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Impasse no pacto do algodão entre Brasil e EUA

Veículo: Valor Econômico
Seção: Empresas
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Ruy Baron/Valor / Ruy Baron/Valor

Azevedo: programa de garantia de renda nos EUA tende a distorcer mais o comércio.

O acordo do algodão entre Brasil e Estados Unidos ameaça chegar a um impasse semanas antes da visita da presidente Dilma Rousseff a seu colega Barack Obama, no dia 9 de abril na Casa Branca. O Congresso americano caminha para prorrogar ou ampliar os subsídios aos agricultores do país, o que poderá levar o Brasil a reabrir o processo de retaliação contra produtos dos EUA.

Na semana passada, o embaixador brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevedo, reuniu-se em Washington com técnicos do Senado e da Câmara dos EUA para reiterar a posição de que as propostas em exame pelos parlamentares americanos aumentam, ao invés de diminuir, o grau de distorção dos programas de subsídios americanos para a commodity.

Os EUA têm um programa de pagamento direto de US$ 600 milhões anuais aos seus cotonicultores. Em tese, um produtor de algodão pode ficar em casa vendo televisão, mesmo sem produzir, que no fim do mês recebe seu cheque de milhares de dólares vindo dos cofres públicos.

Agora, o Congresso quer acabar com esse pagamento direto e partir para um programa de US$ 450 milhões destinado a garantir a renda do produtor. Ocorre que esse seguro de renda embute um incentivo para a expansão da produção, o que distorce mais o comércio internacional. O produtor passaria a receber ajuda do governo conforme o volume de produção e a receita esperada.

Pelos cálculos do Brasil, cada dólar de Washington ao provável novo programa causaria distorção quatro vezes maior do que os pagamentos diretos atuais. Assim, enquanto o governo americano argumenta que reduzirá os gastos de US$ 600 milhões para US$ 450 milhões, para o Brasil o novo programa, se aprovado no Congresso, multiplicaria para até US$ 1,8 bilhão os dispêndios, dependendo das condições do mercado.

"O novo programa é mais distorcivo do que o anterior e nos preocupa muito, porque vai deprimir os preços internacionais ainda mais e causar prejuízos aos nossos produtores", afirma Roberto Azevedo.

O acordo do algodão, fechado em 2010, colocou fim a uma disputa de cerca de uma década na OMC em torno dos subsídios dos EUA, que foram declarados ilegais. Os EUA, que têm um histórico problemático em cumprir decisões da OMC, cederam apenas depois de o organismo dar sinal verde para o Brasil impor retaliações aos produtos americanos.

Em 2010, os EUA concordaram em dar compensações temporárias ao Brasil, como pagamentos anuais ao Instituto Brasileiro do Algodão (IBA), até que o sistema de subsídios fosse corrigido definitivamente em sua lei agrícola - a "Farm Bill", que deveria ser discutida este ano.

Mais do que uma disputa comercial, o acordo do algodão é um marco nas relações recentes entre Brasil e EUA. Foi fechado mesmo em uma época em que os americanos estavam irritados com as tentativas brasileiras de negociar com o Irã, já que defendiam retaliações para interromper um programa nuclear iraniano supostamente em desacordo com as regras internacionais.

Quase dois anos depois, o acordo foi implementado apenas parcialmente pelos americanos. Uma das promessas era que o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) derrubaria barreiras sanitárias à importação de carne bovina de 13 Estados brasileiros. Nesse sentido, Washington já prometeu diversas vezes colocar uma norma sob consulta pública, mas até agora isso não foi feito.

Por outro lado, os EUA vêm cumprindo o compromisso de aumentar o prêmio do seguro de crédito a exportação sempre que a demanda aumenta e os montantes solicitados acionam um gatilho. No entanto, Azevedo nota que o ajuste periódico do prêmio, ao final do atual acordo bilateral do algodão, não será suficiente para levá-lo ao patamar que o Brasil considera necessário para Washington cumprir as determinações da OMC e eliminar subsídios proibidos no crédito a exportação.

O Congresso americano não dá indicações de que corrigirá o problema na "Farm Bill". Em um ano de eleições presidenciais, com Obama na disputa por um segundo mandato, é pequeno o apetite político para enfrentar um assunto muito caro a poderosos grupos de interesse em Washington, como os agricultores.

O desfecho mais provável, avalia uma fonte de Washington, é o Congresso empurrar o tema com a barriga, prorrogando a atual "Farm Bill" até 2013. Mas o governo americano negociou compensações temporárias com o Brasil apenas até 2012, e se a solução for adiada o Brasil poderá, eventualmente, ter o direito de pedir compensações adicionais.

Um dos pontos centrais do acordo é o pagamento anual de US$ 147,3 milhões do governo americano ao IBA, algo até então inédito na OMC. O orçamento do próximo ano fiscal dos EUA, que começa em outubro, não o prevê, até porque seria uma admissão de que o país de fato não fará a correção na "Farm Bill". Em tese, o USDA poderá remanejar alguns de seus fundos para garantir esse pagamento entre outubro e dezembro. Mas poderá haver reações de congressistas republicanos que defendem um ajuste fiscal mais radical - e que, em 2011, tentaram bloquear os pagamentos ao IBA. Também ficaria aberta a definição de como Washington fará os pagamentos a partir de janeiro de 2013.

Outra hipótese é o Congresso aprovar uma versão piorada da "Farm Bill", agravando os subsídios pagos aos agricultores. Há alguma chance de os parlamentares incorporarem uma proposta apresentada pelo Conselho Nacional do Algodão (entidade de "lobby" dos agricultores americanos), tornando o sistema mais distorcivo, na visão brasileira.

Se os americanos piorarem os subsídios, o Brasil poderá reativar as retaliações contra centenas de produtos, sob a forma de sobretaxa quando entrarem no mercado brasileiro. Os EUA podem, em tese, alegar na OMC que cumpriram as exigências ou pedir para pagar uma compensação menor ao Brasil. Também podem sustentar que os preços de mercado são mais favoráveis, o que levou à redução dos subsídios. Nesse caso, restará aos americanos pedir a OMC a abertura de um "painel de implementação" para os juízes confirmarem se Washington pôs fim aos subsídios condenados.

No lado político, há uma clara preocupação no Itamaraty de evitar que o caso ganhe força durante a visita de Dilma a Obama. "Todo mundo está consciente que o problema não é causado pelo governo Obama, mas pelo Congresso", afirmou uma fonte brasileira em Washington.



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