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China provoca megaprotesto, mas vira defesa em Jacutinga

Veículo: Valor Econômico

Seção: Brasil

 
 
Por Flavia Lima | De Jacutinga (MG)
 
A apresentação do que, se tudo der certo, deve ser reconhecido como o maior cachecol do mundo, tem tudo parar, amanhã, o pequeno município de Jacutinga, polo têxtil de 23 mil habitantes localizado no sul de Minas. O acessório é a mais vistosa bandeira da cidade contra a chamada "invasão de produtos asiáticos" e o seu tamanho dá a medida do que parece ser a insatisfação geral do setor com relação às importações chinesas: são 60 quilômetros de tecido (ou 2.500 quilos de fio), que, depois de dois anos em produção vêm, desde segunda-feira, sendo estendidos com a ajuda de 35 pessoas sobre o campinho de futebol local.
 
O dado interessante é que a cidade vem se defendendo das condições adversas exatamente como boa parte da indústria têxtil nacional: recorrendo ao seu pior inimigo. Fabricantes da região começaram a importar da China e oferecer os produtos aos clientes junto com sua própria produção.
 
Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) indicam que, desde 2000, a balança comercial de Jacutinga foi superavitária em apenas dois anos: 2003 e 2009. Empreendedores locais dizem, porém, que nos últimos cinco anos o produto chinês começou a incomodar com maior intensidade. Entre 2007 e 2012, o volume de importações da cidade cresceu mais de 500%, para R$ 9,870 milhões - 21% desse total vindo da China. Essa estratégia de "defesa" foi adotada por um grupo pequeno, de cerca de dez malharias, mas são as maiores empresas de Jacutinga que hoje importam.
 
Com 1,3 mil malharias de pequeno e médio portes, Jacutinga é responsável por 30% da produção nacional de malha retilínea - o tricô industrializado, voltado para os períodos mais frios. A crescente competição com produtos chineses, ao lado de outros fatores, como clima desfavorável e economia em marcha lenta, provocaram, apenas no ano passado, uma queda de 15% nas vendas das 30 milhões de peças produzidas, em média, anualmente.
 
O mercado de trabalho da região - conhecida como circuito das malhas e que, além de Jacutinga, inclui Monte Sião, Inconfidentes, Ouro Fino e Borda da Mata - também foi duramente afetado: 1,8 mil pessoas, ou 13% dos 14 mil funcionários empregados na indústria local, foram dispensadas logo após o fim do inverno, estação que concentra nada menos do que 90% da produção. Uma maior informalidade e até mesmo a sonegação, diz uma fonte que optou por não ser identificada, são os efeitos menos comentados do acirramento da concorrência chinesa.
 
Entre as principais reclamações de produtores locais ouvidos pelo Valor estão os custos da matéria-prima, a rigidez da legislação trabalhista e o peso da tributação. "A indústria têxtil é um dos maiores empregadores do país. Outros emergentes veem isso como algo crucial e oferecem incentivos à produção. Já a nossa indústria está sendo trocada para que o Brasil venda frango e soja para outros países", diz o presidente da Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Jacutinga, Dennys Bandeira.
 
 
O setor têxtil e de vestuário brasileiro reúne mais de 30 mil empresas, que geram 1,7 milhão de empregos diretos. É o segundo empregador da indústria de transformação, atrás apenas de alimentos e bebidas, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e da Confecção (Abit). Desde 2011, o setor fechou 12 mil postos de trabalho e registrou queda também no faturamento: em 2012, ele caiu 15,3% para US$ 56,7 bilhões. A produção de têxteis recuou 4,6% e a de confeccionados, 10,5%.
 
Jacutinga não ficou atrás. Nos últimos anos, a cidade assistiu ao sumiço dos grandes varejistas, compradores importantes do produto local. Sem números sobre o total de produtores, Bandeira dá como exemplo o que aconteceu consigo próprio. Proprietário de uma malharia local de médio porte, a Noggle, o presidente da associação comercial vendia 700 mil peças ao ano para os grandes magazines em 2007. Hoje o volume não chega a 15 mil peças.
 
Dono da Malharia Jacutinga, José Francisco Pioli Carvalho afirma que os produtores de menor porte vivem mesmo é dos pequenos comerciantes que, sem acesso à malharia de melhor qualidade vinda da China - hoje importada pelos grandes magazines - embarcam nas famosas excursões em ônibus vindos do Sul e de São Paulo em busca do produto local. "Em Ouro Fino tem a estátua do menino da porteira. Eu acho que a gente tem que fazer uma da santa sacoleira porque é ela que nos garante", diz "seu" José Francisco, como é conhecido. "Quando esses pequenos comerciantes alcançarem os produtos chineses de maior qualidade, não existiremos mais."
 
Seu José Francisco está do lado dos produtores que não importam um botão, mas admite que, ainda que quisesse, não teria estrutura e nem condição econômica para fazê-lo. Assim, fica bastante irritado ao falar da concorrência chinesa e elegeu como tema de maior preocupação a triangulação - a entrada do produto chinês via países que não pagam tributação. "Se esses produtos entrassem por vias normais, amenizaria, mas não seria a solução. Os países de Primeiro Mundo subsidiam sua agricultura. E nós?", pergunta.
 
Na outra ponta, Nóbile Caramel Júnior, da Malharia Nacional, está à frente de uma das grandes empresas de Jacutinga que importam parte considerável do que vendem. Entre produção e importação, são 300 mil peças por ano. Ele diz que já lutou muito contra as importações, mas há alguns anos jogou a toalha. "Cheguei à conclusão que não há como competir se o fio no Brasil custa três vezes mais do que na China", diz. Para ele, a tendência é que o mercado se abra cada vez mais ao produto chinês. Hoje, a Nacional importa cerca de 35% do que vende, mas o executivo avalia que isso pode chegar a 50% em até cinco anos.
 
Na avaliação de Caramel, Jacutinga briga contra o que chama de "inevitável", principalmente porque a cidade ecoa questões de relevância nacional, como a falta de mão de obra qualificada. "As filhas das costureiras não querem assumir nenhuma função ligada ao processo produtivo, elas querem trabalhar no comércio, lidar com o público." Do lado dos empresário, afirma, há aqueles que não estão capacitados para entender mercados diferentes. Por fim, Caramel, avalia que Jacutinga tem também de se desligar da sazonalidade. "O dono de malharia acorda e coloca o dedo na boca para ver se o vento está batendo mais frio, mas acho que isso não cabe mais no nosso modelo de negócio", diz.
 
Em resposta às críticas, a cidade vem se mexendo. O município, que era eminentemente industrial, viu seu número de lojas saltar de 450 para 750 em três anos, em uma tentativa de diversificar o negócio e atrair o consumidor para gastar mais na cidade. Os produtores apelaram também à terceirização do trabalho. Hoje, não há quem não tenha parte ou até mesmo a totalidade da sua produção nas mãos de microempreendedores, geralmente famílias inteiras envolvidas com a produção. "Há quatro anos trabalho assim e consegui alcançar custos fixos mais baixos e competitividade", diz Bandeira, da associação comercial.
 
Ele diz ainda que hoje 20% das confecções já trabalham com tecido plano - tricoline e malharia circular, voltadas para estações mais quentes no ano - e buscam o que chama de "informação de moda". "Daqui a cinco ou dez anos espero ver Jacutinga além de um polo têxtil, um polo produtor de moda. Queremos ser sinônimo de qualidade, não só no tricô, mas no tecido plano também. Mas, para isso, precisamos de um empurrãozinho do governo."
 
Silvia Costanti/Valor / Silvia Costanti/Valor
O cachecol de 60 quilômetros vai sendo estendido no campo de futebol de Jacutinga: cidade protesta contra a "invasão" dos produtos têxteis chineses

 



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