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Como Romney poderá errar

Veículo: Valor Econômico


Fiel à sua palavra como candidato, poucas horas após tomar posse como presidente dos EUA em 20 de janeiro de 2013, Mitt Romney decretou sua primeira ordem executiva, declarando a China culpada de manipulação cambial. De acordo com a Lei Omnibus Trade and Competitiveness, de 1988, o ato do presidente Romney deflagrou imediatamente negociações entre autoridades americanas e chinesas. Mas as negociações empacaram e ambas as partes culparam-se mutuamente em comunicados à imprensa.

No início de fevereiro, em seu primeiro discurso sobre o "Estado da União", Romney disse: "Basta. Já é hora de a China jogar de acordo com nossas regras". O Congresso rugiu sua aprovação e, em uma semana, esmagadoras maiorias bipartidárias nas duas casas do Congresso passaram a sustentar a Defend America Trade Act (Data, ou lei Defender o Comércio Americano) de 2013. Inspirada nos "remédios" representados pelas tarifas compensatórias em resposta à manipulação da moeda (pelos chineses) originalmente proposta em 2005, a Data foi sancionada no Dia do Presidente, 18 de fevereiro de 2013. A China foi rapidamente considerada como transgressora do novo estatuto.

A história nos adverte para nunca dizer nunca. Basta olharmos a Lei de Tarifas de 1930 do senador Reed Smoot e do deputado Willis Hawley, o pior erro da política econômica americana. Pesadelos podem, e isso já aconteceu antes, tornar-se realidade.

Nesse ponto, as negociações assumiram uma nova urgência. Mas os novos líderes nos dois países não estavam em clima de chegar a um acordo e as negociações deram em nada. Em conformidade com as disposições na Data, Washington impôs imediatamente tarifas de 20% sobre todos os produtos chineses que entram os EUA.

Com o fechamento de fábricas em toda a China, Pequim declarou que essa atitude foi um ato de guerra econômica e apresentou uma queixa à Organização Mundial do Comércio (OMC). Li Kequiang, recém-empossado primeiro-ministro, anunciou após o Congresso Nacional do Povo realizado em março que a China não tem paciência para suportar um processo de encaminhamento de disputas na OMC, que pode levar de dois a cinco anos para ser concluído.

O Ministério do Comércio da China então anunciou tarifas retaliatórias de 20% sobre todas as exportações dos EUA para a China. Isso impactou os EUA, famintos por crescimento, bem no meio dos olhos. Com o equivalente a US$ 104 bilhões em produtos de fabricação americana comercializados no mercado chinês em 2011, a China tornou-se o terceiro maior mercado importador dos EUA, e caracterizado pelo mais rápido crescimento. Para piorar as coisas, o Walmart, dependente da China, anunciou aumentos médios de preços da ordem de 5%. Outros varejistas fizeram o mesmo. Começaram a pairar temores de estagflação e os consumidores americanos apegaram-se ainda mais a seu dinheiro.

Os mercados financeiros americanos despencaram. O mercado de ações foi atingido por pressões sobre as margens de lucro, crescimento e inflação. O mercado de títulos também ficou nervoso devido à percepção de que o Federal Reserve estava gravemente atrás da curva. E com boa razão. Após sua reunião em junho de 2013, o Fed reafirmou seu "eternamente" renovado compromisso no sentido de manter sua taxa básica de juros perto de zero até 2015, e até mesmo acenou com a possibilidade de mais uma rodada de flexibilização quantitativa (QE4). Os rendimentos dos Treasuries de 10 anos voltaram para acima de 4% e as ações renovaram acentuadas quedas.

Pressionado pelos mercados financeiros, Washington começou a pressionar a China. Romney convocou o Congresso, em recesso devido a seu feriado do Dia da Independência, para uma sessão especial. Por consentimento unânime, o Congresso aprovou uma emenda à Data - elevando as tarifas sobre importações americanas da China em mais 10 pontos percentuais.

Nesse ponto, uma China indignada recorreu à sua própria versão de "grande bazuca". O maior comprador estrangeiro de dívida dos EUA fez-se ausente do leilão de títulos do Tesouro em agosto de 2013. As taxas de juro de longo prazo dispararam e em poucas semanas os rendimentos dos Treasuries de 10 anos chegaram a 7%. O dólar caiu e as bolsas americanas entraram em queda livre.



Num piscar de olhos, desvaneceu-se o denominado privilégio exorbitante do ativo equivalente a refúgio seguro. Quando indagado, numa coletiva de imprensa, sobre por que a China estaria disposta a envolver-se em ações que poderiam prejudicar o valor de mais de US$ 2 trilhões em títulos do Tesouro e outros ativos baseados em dólares, Zhou Xiaochuan, presidente em vias de se aposentar do Banco Popular da China, disse: "Isso não tem a ver com retornos de uma carteira ajustados por riscos. Estamos defendendo nosso povo contra um ato de guerra econômica".

No outono de 2013, pouca dúvida havia sobre a gravidade de uma renovada recessão nos EUA. As sanções comerciais contra a China saíram pela culatra. Os prejudicados trabalhadores americanos pagaram o preço mais alto de todos, tendo a taxa de desemprego disparado para acima de 10%. Um terrível erro de política governamental confirmou não haver nenhuma solução bilateral para o desequilíbrio comercial multilateral de uma economia dos EUA sedenta de poupança.

Na China, o crescimento tinha escorregado para abaixo do temido limiar de 6% e a nova liderança estava promovendo mais um estímulo de investimentos para uma economia chinesa ainda instável e desequilibrada. À medida que a economia mundial mergulhou em recessão, a grande crise de 2008-09 passou a, de repente, parecer brincadeira de criança. A própria globalização pendeu na balança.

A história nos adverte para nunca dizer nunca. Basta olharmos o legado do senador americano Reed Smoot e do deputado Willis Hawley, que patrocinaram a infame Lei de Tarifas de 1930 - o pior erro da política econômica americana. Pesadelos podem, e isso já aconteceu antes, tornar-se realidade. (Tradução de Sergio Blum)

Por Stephen Roach.
Stephen Roach é pesquisador sênior na Universidade Yale e ex-presidente do Morgan Stanley na Ásia.



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