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Pacote recheado

Veículo: Valor Econômico
Seção: Opinião

O recente pacote de medidas para desoneração do setor elétrico anunciado pela presidente Dilma Rousseff, com a Medida Provisória (MP) 579, deu fim ao impasse sobre a renovação das concessões e a redução no preço dos encargos, mas acendeu uma série de questionamentos sobre as vantagens do mercado livre versus o mercado cativo para os médios e grandes consumidores de energia no país. É importante diferenciar os benefícios que recheiam o pacote do Ministério de Minas e Energia, que entra em cena em um momento estratégico devido ao aumento do custo Brasil, à redução da competitividade da indústria nacional e às vésperas das eleições municipais.

Há dois principais aspectos de desconto dentro do pacote: a redução de encargos e a renovação das concessões. A redução dos encargos respeitou a isonomia entre os consumidores de energia elétrica. Foram suprimidas a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), que custeia os combustíveis de usinas térmicas para o sistema isolado, e a Reserva Global de Reversão (RGR), encargo destinado a pagar indenizações de concessões não amortizadas - recolhimento totalmente desnecessário depois das medidas tomadas e que já contabilizava um valor arrecadado de aproximadamente R$ 18 bilhões. Também foi reduzida a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que financia a universalização do sistema Luz para Todos e será reduzido a 25% do valor atual na conta de energia elétrica.

O impacto desses três encargos será de aproximadamente R$ 25/MWh, valor significativo tanto para o consumidor livre quanto para o cativo. Entretanto, o mesmo equilíbrio no benefício da redução do custo de energia elétrica entre o Ambiente de Contratação Livre (ACL) e Ambiente de Contratação Regulado (ACR) não foi observado na renovação das concessões.

Há dois aspectos de desconto no preço da energia: a redução de encargos e a renovação das concessões.

Justa seria a alocação isonômica desse benefício entre todos os consumidores, bastando que as geradoras com concessão a renovar vendessem a sua energia a preços de mercado e a Aneel estabelecesse a receita à qual cada usina teria direito, considerando a amortização dos empreendimentos. A diferença entre esses valores seria depositada em uma conta administrada, e seria rateada entre todos os consumidores com base nos consumos médios, ou seja, seria criado um "encargo positivo". Quais motivos levaram o governo a priorizar os consumidores cativos se todos os consumidores (incluindo os livres) ao longo dos últimos anos contribuíram para a amortização desses empreendimentos de geração?

O modelo atual do setor elétrico baseia-se no conceito da modicidade tarifária, em que a contratação de energia elétrica pelas distribuidoras é feita por meio de leilões em que a empresa vencedora oferece o menor preço para entrega da energia em três ou cinco anos, a partir da data do processo. Devido à indexação, a modicidade só é alcançada no leilão, pois, daquele momento em diante, os preços começam a sofrer reajustes anuais ao longo dos períodos de construção e geração dos empreendimentos hidráulicos (30 anos) ou térmicos (15 anos de concessão).

Tomando-se como exemplo a energia proveniente do Complexo do Rio Madeira (Usinas Santo Antonio e Jirau, que foram a leilão entre 2007 e 2008), a energia contratada à época entre R$ 70/MWh e R$ 80/MWh chegará à carteira das distribuidoras no primeiro ano de fornecimento a aproximadamente R$ 100/MWh, quase o mesmo preço da energia eólica em leilão semelhante nesse ano. Não há modicidade que aguente reajustes por um prazo tão extenso. A energia amortizada na MP 579 será utilizada para reduzir esse impacto.

A expansão da geração no atual modelo é feita com base na declaração de necessidade de carga das distribuidoras para os cinco anos seguintes. A partir dessa declaração de necessidade, os leilões são projetados. Quando os médios e grandes consumidores migram para o mercado livre de energia elétrica, essa previsão de crescimento do mercado regulado, algumas vezes com energia já contratada, é alterada. A redução na tarifa cativa visa reduzir o movimento de migração que atualmente é de 40 a 50 empresas por mês, visto que o atual governo preocupa-se com a forma de expansão do setor elétrico, em oferecer equilíbrio entre o ACR e ACL.

Atualmente, a migração para o mercado livre gera economia significativa para grande parte dos consumidores. Além disso, agrega previsibilidade, poder de alocação de energia e, considerando os consumidores especiais (que contratam energia gerada por fontes renováveis), agrega também responsabilidade ambiental. Com as medidas divulgadas pelo governo, a partir do próximo ano, a relação do custo entre os ambientes livre e regulado será reduzida em um primeiro momento e a vantagem da migração para o mercado livre terá que ser analisada caso a caso. Mas grande parte dos consumidores livres permanecerá com benefício econômico. E, em médio e longo prazo, com um setor elétrico baseado em leilões do mercado regulado com indexações anuais, o mercado livre sempre será a melhor opção.

O mercado livre, em seus mais de dez anos de existência no país, já vivenciou grandes variações no preço de curto prazo (PLD), mudanças nas tarifas, medidas provisórias, portarias, resoluções e regras. Em todo esse período, só foram registrados casos de retorno ao ambiente cativo de empresas que reduziram a demanda de energia (atingiram faixas inferiores às permitidas para o ambiente livre) ou então por fechamento de alguma planta. O mercado livre é um ambiente de liberdade de escolha de fornecedor, de previsibilidade, de energia renovável e, principalmente, de estratégia. Independentemente da isonomia não ter sido aplicada a todos os consumidores, a MP 579 trará redução no custo de todos os usuários de energia elétrica. Essa medida será muito importante para a economia brasileira e controle da inflação. E toda redução de custo, nesse setor, é motivo para comemoração.

Cristopher Vlavianos é economista e presidente da Comerc Energia.

 

Dado Galdieri/Bloomberg
 



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