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Por trás do vaivém da conjuntura

Veículo: Valor Econômico
Seção: Opinião

No momento em que os últimos números começam a sugerir a retomada de um ritmo mais intenso de crescimento da economia brasileira, parece oportuno buscar um balanço da situação da indústria menos pautado pelo vaivém da conjuntura, que sempre se mostra muito volátil durante reversões cíclicas tão acentuadas como a experimentada pelo Brasil nos últimos 12 meses. Claramente esse período foi também marcado por muitas mudanças estruturais, tanto no cenário interno quanto no front externo, formando um quadro de importantes transformações, igualmente merecedoras de atenção.

Nesse plano, muito se fala sobre uma possível exaustão da macrodinâmica baseada em consumo, que vem dando a tônica do padrão de crescimento da economia brasileira na última década, embora o comportamento ainda muito positivo do mercado de trabalho constitua um argumento cabal a desautorizar essa tese. Alternativamente, pouco se fala sobre problemas que podem estar sendo provocados por um possível esgotamento de um modelo empresarial muito disseminado na economia brasileira: o de assegurar rentabilidade por meio de compressão de custos via importação de insumos - e não necessariamente pela busca de mais produtividade - e em rendimentos de aplicações financeiras - e não necessariamente na adoção de estratégias competitivas mais ousadas e, principalmente, mais adequadas aos padrões de concorrência dos mercados em que essas empresas atuam.

É esse modelo empresarial que está sendo pesadamente questionado pela mudança no regime macroeconômico que parece ter se consolidado desde meados de 2011. Nesse sentido, não é surpresa que a desvalorização sofrida pelo real esteja pressionando os custos industriais enquanto a forte redução da taxa básica de juros esteja erodindo os ganhos de tesouraria. Conjugadas, esses dois movimentos provocam como efeito imediato uma inapelável piora nos balanços das empresas. A questão é saber se o sistema empresarial brasileiro tem capacidade de resposta e energia empreendedora para superar essa fase de ajustamento e preparar-se para aproveitar mais amplamente as oportunidades abertas nesse novo cenário de negócios.

Mudança macro questiona modelo com compressão de custos pela importação e ganho financeiro

É exatamente para essa reflexão que é fundamental escapar da generalidade de diagnósticos monolíticos e penetrar na diversidade de situações que caracteriza a indústria brasileira. Para tanto, é necessário, primeiro, destacar um grupo de setores que mostra maior dependência do mercado internacional. No caso brasileiro, esse grupo é formado, quase sempre, por exportadores de commodities, que se deparam com perspectivas de recessão internacional duradoura com implicações muito negativas sobre a rentabilidade de longo prazo.

Essa situação casa especialmente com o complexo mínero-metalúrgico mas também se aplica à indústria química básica, petroquímica incluída e também ao setor de celulose e papel. Muitas empresas desses setores necessitam rever o atual modelo de negócios fortemente baseado em primeiro processamento dos recursos naturais, direcionando a produção para bens de maior valor adicionado. Registre-se que esse grupo, que reúne as empresas com as maiores capacitações produtivas, financeiras e tecnológicas da indústria nacional, está desafiado a uma verdadeira reciclagem estratégica, sob pena de não conseguir um reposicionamento satisfatório no mercado interno brasileiro.

Os demais setores industriais, mais focados no mercado doméstico, ao menos em tese poderão voltar a se apoiar nas perspectivas mais favoráveis de crescimento da economia nacional daqui para frente para ancorar as suas estratégias de expansão. Porém, também aqui é necessário separá-los em dois grupos.

De um lado, estão os setores que manufaturam bens menos comercializáveis, como materiais de construção, ou mais protegidos, como o complexo automotivo (automóveis, caminhões, ônibus e máquinas agrícolas). Tudo indica que esses setores conseguiram superar a fase mais aguda da reversão cíclica e parecem em boas condições de retornar aos níveis anteriores de produção e, mais adiante, de investimento.

Há, porém, um grande número de setores que se dedicam à produção de bens muito comercializáveis, como o complexo têxtil, vestuário e calçados, dentre outros da indústria tradicional, ou os fabricantes de bens de capital mecânicos ou eletrônicos seriados e seus componentes, dentre outros da indústria de maior conteúdo tecnológico. Esses setores veem-se às voltas com um acirramento competitivo internacional sem precedentes e enfrentam uma grande diversidade de fragilidades competitivas, fatores que vêm comandando um rápido incremento das importações.

A saída aqui exigirá profundas reestruturações setoriais, que dificilmente terão lugar sem o firme apoio de políticas industriais proficientes. No caso da indústria tradicional, são setores que necessitam responder com uma nova rodada de modernização, na linha de tantas outras já realizadas em momentos históricos similares. No caso das atividades de maior conteúdo tecnológico, o problema é diferente e muitas das soluções requeridas ainda precisam ser mais claramente desenhadas.

A conclusão é que, muito além da volatilidade típica das fases de oscilação conjuntural, também as pressões do ajustamento estrutural a que está submetida a indústria brasileira precisam ser devidamente compreendidas e enfrentadas. E essas dificilmente serão superadas sem uma firme e decidida mudança na postura estratégica de muitas empresas que parecem que ainda não perceberam o que está em jogo.

David Kupfer é professor e pesquisador licenciado do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (GIC-IE/UFRJ) e assessor da presidência do BNDES. Escreve mensalmente às segundas-feiras. E-mail: gic@ie.ufrj.br/ www.ie.ufrj.br/gic. As opiniões expressas são do autor e não necessariamente refletem posições do BNDES.
 



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