento de energia em até três anos. "Hoje é de apenas cinco meses. Chegaremos em 2021 com capacidade de regularização de pouco mais de cem dias. Essa condição levará inevitavelmente ao aumento ainda maior no uso de termelétricas."
 
A posição tem rendido críticas de ambientalistas. O Greenpeace contesta essa visão alegando que não é apenas o custo econômico que deve ser visto, mas o impacto sobre pessoas, biodiversidade e o clima. Além disso, destaca que outras fontes de energia, como usinas eólicas e solares, têm ampliado sua competitividade. "As hidrelétricas com reservatório já existentes têm sua importância para o país. Mas, antes de construir novas, o Brasil pode e deve investir em caminhos que gerem menos impactos socioambientais e que, ao mesmo tempo, tragam ganhos para o consumidor", aponta Ricardo Baitelo, coordenador da campanha de clima e energia do Greenpeace.
 
Para o professor da UFRJ e ex-presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelmann, a discussão tem de ser pautada por critérios técnicos. Na Amazônia, por exemplo, há uma dúvida de engenharia: existem áreas com grande vazão de água nos rios em planícies, o que tornaria difícil a construção de grandes barragens, pela necessidade de inundação de grandes áreas. "Trata-se de uma questão técnica. O que não pode ocorrer é as equipes de engenharia abandonarem já nas planilhas a opção de usinas por reservatórios por conta das dificuldades ambientais", disse.
 
O governo acompanha de perto o debate. "É uma discussão que não pode ser simplesmente manipulada por aspectos ideológicos, até externos aos interesses da sociedade brasileira", afirma o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann. Recentes distúrbios na usina de Belo Monte teriam sido causados por garimpeiros, mas foram usados por algumas publicações internacionais como exemplos dos impactos da construção do empreendimento sobre a população indígena, exemplifica o secretário.
 
Para ele, o planejamento da matriz elétrica deve ser aberto para discussões na sociedade, mas os debates têm de focar em critérios técnicos e adotar visão ampla sobre o tema. "Uma hidrelétrica é feita para durar centenas de anos, enquanto uma térmica pode levar alguns anos e ter de ser substituída. Municípios ao redor de empreendimentos hídricos têm Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) mais altos do que os que não passaram por transformações. A visão sobre o tema deve ser ampla, tem de observar impactos ambientais, sociais, emissões de poluentes, ganhos de preservação ambiental sobre cada fonte", destaca Zimmermann.
 
Avançar com empreendimentos hidrelétricos tem sido difícil mesmo para os que não possuem reservatório, caso da usina de São Manoel, no rio Teles Pires, com 700 MW de potência. Há mais de dois anos, o governo tenta obter o licenciamento ambiental. "Além de não possuir reservatório, São Manoel não está em terra indígena e não tem grande impacto socioambiental. Mesmo assim, é difícil avançar", admite o presidente da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), Mauricio Tolmasquim. No planejamento do governo, estima-se que a capacidade hidrelétrica irá crescer 29 mil MW até 2021, sendo que cerca de 30% dessa potência ainda não foi contratada.
 
Um dos principais projetos a ser licitado é o da usina de São Luiz dos Tapajós, no rio Xingu, com capacidade de 6.133 MW. O empreendimento seria o primeiro a ser construído no rio, cujo potencial supera 10 mil MW de capacidade. A meta do governo é realizar o leilão no fim de 2014. "Ainda depende de questões ambientais e discussões com a Funai, mas estamos buscando cumprir os prazos", frisou Tolmasquim.
 
Para reduzir o impacto sobre o meio ambiente ao redor da usina de Tapajós, o empreendimento deve utilizar um modelo de construção de hidrelétricas inédito no Brasil: as usinas plataformas, conceito inspirado nas plataformas de exploração de petróleo em alto mar. Os operários são deslocados para turnos longos de trabalho e se acomodam em moradias temporárias. Como a permanência no local é de curto prazo, evita-se a atração de contingentes populacionais, reduzindo o impacto ambiental. Estima-se que a população do entorno seja dois terços menor do que a de construções comuns.
 
Na conclusão da usina, o canteiro de obras é desfeito, e todos os equipamentos e pessoas que não forem essenciais à operação são retirados do local. "A incorporação de novas tecnologias para reduzir impactos ambientais talvez seja um caminho para que as hidrelétricas possam ser mais aceitas", afirma Zimmermann.
 
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