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"Tarefa da OMC será evitar retrocessos no comércio global", diz candidato brasileiro

Veículo: Folha de S. Paulo
Seção: Mundo

LUCIANA COELHO
DE WASHINGTON


Paralisada há cinco anos pelos impasses na rodada Doha de liberalização do comércio global, a Organização Mundial do Comércio escolhe agora um novo diretor-geral que terá como missão recobrar a relevância de uma instituição essencial ao crescimento econômico global.

O brasileiro Roberto Azevêdo, cuja candidatura foi lançada pelo governo no fim de 2012, desponta como um dos favoritos entre os nove candidatos para suceder Pascal Lamy, que nos próximos dois meses se submeterão a três etapas de votação pelos 159 países-membros.

 À frente da missão do Brasil na OMC desde 2008, o embaixador tornou-se respeitado e querido em Genebra, onde fica a sede da organização.

Seu nome, porém, é menos conhecido nas capitais, de onde partirá a decisão e onde a tendência é ligar sua candidatura à política comercial do Brasil -- vista como protecionista por observadores e analistas estrangeiros.

Para apresentar suas ideias e dissociar seu nome de Brasília, Azevêdo, 55, embarcou numa corrida maluca: desde janeiro, visitou 46 países.

Na semana passada, o diplomata passou 48 horas em Washington, onde se encontrou com Demetrios Marantis, chefe interino do equivalente a Ministério do Comércio Exterior, e com representantes da Casa Branca, do Congresso e do setor privado.

Fez uma pausa também para conversar com a Folha, na residência oficial do embaixador brasileiro em Washington, antes de voltar a Genebra e dali voar para Doha e depois Durban, onde o périplo segue até meados de abril.

A votação na OMC ocorre por meio de consultas sigilosas aos países-membros, que apontam seus favoritos. Até 9 de abril, quatro serão eliminados, e depois, três, até o resultado sair no fim de maio.

"Estou satisfeito. E estou tranquilo", afirmou. "Não esperava [que corresse tão bem]. Quando a campanha começa, há muita incerteza."

Eis a entrevista.

*


Folha - Você se reuniu com representantes do governo dos EUA. Como foi a conversa?

Roberto Azevêdo - Muito boa. Já estamos mantendo contato há tempo. Não tem nada novo, a ideia era vir, fazer um gesto, conversar com eles. E como nas vezes anteriores, a conversa foi ótima.

Eles não declaram voto?

Eu não comento sobre o apoio ou não-apoio de nenhum país, eles que digam.

Nos encontros que o sr. tem mantido, quais preocupações são levantadas sobre a OMC?

Quando eu apresento minhas prioridades, sobretudo na área do pilar negociador, que as negociações estão bloqueadas há muito tempo, que é preciso encontrar uma solução para a rodada Doha, desbloqueá-la, porque aí você desbloqueia não só a rodada, mas a organização, pois você começa a ter mais espaço para discutir outras coisas que acabam nem entrando na agenda porque os membros não querem, de maneira geral, discutir novas coisas com o temor de que se abandone de vez a rodada. Desbloquear a rodada significa desbloquear a organização como um todo.

Quando eu digo essas coisas, todos eles, de maneira geral, coincidem que esse é o maior problema e deveria ser a prioridade do próximo diretor-geral. Todos falam muito da importância de ter algum resultado [na reunião ministerial de] Bali [no segundo semestre], também. Muitos estão também preocupados com que os países passem a fazer sempre opções por negociações bilaterais ou plurilaterais em detrimento do sistema multilateral. As duas coisas sempre existiram juntas, caminhavam juntas, mas o que está acontecendo hoje é que o multilateral bloqueou de vez, e só tem uma vertente caminhando.

Há preocupação com a perda de relevância da OMC?

Sem dúvida, todo mundo fala isso, há preocupação com a perda de relevância e de interesse pelo multilateral, e também com o fato de que a OMC na verdade tem regras e disciplinas que o mundo operava em termos de negócios no início dos anos 80. Nós estamos falando de um sistema que está defasado há 30 anos.

O sr. falou em mudar os pilares de negociação. A rodada Doha empacou por causa de uma resistência grande entre dois grupos de países. O que poderia haver de diferente para dissolver as divergências?

Nos anos imediatos que se seguiu ao impasse era com a crise. Ninguém sabia quantificá-la, não sabia o tamanho, as consequências. Hoje a crise é uma coisa quantificada, e está embutida nos cálculos. Ninguém acha que seja uma coisa passageira, que amanhã estaremos bem, mas na maior parte dos casos achamos que o pior já passou, que agora haverá uma recuperação, lenta e gradual, e vai demorar um pouco para uma recuperação completa.
Acho também que nos momentos que se seguiu ao impasse houve muitas tentativas de se fazer o pacote que estava sobre a mesa funcionasse, e portanto a ideia era convencer o outro lado a pegar o que estava na mesa. E não deu. Hoje ninguém mais espera que o outro lado pegue o que esteja na mesa. Então partimos de uma situação de negociação diferente, em que todo mundo já conhece as sensibilidades, as impossibilidades da negociação, e haverá uma disposição de trabalhar de uma maneira mais criativa. Não vai ficar perdendo tempo, um tentando convencer o outro.

Concordar em discordar?

Isso, e encontrar o que podemos fazer dentro da discordância. Outra coisa importante é que todos querem o acordo. A OMC já está paralisada há muito tempo, e não dá para ficar esperando que as estrelas se alinhem.
Se a gente ficar mais cinco, dez anos com o sistema paralisado a organização talvez tenha uma perda de relevância irreversível, porque aí o mundo vai desenvolver mecanismos de negociação que vão passar ao largo do sistema multilateral.
Hoje, se você conseguir que o sistema se torne viável como foro negociador, as pessoas voltam. Se você demorar cinco, dez anos, as pessoas vão encontrar outra cultura negociadora, a OMC vai perder sua relevância de vez. Diante desse quadro, acho que as pessoas estão mais dispostas a negociar. O que acontece é que elas não sabem como sair do impasse.

Se espera do próximo diretor-geral a fórmula mágica?

Acho que não existe fórmula mágica, mas acho que existem maneiras de se encontrar a negociação se houver duas coisas: interesse em sair do impasse e uma liderança capaz de trazer as pessoas para a mesa e fazer a negociação acontecer de maneira construtiva, com confiança, em que os dois lados acreditem que o outro quer a solução. É possível fazer sem esse facilitador, mas levaria dez anos.

No quadro que o sr. descreve, essa confiança melhorou.

Não sei se a confiança melhorou, o que melhorou foi a vontade.

O sr. falou em criatividade para criar consensos. Onde o sr. vê caminhos?

Os temas do impasse nós sabemos quais são, e sabemos o tamanho das lacunas, e as maneiras de abordar o tema que temos na mesa.

Os países desenvolvidos querendo mais acesso aos mercados nos países em desenvolvimento...
E os países em desenvolvimento querendo mais acesso aos mercados dos países desenvolvidos, mas em outras áreas. Há uma discordância sobre o que isso pode fazer na área de bens industriais e na área de agricultura. O que se pede em agricultura para se dar em bens industriais o outro lado não quer, e vice-versa.

Mas isso é o coração do comércio internacional. Onde dá para comer pelas beiradas?

Tem várias coisas, e eu não posso falar. O impasse se dá em determinadas áreas de bens industriais. Tem maneiras de fazer. E tem que ser no impasse, se você não ver solução no impasse não adianta nada. Agora, para Bali, se resolveu evitar os pontos problemáticos. Mas para resolver Doha isso não vai funcionar, você tem que ir direto no impasse e descobrir o que dá para fazer, para vender isso em todos os países, sem reduzir a ambição.

Como chefe da missão brasileira, o sr. levou o debate sobre o câmbio à OMC. Este é um debate que o sr. levaria como diretor-geral também?

O diretor-geral não pode levar nada. São os membros que levam. Ele pode propor, mas são os membros que vão decidir. Tanto o câmbio quanto qualquer outro tema dependeria de os membros interessados convencerem os membros que não estão interessados em discutir.
O diretor-geral é um facilitador, que tem que ajudar a fazer com que a negociação aconteça. Ele até pode sugerir coisas, mas é bom tomar cuidado. Raramente você vai ter uma ideia que seja aceita por todos os membros de maneira indiscutível. Se ele sai muito propositivo em uma área ou outra ele rapidamente vai criar um problemão com metade dos membros.

Acho que tem o momento de ser ativo, e o motivo de ser cauteloso. Tudo isso depende de como o sistema evoluir.

Chegou a haver uma discussão sobre enterrar Doha e começar outra coisa, outra rodada.
Não acho que seja possível, não é politicamente viável. Hoje, 90% dos problemas que você tem na OMC vêm do medo dos países em desenvolvimento de que se abandone a rodada. E para começar de novo, começaria em que base? Mais fácil ajustar o que está lá.

Qual o papel do avanço na liberalização do comércio internacional no pós-crise?

Acho importante, primeiro, evitar que se caminhe para trás, sobretudo no sentido de proteção. A OMC foi muito importante para evitar que medidas protecionistas fossem adotadas de forma desenfreada -- o aumento foi muito mais modesto do que houve no momento, e o comércio continuou crescendo. Muita gente -- e eu também -- creditou isso às disciplinas da OMC. Essa é a primeira coisa. A segunda é ir criando espaços para ir liberando o comércio progressivamente. Só que isso não é algo que se consegue da noite para o dia.
Mesmo o mundo desenvolvido levou meio século para ir baixando as tarifas, e ainda hoje há picos tarifários e setores mais protegidos, como têxteis e agricultura. O processo é lento, mas não pode perder o sentido. A relevância maior do sistema multilateral é essa.

O Brasil costuma ser destacado, sobretudo na imprensa internacional, como país protecionista, embora não tenha sido o único a tomar medidas que sejam vistas como protecionistas. O sr. vê resistência em relação ao Brasil, ou questionamentos, por causa disso? O sr. ouviu reclamações?

Reclamação propriamente não. Claro que para vários países daria mais conforto se o candidato fosse de um país percebido como livre-cambista. Até porque na maioria das vezes é difícil nas capitais... Em Genebra as pessoas me conhecem, sabem como eu atuo. Mas nas capitais a tendência é associar a pessoa ao país, e aí cada um faz o julgamento de como ele vê aquele país, se é um país com visão, com política comercial, parecida com a dele ou não.
Ao longo da campanha, porém, a ideia é dar a imagem do candidato de como ele é, porque quando ele for eleito ele vai ser uma pessoa totalmente independente [de seu país], que vai receber instruções dos membros e pautar sua atuação com base nos princípios constitutivos da OMC, independentemente da política do país dele.
Ele tem que ser absolutamente imparcial, porque na medida que ele for percebido como um diretor-geral que empurra uma determinada agenda, ele perde a efetividade rapidamente.

Quem o sr. enxerga como os mais qualificados?

Todos são muito qualificados, todos de primeira linha. A organização vai estar muito bem servida, não importa quem seja. Mas alguns estarão em condições de ajudar mais do que outros, pela experiência, o conhecimento do sistema, pelo trânsito entre os negociadores, pela confiança que têm dos membros.

Algum dos candidatos defende a agenda de seu país?

Não, não pode, porque perderia imediatamente a eficácia. O diretor-geral não só tem que ser imparcial como tem que ser percebido como sendo uma pessoa imparcial. O que ele tem que fazer é encontrar e facilitar consensos onde for possível. O que ele tem que fazer é zelar para que a organização caminhe dentro de seus princípios constitutivos. Se ele começar a se associar com uma determinada linha, a organização será acéfala por muitos anos.

Há uma ressalva em relação à sua candidatura que se repete: o fato de o sr. nunca ter tido cargo ministerial, como tiveram ou têm muitos dos demais candidatos. O que o sr. acha disso?

Acho que é uma crítica sem substância. A efetividade de um diretor-geral não está vinculada aos cargos que ele ocupou, mas à sua capacidade de liderar a organização.
Desde que a OMC entrou em vigor, em 1995, todos os diretores-gerais que foram ministros não conseguiram nenhum resultado, e os que conseguiram não eram ministros. E um argumento que eu ouço muito, de que os ministros falam com chefes de Estado, é conversa. Você vai me dizer que um candidato vai ligar para a presidente Dilma Rousseff e ela vai atender o telefone? Ela vai atender o diretor-geral da OMC, e se a OMC estiver fazendo alguma coisa que seja relevante.
Agora, se chegar na rodada final e for [disputar] eu com uma pessoa que for ministra, a pessoa vai usar as coisas óbvias [para defender sua candidatura]. Vão dizer que eu sou de um país visto como protecionista, que eu não sou ministro. Porque apontar para as qualidades profissionais vai ser difícil.

 

Fabrice Coffrini/AFP  
Candidato do Brasil à presidência da OMC, Roberto Azevêdo, em entrevista coletiva na organização em 31 de janeiro

 

Candidato do Brasil à presidência da OMC, Roberto Azevêdo, em entrevista coletiva na organização em 31 de janeiro.


 



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