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País perde mercado na zona do euro e tem déficit comercial

Veículo: Valor Econômico
Seção: Brasil

Por Juliana Elias | De São Paulo

Depois de chegar à beira do colapso em 2012, a União Europeia (UE) começa lentamente a dar sinais de recuperação. O Brasil, no entanto, não está aproveitando a situação. Por um lado, o país ajuda a segurar as receitas do bloco como comprador cada vez mais assíduo de seus produtos, por outro, vem perdendo espaço em seu cobiçado mercado - a região, mesmo em crise e com o consumo interno em baixa, continua sendo a maior consumidora do comércio mundial e destino de 20% das exportações brasileiras.

Em fevereiro, segundo dados da balança comercial divulgados na semana passada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), o Brasil teve um déficit de US$ 401 milhões no comércio com a UE - resultado de exportações 18,3% menores (na média diária) e uma alta de 5% nas importações (pelo mesmo critério), comparadas ao mesmo mês do ano anterior. É o primeiro resultado negativo com o bloco para um mês de fevereiro desde pelo menos 2003. No bimestre, o déficit se acumula em US$ 1,4 bilhão: quase cinco vezes mais que os US$ 297,2 do mesmo bimestre em 2012 e, junto a ele, também o único resultado negativo para os dois primeiros meses do ano em uma década.

As contas vermelhas reforçam o alerta em uma relação de extrema relevância para o país e que tradicionalmente é positiva do lado brasileiro - em 2012, o saldo de US$ 1,2 bilhão já foi 81% menor que os US$ 6,5 bilhões de 2011.

"A atual conjuntura europeia explica muito da situação", diz Fabrizio Tanzini, especialista para política e indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), lembrando que alguns dos principais destinos dos produtos brasileiros dentro da Europa, caso de Portugal, Espanha e Itália, tiveram redução do PIB em 2012 e deverão continuar em recessão em 2013. "Mas o Brasil já vem 'primarizando' a sua pauta e perdendo mercado há algum tempo, o que está muito mais ligado a sua perda de competitividade com câmbio valorizado e baixa produtividade. A crise apenas acentuou isso."

O quadro rendeu perdas que poderiam ter sido evitadas em 2012: as importações totais da UE, mesmo com a crise, subiram 4,06% no ano passado, chegando a € 3,6 trilhões, segundo dados da Eurostat, a agência de estatísticas da União Europeia, que consideram os 30 principais parceiros fora do bloco. Mas o Brasil não ganhou com a pequena alta - as compras feitas especificamente do Brasil tiveram queda de 4,9%, para €37,0 bilhões. Em dólares, a redução foi ainda maior: de 7,7%, para US$ 48,8 bilhões, segundo o Mdic.

O descompasso fez com que a participação dos produtos brasileiros nas compras externas europeias caísse de 1,12% em 2011 para 1,03% em 2012, a menor proporção desde 2008, quando também tínhamos 1,12%. A diferença decimal, do ponto de vista europeu, parece bem pouco, mas os 3,2 bilhões de euros que este 0,09% do bolo representa têm um peso quase 20 vezes maior para nós: são 1,7% do total das exportações brasileiras, ou 8,2% de tudo o que vendemos para a Europa.

"A União Europeia é a grande importadora do comércio mundial. Se ela começa a comprar menos, aumenta a competição entre os países que fornecem para ela", diz o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. A via oposta, lembra Castro, é igualmente prejudicial ao Brasil, já que, com a demanda interna enfraquecida, os países europeus saem à procura de outros mercados para onde vender os seus produtos. Não à toa, as exportações do bloco tiveram alta de 8,17% em 2012, para €3,38 trilhões, e resistiram como um de seus últimos motores de crescimento.

Rodrigo Branco, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), chama a atenção para a participação relativamente alta dos produtos manufaturados na pauta de exportações brasileiras para a União Europeia, na faixa de 35%. "Em produtos desse tipo, o Brasil tem perdido participação no mundo inteiro, não só para os países asiáticos, mas também para outros que estão se fortalecendo, como o México. Isso acaba afetando a participação na União Europeia também."

Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Derex) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), acrescenta que, além da desvantagem nos preços, muitos produtos brasileiros vêm também perdendo qualidade, quesito sagrado para os europeus. "O mercado europeu é muito sofisticado, e exige qualidade no que compra, como calçados, confecções e até autopeças. O Brasil já foi referência em design, em moda, mas, com câmbio desfavorável, a produtividade em baixa, os custos altos e margens de lucro para exportação apertadas, o empresário foi parando de investir", diz ele.

Enquanto no lado dos manufaturados o país perde com a própria falta de competitividade, nos básicos - metade de tudo que vende para a União Europeia -,acabou prejudicado também pela deterioração dos preços de alguns de seus principais produtos. A cotação do minério de ferro, por exemplo, retraiu 26% em 2012, e a do café caiu na faixa dos 30%. O conjunto dos principais produtos básicos exportados pelo Brasil teve depreciação de 10% na média.

A perspectiva de que estas cotações comecem a se recuperar em breve é justamente uma das esperanças para que os números desanimadores do comércio com a União Europeia não sejam tão ruins em 2013 quanto foram em 2012 - e, com sorte, ainda revertam a trajetória deficitária com que abriram o ano. "O ano de 2012 foi atípico, distorcido pela crise, e já se esperava queda tanto em valor quanto em quantidade [nas exportações]", disse Branco, da Funcex. Bons preços e uma demanda já um pouco melhor por minério, grãos e carnes, além de safras que ainda não começaram no ano, como a da soja, a partir de março, são alguns dos fatores que animam as previsões da Funcex.

Para Tanzini, da CNI, o risco de se encerrar 2013 com o primeiro déficit em anos com a União Europeia não está afastado. "2012 já foi um saldo baixo", argumentou. "Nossa grande vulnerabilidade é estarmos cada vez mais reféns de produtos primários, e de sua instabilidade de preços no mercado internacional", disse ele.
 



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