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O carnaval acabou

Veículo: O Estado de S. Paulo
Seção: Economia
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Ao chegar à Casa Branca na segunda feira, a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, trouxe consigo algo que sem dúvida provocou inveja em seu anfitrião, o presidente americano Barack Obama - uma aprovação de impressionantes 77% ao seu governo. Como um dos Brics, instalado confortavelmente no topo do mundo, como queridinho dos investidores internacionais, preparando-se para organizar a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, o Brasil se vê arrebatado por um surto nacional de adrenalina comparável - talvez do ponto de vista caricatural - àquilo que as passistas sentem quando entram no sambódromo do Rio para receber os aplausos do público.

A euforia era evidente na mais recente edição do Fórum Econômico Mundial em Davos, na qual o contribuinte brasileiro financiou o evento oficial da noite de sábado. É costume incluir em Davos sessões voltadas especificamente a determinados países, e o Brasil foi mais uma vez o tema de uma sessão do tipo este ano. A principal conclusão pareceu ser a de que os governantes do País devem tomar cuidado para evitar o superaquecimento da economia brasileira.

Ao fim da reunião, um correspondente internacional veterano comentou: "Os brasileiros se consideram mesmo incríveis. Parece que solucionaram todos os problemas". Havia mais do que uma pitada de ironia no que ele disse, talvez porque esse correspondente tenha coberto o "milagre brasileiro" do fim dos anos 60 e início dos 70. Apresentando um crescimento de dois dígitos por um período de cinco anos consecutivos, o "milagre" levou a um excesso de empréstimos e culminou numa "década perdida" de inflação e estagnação após a crise de endividamento da América Latina, em 1982.

Aplicando consistentemente políticas fiscais e sociais extremamente responsáveis do ponto de vista macroeconômico depois de vencer a hiperinflação em meados dos anos 90, o Brasil cresceu constantemente, ainda que não espetacularmente. O País suportou com sucesso o atual declínio global, e começou finalmente a reduzir a desigualdade social, criando uma classe média relevante pela primeira vez em sua história: com atualmente 95 milhões de pessoas, a classe média finalmente passou a representar metade da população.

Talvez tenha de fato chegado a hora de esquecer a antiga piada: "O Brasil é o país do futuro - sempre o será". Talvez seja hora de dar ao autor austríaco Stefan Zweig, mais conhecido no País como autor de Brasil, país do futuro, publicado em 1941, o crédito que merece enquanto profeta.

Os brasileiros estão satisfeitos consigo mesmos. E não estão sozinhos.

Os estrangeiros estão rumando para o Brasil como as hordas que foram à Califórnia em busca do ouro em 1849. O número de moradores estrangeiros cresceu mais de 50% no último ano, passando de pouco menos de 1 milhão para 1,5 milhão de pessoas, de acordo com reportagem do Washington Post. "Agora as pessoas estão nos vendendo o Brasil", disse-me o primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários brasileira, Roberto Teixeira da Costa, em conversa recente. Hoje membro do conselho diretor de várias das principais empresas brasileiras, Teixeira da Costa resumiu a situação da seguinte maneira: "Como o restante do mundo vive uma situação tão difícil, as pessoas acham que o Brasil é o grande salvador. Antes, éramos o problema. Agora, somos a solução".

Junto com outros membros dos Brics, como Índia e China, o Brasil deve ajudar a manter a economia global funcionando até que todos os demais arrumem a casa. O Banco Santander, principal credor entre os bancos espanhóis, ganha atualmente mais dinheiro no Brasil do que em qualquer outro dos mais de 30 países em que opera: um quarto do seu lucro vem do gigante latino-americano. A General Electric projetou recentemente um aumento total na renda de 25% em toda a América Latina até 2016, esperando que a região apresente desempenho superior ao da Ásia; executivos previram que Brasil, México e Peru estarão na vanguarda dessa tendência. O investimento estrangeiro direto no Brasil atingiu novo recorde pelo segundo ano consecutivo, passando de US$ 48,5 bilhões para US$ 66,7 bilhões em apenas 12 meses.

Mas essa mentalidade típica de uma corrida do ouro parece cegar tanto os governantes quanto os investidores. Alguns brasileiros astutos descrevem a psique do País como bipolar. Todos conhecem o lado positivo do carnaval, do samba, do futebol e das praias. Mas poucos compreendem o lado negativo. Os brasileiros afirmam ter um tipo próprio de melancolia, definido pela palavra "saudade", supostamente impossível de traduzir para outros idiomas. O mais elogiado compositor brasileiro, Tom Jobim, o ícone da Bossa Nova, compôs com o parceiro Vinicius de Moraes uma canção chamada Felicidade, cujo refrão destaca que Tristeza não tem fim / Felicidade, sim. Para tudo se acabar na quarta-feira (de cinzas), como dizem os versos da música e ocorre com o carnaval.

No caso da economia brasileira, o despertador da quarta-feira deve ter soado com o anúncio do crescimento de 2,7% em 2011, uma acentuada queda em relação aos 7,5% de 2010 e muito abaixo do apresentado na maioria dos demais emergentes. De fato, o Santander atribuiu seu lucro abaixo do esperado no último trimestre de 2011 a problemas no Brasil e na Grã-Bretanha.

Nouriel Roubini, o economista que ficou famoso ao prever o colapso do mercado imobiliário americano e a recessão global de 2008 que se seguiu, visitou o Brasil em fevereiro, precisamente durante o período de carnaval. Ao deixar o País, ele não se mostrou nem um pouco eufórico: "Uma sóbria avaliação realista sugere que o Brasil pode desapontar em muitos aspectos nos próximos anos, a não ser que importantes reformas estruturais sejam promovidas". Prevendo um futuro desanimador, ele acrescentou que "esse baixo crescimento potencial deixa o Brasil vulnerável a um ciclo de prosperidade e quebra conforme o País se aproxima rapidamente de sua velocidade máxima".

Por mais que outros fatores como o crescimento da classe média desempenhem um papel claro, o recente crescimento brasileiro decorreu principalmente da capacidade do País de injetar minerais e produtos agrícolas na China. Entre 2000 e 2010, a parcela das exportações brasileiras para a China saltou de 3% para 16%. O dinheiro que entra no País, somado ao investimento estrangeiro direto e ao capital em portfólios de ações, impôs pressão ao real, a moeda brasileira. Os juros brasileiros, mantidos altos para combater a inflação em lugar de reformas envolvendo o sistema tributário e a administração pública, politicamente mais complicadas, atraem os investidores estrangeiros mesmo com o controle de capitais. Os juros americanos, muito próximos do zero, e os problemas na zona do euro exacerbam esse quadro conforme o dinheiro deixa as regiões de baixa lucratividade em busca de oportunidades melhores.

Como resultado, o real apresenta supervalorização de 35% em relação ao dólar americano, de acordo com o índice Big Mac da revista The Economist. O Brasil pode já estar sofrendo da chamada doença holandesa, com sua moeda supervalorizada tornando as exportações mais caras no exterior e os produtos importados mais baratos para os consumidores brasileiros. Isso pode levar o País a uma desindustrialização incipiente: a fabricação doméstica de bens de consumo caiu quase 2% em 2011, enquanto as vendas prosperavam por causa do crescimento na demanda.

O governo brasileiro atribui a culpa pela supervalorização do real àquilo que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, chama de "guerra cambial" - a entrada de um fluxo intenso de capital especulativo que busca lucro no Brasil. Representantes do governo aplicaram medidas pouco expressivas para conter esse fluxo, como um ajuste na tributação dos empréstimos no exterior anunciado em março, prorrogando a aplicação de um imposto de 6% aos empréstimos com vencimento em três anos - antes o imposto incidia sobre os empréstimos com vencimento em dois anos.

Em resposta aos apelos da indústria local, o governo aplicou gradualmente uma série de medidas protecionistas que causaram inquietação do Japão ao México. "O Brasil continua improvisando nas políticas industrial e comercial", queixou-se a colunista Miriam Leitão, que cobre a área de economia para o jornal carioca O Globo. "Ao tentar encontrar saídas de afogadilho para o déficit que apareceu na balança, e para o magro número da indústria em 2011, tudo o que se consegue no governo é repetir o cacoete: protecionismo, vantagens para lobbies e corporações."

Como no filme O Anjo Exterminador, de Luis Buñuel, no qual os convidados de um jantar não conseguem ir embora conforme a noite avança, apesar da inexplicável ausência de barreiras físicas, as soluções para os problemas do Brasil parecem óbvias, mas nunca são implementadas. A maioria dos economistas atribui a responsabilidade pela maioria dos problemas do País àquilo que é chamado de "custo Brasil", um conjunto de fatores que torna mais caros os empreendimentos no Brasil do que na maioria dos países. O Brasil ocupa a 126.ª posição (são 183) no índice do Banco Mundial que lista os países de acordo com a facilidade de conduzir os negócios, perdendo para Bangladesh, Uganda, Suazilândia e Bósnia-Herzegovina.

Suas recomendações para uma mudança costumam incluir as seguintes medidas: simplificar a estrutura tributária, reformar a administração pública e a Previdência Social para aumentar a eficiência e reduzir os gastos, alterar a legislação trabalhista para diminuir o custo da contratação de novos empregados e investir em infraestrutura.

Além disso, uma reforma fiscal daria aos governantes uma ferramenta adicional de combate à inflação, possivelmente permitindo que os juros sejam reduzidos mais rapidamente, estimulando a economia e, ao mesmo tempo, ajudando a conter o capital especulativo.

É verdade que a pauta para redução do custo Brasil é ambiciosa, mas o País progrediu pouco nessas frentes - se é que houve progresso. A infraestrutura poderia parecer vital para a preparação para a Copa do Mundo de 2014 e para a Olimpíada de 2016, mas os investimentos estão tão atrasados que chegaram a render um desagradável episódio diplomático. Um funcionário do alto escalão da federação internacional de futebol, a Fifa, sugeriu recentemente que os organizadores precisavam de "um chute no traseiro" porque estavam atrasados nos preparativos. Os eufóricos brasileiros não gostaram nem um pouco.

Talvez o Brasil esteja vivendo no próprio vácuo. Poderíamos dizer isso sobre sua política econômica. Por mais que fosse de uma popularidade sem igual, o predecessor de Dilma, Luiz Inácio Lula da Silva, teve como principal contribuição à política econômica a atitude de seguir a recomendação do médico e "em primeiro lugar, não causar nenhum mal". Como afirmou o Globo em matéria especial dedicada ao fim do mandato, "o presidente Lula chega ao fim do seu oitavo ano de governo com uma popularidade nunca antes vista por um presidente do País, apesar do seu legado contraditório. Não houve avanços nem melhorias no ensino, na saúde, na segurança pública, no saneamento básico e na infraestrutura, e as reformas necessárias não foram implementadas". De acordo com o sociólogo Ted Goertzel, da Universidade Rutgers, autor de biografias de Lula e seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, "Lula optou por se aposentar com uma popularidade na casa dos 80% em vez de usar essa popularidade para pressionar por reformas controvertidas".

O maior feito de Lula foi provavelmente sua habilidade - digna de Reagan - de fazer com que os brasileiros se sentissem bem a respeito de si mesmos e do seu país - e, vencendo Reagan em seu próprio jogo, convenceu também os estrangeiros: as provas disso são a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.

Mas essa confiança levou ao tipo de convencimento que causou má impressão no correspondente veterano em Davos, cegando os líderes para a necessidade de tratar do problema do custo Brasil. Em sua campanha pela Presidência em 2010, Dilma repreendeu um repórter da Reuters numa entrevista, quando este sugeriu que talvez fosse impossível manter um crescimento de 7% sem a implementação de reformas.

"O ritmo atual de crescimento do Brasil está próximo (desta marca)?", perguntou ela, incisiva. O jornalista teve de reconhecer que a resposta era afirmativa. "Bem, então, me parece que isso é possível, sim." Claramente, o crescimento atual de 2,7% mostra que essa possibilidade não está ocorrendo no momento. E, se Dilma pretende retomar o crescimento da época de Lula, ela terá de lidar com os aliados políticos escolhidos pelo partido dela, o Partido dos Trabalhadores - o PMDB, um partido heterogêneo que não possui nenhuma ideologia política identificável. Tecnicamente, o PMDB confere à presidente a maioria no Congresso, mas seus membros tendem a trabalhar com extrema lentidão nas questões legislativas, a não ser que recebam algum benefício pessoal.

O fato de as pessoas se importarem com o destino da economia brasileira mostra o quanto o País avançou desde que começou a lutar contra a hiperinflação, há quase duas décadas. Mas a história econômica mostra que tudo funciona de acordo com ciclos. A pergunta é: será o próximo declínio do Brasil profundo e prolongado, como a "década perdida" que se seguiu ao "milagre" dos anos 70, ou curto e relativamente indolor, como ocorreu em 2009 quando o País se recuperou prontamente do choque global de 2008? Na ausência de reformas, a primeira opção parece mais provável.

Como os americanos, os brasileiros são donos de um otimismo típico do Novo Mundo, permanecendo animados mesmo durante períodos de crescimento medíocre. Entretanto, sobreviver aos maus momentos não é o suficiente para um salvador, nem para um novo pilar da economia global. A quarta-feira de cinzas pode chegar antes do esperado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL



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