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Portas fechadas

Veículo: O Estado de S. Paulo
Seção: Economia

José Paulo Kupfer

Com a crise de 2008 e o refluxo do ciclo de fortes altas nos mercados de produtos primários supridos por gigantes como o Brasil, as condições de expansão da economia, vigentes a partir de 2000, mudaram. Mas, antes ou depois da crise, os formuladores de políticas econômicas, dentro e fora do governo, sabemos agora, não foram capazes de elaborar os diagnósticos adequados e executar as ações corretivas.

O consenso de que a indústria operava em condições adversas de competitividade, num mundo de produção e comercialização muito mais integrado e com novos protagonistas, em especial a China e outros asiáticos, não foi capaz de levar a decisões que virassem o jogo. Enquanto o governo imaginou bastar jogar todas as fichas na redução dos juros e, nas desvalorizações cambiais, nos “think tanks” privados insistiu-se na tecla única da redução do “custo Brasil” – o conjunto de disfunções derivado de carga tributária excessiva, base precária de infraestrutura e ambiente de negócios emperrado pela burocracia.

Esforços recentes na direção do ataque aos pontos levantados nesses diagnósticos não têm produzido as reações positivas esperadas. A falta de resposta da indústria trouxe à tona uma realidade até bem pouco tempo encoberta: O Brasil não só perdeu o bonde do sistema de produção industrial hoje predominante no mundo, como tem adotado políticas na contramão da tendência mundial. Se as cadeias de produção são hoje globais e fragmentadas, os esforços brasileiros ainda vão na linha de adensar as etapas de produção, protegendo mercados e impondo cotas de conteúdo local.

É dramático o impacto sobre o modo de produção e sobre o comércio internacional produzido pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, complementado pelos avanços em logística, com a difusão do transporte por contêineres. Com o alongamento, inclusive geográfico, das cadeias produtivas, os custos de produzir e vender puderam ser fortemente reduzidos. Mas, o Brasil, às voltas com crises recorrentes de dívida externa e virulentos processos hiperinflacionários, ficou à margem da nova onda, quando esse processo começou a se disseminar, há mais de duas décadas.

Ocorre que, mesmo depois de superados esses obstáculos básicos, não se partiu para enfrentar a histórica baixa abertura da economia ao exterior e adotar políticas de inserção da produção local nas cadeias globais de valor. Em parte por ser característica de países continentais e com grande mercado interno potencial, mas também porque os fluxos de recursos externos eram abundantes, essa falha estrutural da tessitura industrial brasileira não foi devidamente percebida e atacada.

As novas formas fragmentadas de produção e de comércio estão agora de tal forma disseminadas, que já parecem tem alcançado um primeiro limite, exposto pelo caso dos defeitos nos módulos de energia do Boeing 787 Dreamliner. Mas este é um movimento tão sem volta que levou a OCDE, em conjunto com a OMC, a revisar as bases de dados do comércio global, incorporando a noção de valor adicionado, para evitar duplas contagens nos fluxos de mercadorias e serviços, inevitáveis nos cálculos usuais.

Diante das inúmeras operações de importação, exportação, montagem, reimportação e reexportação, atravessando fronteiras algumas vezes até a venda final do produto ou serviço, as estatísticas “brutas” deixaram de retratar os fluxos reais de importação e exportação por país. As novas estatísticas, divulgadas em janeiro, para o conjunto das 40 economias mais relevantes e 18 segmentos industriais, em 2005, 2008 e 2009, separam o valor adicionado das exportações e das importações, em relação ao total bruto de cada fluxo.

O Brasil já apresentava as portas mais fechadas nas contagens brutas dos fluxos de comércio internacional. Confirma agora, nas novas séries de dados, a posição de economia pouco aberta, com reduzida inserção nos fluxos internacionais de produção e comércio – o que se reflete em exportações com elevado conteúdo local e pequena participação de bens intermediários importados.

Dois exemplos bastam para comprovar a afirmação acima. A participação brasileira no valor adicionado das exportações, em 2009, não passou de 8,6%, acima apenas da Rússia, com 7,2% e muito abaixo da Coréia, com 39,6%. E está na lanterna em participação de bens intermediários importados que, depois de transformados, são reexportados, com apenas 13,7% – contra 48,3% da campeã, a China.
 



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