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Alta tecnologia puxa queda da indústria

Veículo: Valor Econômico
Seção: Brasil

Por Flavia Lima | De São Paulo

A despeito dos esforços do governo em reativar a economia, a indústria da transformação vista a partir de diferentes níveis tecnológicos teve o segundo pior ano da história, atrás apenas de 2009. Segundo estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), com base em classificação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o estrago foi geral, independentemente do perfil tecnológico da indústria, mas avançou com mais força sobre os setores de maior intensidade tecnológica. A exceção foram categorias em que a atuação de companhias como a Embraer ou a Petrobras foram cruciais para aquecer a produção. O comportamento destes segmentos no comércio exterior ajudou a definir esses resultados.

Cristina Reis, economista do Iedi, diz que, no geral, a performance medíocre de todos os segmentos pode ser explicada pela perda da competitividade dos produtos da indústria brasileira, tanto no mercado externo, pela redução dramática das exportações, quanto pela forte concorrência dos importados. Segundo Cristina, a chave para entender o ciclo ruim é o investimento que, comparado a outros países de mesma renda, é baixo em todas as classes de intensidade tecnológica.

Prejudicado especialmente por veículos automotores e equipamentos para materiais de transportes terrestres - categorias interligadas e de perfil bastante cíclico - o setor de média-alta intensidade teve o pior desempenho do período, com queda de 5,8% na produção. Os destaques foram veículos automotores, com queda na produção de 13,5%, e equipamentos de transporte terrestre, cuja baixa chegou a 20,3%.

Segundo Cristina, o segmento de média-alta intensidade tecnológica foi bastante prejudicado pelo bloqueio dos mercados externos, com destaque para América Latina e, nela, a Argentina, grande compradora do setor e que acabou colocando muitas barreiras à importação desses produtos. Não por acaso, o segmento ficou também com o maior déficit comercial de 2012: o saldo foi negativo em US$ 54,5 bilhões, déficit recorde. Cristina aponta ainda um outro ponto de preocupação ao se olhar o desempenho ruim do setor de média-alta intensidade tecnológica: são indústrias com cadeias produtivas longas, que envolvem de fiação elétrica a tintas, o que torna a queda ainda mais preocupante.

Na alta intensidade, a retração só não foi pior (menos 1,5%), em razão da ajuda do segmento aeronáutico, cuja produção expandiu 18% no período. Os segmentos que englobam instrumentos de ótica e farmacêutica também apresentaram alta na produção no período, mas bem mais reduzida, de 1,4% e 0,5%, respectivamente. Sem a categoria aeronáutica, contudo, a produção do segmento de alta intensidade tecnológica teria apresentando recuo bem pior, de 5,5% em 2012, segundo o Iedi.

Segundo Cristina, a boa performance de aeronáutica se deveu ao fôlego de suas vendas externas, a despeito do cenário internacional complicado. Em 2012, o historicamente deficitário grupo de mercadorias fabricadas por segmentos intensivos em tecnologia teve saldo negativo de US$ 29,3 bilhões no comércio exterior. Na contramão, a indústria aeronáutica teve resultado positivo em 2012, de US$ 765 milhões. Embora de pouca expressão, foi o maior superávit desde 2008. "É provável que, em aeronáutica, houve melhoria na capacidade de negociação, maiores contratos e tratados internacionais", diz Cristina.

O segmento de média-baixa intensidade tecnológica teve uma queda mais branda na produção, de 0,4% em 2012, ajudado por duas categorias em que a influência da Petrobras foi decisiva: produtos de petróleo e construção e reparação naval. "A Petrobras conseguiu dar uma segurada no segmento, mesmo diante de seu complexo plano de investimentos". A balança dos bens oriundos das atividades de média-baixa intensidade tecnológica, teve, pelo terceiro ano seguido, resultado negativo, de US$ 7,8 bilhões. Em toda a série, iniciada em 1989, apenas nos três anos mais recentes ocorreu déficit.

Já a baixa tecnologia foi o único setor a apresentar queda na produção em dois anos seguidos. A baixa foi de 2,3% em 2012, ante retração de 1,1% em 2011. Aqui, as categorias de maior peso perderam: em têxteis, couro e calçados a retração foi de 5,8%, enquanto em alimentos e bebidas, foi de 1,8%.

Para Cristina, as duas indústrias são importantes empregadores, e sofrem claramente com a concorrência de importados e o total bloqueio para vendas externas. "É impossível exportar, o produto brasileiro tem que entrar num ramo muito diferenciado para ter sucesso, com uma construção de marca forte, como as Havaianas, por exemplo, para conseguir se destacar no exterior. Do contrário, é difícil competir, os custos do Sudeste Asiático são imbatíveis".

A baixa na produção do setor de alimentos também é fonte de forte apreensão, já que o segmento funciona como um termômetro da produção nacional. Segundo Cristina, tendo em vista que a maior parte da produção do setor de alimentos é voltada justamente para o mercado interno e que as vendas do varejo tiveram um excelente desempenho em 2012, a retração aponta o quão desestimulante é a competição com importados. "A queda é um baita de um mau sinal. Ainda assim, vale lembrar que foi o único segmento que conseguiu pequeno superávit comercial", diz. O superávit do segmento, único entre as quatro faixas em 2012, foi de US$ 40,9 bilhões.

O curioso, diz a economista do Iedi, é ter um quadro tão ruim para a indústria após o setor ter boa parte de suas demandas atendidas - como redução dos juros, câmbio pouco mais competitivo e desonerações. Segundo a economista, a explicação seria uma falta de coordenação do governo, ao lado de certa apatia do empresariado em retomar investimentos. "Medidas como o 'Reintegra' [programa que devolve às empresas o equivalente a 3% das exportações, como compensação pelos tributos não descontados durante o processo de produção] tiveram baixa data de validade, o que não adianta para que um empresário resolva investir. É necessária uma visão de longo prazo para que o investimento se consolide". Para Cristina, o primeiro semestre de 2013 deve ser ainda de uma tímida recuperação. "Mas a Embraer está aí para mostrar como a política industrial é importante nestes casos".

 

Claudio Belli/Valor / Claudio Belli/Valor
 
Cristina Reis: investimento baixo em todas as classes de intensidade tecnológica.
 
 

 


 



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