Notícias

Debate sobre Novo Mercado lança pouca luz sobre futuro do segmento

SÃO PAULO - A BM&FBovespa chamou a nata do mercado de capitais brasileiro para discutir as perspectivas para o Novo Mercado, em comemoração aos dez anos do segmento especial de governança da bolsa. No entanto, muito pouco se ouviu de inovador. Raras foram as sugestões objetivas e os temas debatidos foram quase todo os mesmos de uma década atrás.

Assim, ficou sem resposta a pergunta lançada no início do debate por Gilberto Mifano, sócio da Pragma e ex-superintendente da bolsa na época de criação do selo de governança: “O que é preciso fazer para que o Novo Mercado se mantenha na vanguarda?”

E os sinais são de que pensar numa nova revisão de regulamento não será mais simples do que foi em 2009 e 2010, frustrada na maioria das propostas que a BM&FBovespa apresentou. Em sua maioria, cada um de seus participantes trouxe uma agenda pessoal para essa primeira discussão.

O evento, que tomou a tarde de ontem e foi realizado no auditório da antiga Bovespa, onde era o pregão viva-voz,  discutiu, por exemplo, a separação entre direitos econômicos e políticos (o que o Novo Mercado veio justamente corrigir) e a oferta pública aos investidores em caso de venda do controle (“tag along”). De próprio do Novo Mercado, de fato, apenas as regras de saída do segmento diferenciado.

Sobre a igualdade entre direito econômico e político, Fernando Iunes, diretor de banco de investimento do Itaú BBA, disse: “Não precisa ser sempre assim”. Segundo ele, nos Estados Unidos, algumas das empresas mais bem sucedidas do mercado, como Apple, Berkshire Hathaway, Google e Facebook, têm diferença no poder de voto. “Esse tema precisa ser debatido com atenção”, disse Iunes, um dos palestrantes do evento promovido pela bolsa.

A questão levantada por Iunes ganhou coro de Fabio Hering, presidente da companhia de varejo têxtil Hering, que também acredita nesse modelo, a despeito de a companhia da qual é acionista e executivo ser uma empresa de capital disperso na bolsa desde 2007, quando se reinventou com a migração para o Novo Mercado.

No Brasil, a separação debatida existe, mas fora do Novo Mercado, no segmento tradicional e nos níveis 1 e 2 de governança, com a existência da estrutura de capital dividida entre ações preferenciais e ordinárias. Entretanto, não há a permissão para ações com direito a supervoto, como o existente nas companhias citadas pelo executivo do Itaú BBA. Além disso, no Brasil, o mecanismo esbarra na própria Lei das Sociedades por Ações, que não permite o sistema de atribuir o poder de mais de um voto a um único papel.

Na opinião de Gilberto Mifano, discutir esse assunto quando se comemora dez anos do Novo Mercado tem como contexto o cenário internacional, com a falência do modelo de empresas de capital pulverizado e a migração da preferência dos investidores para companhias com dono ou um acionista de referência, com visão de longo prazo. “É o pêndulo. Antes as pulverizadas eram as melhores, agora são as empresas de dono.”

Maria Helena Santana, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) até o fim desta semana e uma das criadoras do Novo Mercado, acredita que a existência desse debate também se deve ao momento atual, que traz problemas de falta de monitoramento das empresas de capital disperso e a formação de conselhos com membros excessivamente independentes, sem condições de dedicação. 

Na opinião de Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), o Brasil não está preparado para modelo de supervoto. “Discordo frontalmente da criação dessa possibilidade”, enfatizou ele.

Entre as poucas questões mais debatidas a respeito do Novo Mercado, falou-se sobre a regra de saída, em função da recente polêmica envolvendo a potencial saída da Redecard, controlada pelo banco Itaú. Houve consenso de que talvez caibam mudanças.

“O Novo Mercado tem regra de saída, sim, mas é preciso sair pela porta”, disse Mifano ao Valor. Iunes, do Itaú BBA, defendeu que haveria necessidade de facilitar a saída das companhias. “É preciso encarar isso [saída do Novo Mercado] com naturalidade e maturidade.”

Atualmente, a regra obriga a companhia que quiser sair a realizar uma oferta pública por valor econômico a todos os acionistas. No entanto, não há exigência de adesão mínima a essa oferta para o sucesso da retirada do segmento de governança. Também é preciso submeter a decisão à assembléia de acionistas, na qual o controlador, se houver, também vota.

Recentemente, em entrevista ao Valor, a BM&FBovespa admitiu justamente a análise da possibilidade de adicionar às regras uma exigência de adesão mínima à oferta de saída do segmento de governança, o que também simplificaria o processo, em função das diferenças entre o regulamento da bolsa e a regra da CVM para ofertas públicas.

Bruno Rudge, sócio da gestora Dynamo, uma das mais tradicionais no investimento fundamentado em governança, foi um dos poucos que fez sugestões diretas, como melhorar as regras sobre a mudança do regulamento, por causa do impasse vivido em 2010, submetendo o assunto à assembleia; a criação de uma ponte direta entre o Bovespa Mais e o Novo Mercado,  quando companhias do segmento de acesso alcancem um determinado tamanho; e o desenvolvimento de uma regra que permita ofertas restritas de ações, entre outros. 

O investidor também mencionou a necessidade de uma regra clara para ofertas por aumento de participação, algo semelhante ao que bolsa tentou colocar sem sucesso no regulamento na revisão de 2010 e regra presente no Comitê de Aquisições e Fusões (CAF), órgão que está prestes a ser criado como uma iniciativa de autorregulação de quatro entidades de mercado, inclusive a BM&FBovespa. A norma também simplificaria o debate existente em torno do “tag along”.

No evento, apesar de pouco se falar sobre sugestões concretas, houve pontos de consenso, como a necessidade de facilitar o acesso ao mercado de capitais para companhias de pequeno e médio porte, André Esteves, presidente do BTG Pactual, um dos líderes na coordenação de ofertas de ações e que recentemente trouxe seu banco à bolsa, afirmou que tudo o que o Brasil assistiu até agora na evolução do mercado foi apenas o começo. Para ele, a redução da taxa de juros do país será a grande “alavanca para os próximos dez anos”. “Agora o custo de oportunidade está indo para preço [certo]. Isso será uma transformação enorme. Agora, a responsabilidade está conosco” disse.

Veículo: Valor Econômico
Sessão: Empresas

 



Compartilhe:

<< Voltar

Nós usamos cookies em nosso site para oferecer a melhor experiência possível. Ao continuar a navegar no site, você concorda com esse uso. Para mais informações sobre como usamos cookies, veja nossa Política de Cookies.

Continuar