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Indústria quer manter Mercosul com 'ajustes'

Veículo: Valor Econômico
Seção: Brasil
 
Por Marta Watanabe e Rodrigo Pedroso | De São Paulo
 
Com o desempenho frustrante das exportações brasileiras de manufaturados nos primeiros meses do ano, a discussão de uma agenda para ampliar os acordos bilaterais ganha mais força e revela diferenças sobre o Mercado Comum do Sul (Mercosul) entre entidades que representam a indústria.
 
A divergência pode ser vista dentro da própria Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A entidade está lançando um documento em que diz que é "um falso problema" a ideia de que a participação do Brasil no Mercosul é um impeditivo para a realização de acordos preferenciais de comércio. A federação defende que o Brasil precisa liderar a definição dos países com os quais o bloco deve iniciar negociações de acordos.
 
 
Essa não foi, porém, a posição da Fiesp que veio a público durante muito tempo. O diretor de comércio exterior da federação, Roberto Giannetti, já declarou que o Mercosul, como união aduaneira, cria uma "camisa de força" por impedir o Brasil de assinar acordos sem a anuência dos demais membros do bloco. Ele chegou a defender a transformação do Mercosul em área de livre comércio.
 
O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) também tem sido mais crítico. Em estudo recente, a entidade observou que "o Mercosul e os demais países da América Latina são insuficientes para garantir o volume das exportações brasileiras e as novas cadeias de valor que se formam através dos blocos econômicos não contam com a presença do Brasil. Desse modo, mostra-se a necessidade de o Brasil buscar novos parceiros preferenciais de comércio." Procurados, os dirigentes da entidade não se manifestaram.
 
O Mercosul, para o Brasil, perdeu fôlego. Enquanto a corrente de comércio com Argentina, Uruguai e Paraguai cresceu 158% entre 2003 e 2007, com o superávit saindo de quase zero para US$ 5,7 bilhões, nos cinco anos seguintes a corrente de comércio do país com o bloco cresceu só 14%. O saldo positivo, por sua vez, encolheu 51% segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).
 
José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), tem opinião semelhante. "Numa área de livre comércio os países poderiam se beneficiar de reduções tarifárias entre si, mas cada um teria independência para celebrar acordos", defende. "O problema do Mercosul é a necessidade da anuência de todos. O Mercosul é o Confaz do comércio exterior", compara.
 
Thomas Zanotto, diretor-adjunto de comércio exterior da Fiesp, diz que não houve mudança de postura da entidade. Segundo ele, a presidência sempre defendeu o fortalecimento do Mercosul em razão da importância dos países do bloco como destino das exportações brasileiras, principalmente manufaturados. "Roberto Giannetti é uma das melhores cabeças de comércio exterior, mas em relação ao Mercosul ele tem entendimento diametralmente oposto ao da Fiesp", diz Zanotto.
 
O diretor-adjunto lembra que hoje há dificuldades comerciais com a Argentina, o maior parceiro comercial do Brasil dentro do bloco. "Os argentinos estão numa situação complexa, mas são nossos clientes e continuarão nossos vizinhos após a crise." Ele destaca o comércio brasileiro de veículos e autopeças com os argentinos, além da importância do país vizinho na venda de máquinas, têxteis e calçados. "Isso não quer dizer, porém, que podemos ser complacentes e aceitar práticas como desvio de comércio, por exemplo."
 
Segundo Zanotto, o Mercosul tem regras flexíveis. Isso permite, inclusive, que em acordos comerciais amplos haja adesão gradual de alguns Estados membros. "E não podemos partir do princípio de que algum país não vai anuir um acordo-quadro."
 
Rabih Nasser, professor de direito internacional da Direito GV, diz que, dentro do Mercosul, a Tarifa Externa Comum (TEC) é um fator que dificulta as negociações. Embora haja exceções, pela TEC se define que os países cobram as mesmas tarifas dos que estão fora do bloco. "Isso é o que caracteriza a união aduaneira." Juridicamente, nada impede que os países do Mercosul estabeleçam flexibilizações negociadas dentro dos acordos, com prazos diferenciados para adesão às regras e tarifas, diz ele.
 
No documento "Agenda de Integração Externa", a Fiesp defende a reincorporação do Paraguai ao Mercosul até 15 de agosto, quando tomará posse o novo presidente paraguaio eleito. O documento também propõe buscar alternativas negociadas às barreiras comerciais existentes no bloco, sem permitir, porém, que ocorra qualquer tipo de retrocesso à livre circulação de mercadorias, serviços e capitais.
 
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) também é mais favorável à tentativa de solução dentro do Mercosul. Para Carlos Abjaodi, diretor de desenvolvimento industrial da entidade, o "Brasil não tem que desanimar do bloco, mas precisa de novos caminhos." Ele também aponta a flexibilização de regras do Mercosul como alternativa. Um exemplo, diz, é o acordo com a União Europeia, ao qual a Argentina resiste. "Se três países estão dispostos a fechar o acordo, os outros dois não assinam e aguardam para ver se querem ou não entrar mais tarde", sugere.
 
O diretor afirma que até mesmo em virtude do cenário externo, o Mercosul "deveria estar mais forte, mas estamos sentindo uma série de restrições." Abjaodi diz que há uma necessidade de ampliação de acordos, pois "o mercado doméstico não aguenta a nossa indústria." "Se o Mercosul está deprimido, temos que buscar novos parceiros, mas sempre tentando encontrar soluções dentro do bloco."
 
Entidades setorizadas, como Abimaq e Abicalçados, também apontam as vantagens do bloco, apesar das dificuldades em ampliar acordos comerciais. A redução de tarifas de exportação proporcionada pelo Mercosul ajudou o setor brasileiro de máquinas e equipamentos a se internacionalizar. Contudo, o bloco coloca atualmente "um freio maior do que o desejado" nos acordos de livre comércio com outros países e blocos, diz Klaus Curt, diretor de comércio exterior da Abimaq, que representa as empresas do setor.
 
A associação está negociando os termos de inclusão do setor no acordo geral entre Mercosul e União Europeia. A Argentina, porém, não acena com uma possibilidade de entendimento. Um dos principais pontos citados por Curt é a cesta de produtos sensíveis que deve ser negociada tanto do lado do Mercosul quanto da União Europeia. Os europeus querem no máximo 10% dos produtos do setor sem diminuição de tarifas de importação. A indústria brasileira pleiteia uma porcentagem maior, enquanto a Argentina disse não ter interesse em incorporar máquinas e equipamentos no acordo.
 
A indústria de calçados brasileira é um dos setores que mais se beneficiaram com a redução a zero de tarifas de importação adotadas com a criação do Mercosul, mas o setor também deseja mais acordos. Segundo Heitor Klein, presidente da Abicalçados, estão em andamento negociações para reduzir tarifas com a indústria de calçados italiana, dentro do acordo entre Mercosul e União Europeia, e com os fabricantes mexicanos, como parte da ampliação do acordo bilateral entre os dois países.


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